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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A biblioteca mágica de bibbi bokken

"Quem mantém os dois pés
no chão não sai do lugar."

Vou estabelecer uma meta pessoal: ler todos os livros que tenho antes de adquirir outros. Mas quem gosta de livros, sabe o quanto isso é difícil. Logo vemos um título e já o queremos. Não levamos em consideração que há uma pilha em casa nos esperando. E assim nossa biblioteca cresce. Talvez nem tanto quanto "A biblioteca mágica de Bibbi Bokken", romance infanto-juvenil dos noruegueses Jostein Gaarder e Klaus Hagerup.

Gaarder é o autor de "O mundo de Sofia", um dos meus livros favoritos e que marcou minha adolescência. Já esse romance escrito em dupla não me agradou tanto, mesmo tratando de um assunto que me fascina. Uma pena, faz anos que eu o tinha, e estava guardado para ser lido às vésperas do fim de ano. Por algum motivo, acreditei que poderia combinar com o espírito natalino.

A história gira em torno das aventuras e devaneios de dois adolescentes: Nils e sua prima Berit. Após passarem as férias juntos na cidade de Berit, Fjærland, eles decidem trocar correspondências de forma diferente, por meio de um caderno de cartas, espécie de diário que vai e volta pelos correios. A ideia para esse diálogo, mesmo já existindo internet na época em que foi lançado (2003), é bem interessante e a narrativa, pelo menos na primeira parte, acompanha o ritmo, intercalando as cartas dos dois. É Nils quem compra o diário em Oslo, onde vive. Na hora de efetuar o pagamento, é surpreendido por uma mulher, com cara de doida e que parece babar em cima dos livros, que se oferece para ajudar com alguns trocados. A partir de daí começam as aventuras, que envolvem concursos de redação, viagens, sonhos malucos, bolinhos e muitas conjeturas. As pistas que seguem mostram que a mulher, Bibbi Bokken, está trabalhando em uma biblioteca mágica, escondida em algum lugar da Noruega. 

O que mais me incomodou foi a expectativa frustrada de chegar ao fim e descobrir que não houve surpresa ou reviravolta. As coisas aconteceram exatamente de acordo com o que parecia ser, ao contrário de "O mundo de Sofia". Talvez a comparação entre os dois romances, mais até que o fato de eu já ter passado há tempos da adolescência, tenha prejudicado a leitura, que poderia ter sido divertida em outras circunstâncias. No mais, não me empolguei com nenhum dos personagens, diálogos ou situações apresentadas. Pior, não fiquei com vontade de visitar a tal biblioteca. Acredito que cada um dos autores tenha escrito por um dos personagens, já que a narrativa é sempre em primeira pessoa. Por razões outras, porém, já coloquei mais um nome nos destinos que quero conhecer: Fjærland, na Noruega, e seus belíssimos fiordes. Toda leitura tem sua utilidade :-)

"Passeio pelas estantes da biblioteca. Os livros me dão as costas. Não para me rejeitar, como as pessoas: são convidativos, querendo apresentar-se a mim. Metros e mais metros de livros que nunca poderei ler. E sei: o que aqui se oferece é a vida, são complementos à minha própria vida que esperam ser postos em uso. Mas os dias passam rápido e deixam para trás as possibilidades. Um único desses livros talvez bastasse para mudar completamente a minha vida. Quem sou eu agora? Quem eu seria, então."



A versão que eu li


domingo, 20 de dezembro de 2015

fama. um romance em nove histórias

"Quem escuta realmente o outro, quem é que se concentra na conversa do próximo? Todos estão sempre com a cabeça em outro lugar."

Eu comprei este livro por acaso em uma promoção. E na minha estante ele ficou por meses. Mas quando resolvi lê-lo, bastaram algumas horas. A leitura de “Fama”, do alemão Daniel Kehlmann é rápida e dinâmica. São noves histórias interligadas, com narrativas e linguagens distintas. Particularmente, sou fã de livros e filmes apresentados dessa forma, nos quais as decisões de determinados personagens vão interferindo na vida de outros, o que faz com que os protagonistas se revezem na trama. A fama do título pode ser momentânea, pode ser aspiracional. Pode enlouquecer ou salvar.


A primeira história é de um homem que apesar de trabalhar com computadores é contra a tecnologia para uso próprio, tanto que somente depois de muita insistência da família e amigos resolve ter um aparelho de celular. Eis que por uma falha sistêmica, ele passa a receber ligações de um tal de Ralf (o celular está presente a todo momento, tanto que o livro começa e termina com uma ligação). No começo fica irritado e tenta insistentemente falar com o SAC da operadora para corrigir o erro. Como nem na ficção alemã ele funciona (rá!), nada é consertado e as ligações prosseguem. Até que o cara resolve fingir que é mesmo o Ralf. Logo depois, em outro texto, descobrimos que trata-se de um popstar. Na sua própria história, ele se confunde com um fã. Muito interessante a forma com que o autor mostra os conflitos entre realidade e sonho. 

Temos ainda um escritor famoso, metódico e chato, que viaja com a namorada. Ela, por sua vez, é uma médica sem fronteiras (é o que sugere) que receia aparecer em uma das obras do namorado. Por outro lado, um nerd, que participa exaustivamente de fóruns de discussão, deseja ser personagem de tal escritor. Rende momentos ridículos e o texto em que aparece é todo escrito naquela linguagem ‘tipo assim, meio freak’. Também temos a visão de seu chefe, que se mete em uma tremenda confusão ao arrumar uma amante. Há a escritora que viaja para os confins da Ásia. Tudo dá errado e ela se perde do mundo. Detalhe: ela está substituindo o escritor já citado. A idosa que decide morrer na Suíça após descobrir que está doente e outro escritor famoso, de autoajuda, que mora numa luxuosa cobertura no Rio de Janeiro, bem perto das favelas. Seus livros são venerados por quase todos os outros personagens, mas tratados com desdém por Kehlmann (quem será que o inspirou?). O conto que fecha o livro deixa tudo ainda mais confuso, numa forte mistura entre criadores e suas criações. Leitura perfeita para uma viagem. E que viagem!

"Descobri que as pessoas não conseguem trabalhar juntas sem odiar uma às outras e que não se pode mandar em ninguém sem ser detestado."

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

a lista de brett

Comprei pela capa. Olhem o cachorrinho

Sem querer, li dois livros recentemente que são perfeitos para o fim de ano. Combinam muito com o sentimentalismo que envolve o Natal e com as resoluções que fazemos no Réveillon.

O primeiro foi “A estrela mais brilhante do céu”, de Marian Keyes. O outro é o delicioso “A lista de Brett”, de Lori Nelson Spielman. Apesar de ter seus momentos piegas, é uma leitura que me levou a revisitar os sonhos de quando eu era adolescente. Muitos ficaram perdidos no tempo. Outros a vida mostrou que não eram viáveis. Mas o que me deixou feliz foi ver que consegui realizar a grande maioria. Ainda faltam alguns dos quais não desisti, como conhecer o Everest e saber mais sobre arqueologia (esse eu adaptei, pois o que eu queria mesmo era ser arqueóloga). Lembrei de um bonito trecho do divertido "Alta fidelidade", de Nick Hornby, que nos faz refletir sobre a infância e se a criança que um dia fomos teria orgulho do que nos tornamos.

E o livro de Spielman fala sobre isso. Brett tem 34 anos, é rica, mora em Chicago, tem um cargo importante na empresa da família e quando a mãe morre, se vê diante dos sonhos de quando tinha catorze anos. Para receber sua herança ela tem que riscar, em um ano, todos os itens da lista que fez naquela época, e que foi encontrada amassada no lixo pela mãe. Desejos que parecem distantes de seu estilo de vida atual. Mas o pedido da mãe deve ser cumprido. A relação inclui apaixonar-se, ter filho, dar aulas, ter um cachorro, um cavalo, entre outros. Brett fica desolada com esta imposição, mas aos poucos começa a ver sentido nessa corrida. Claro que a partir daí muita coisa é bem forçada, como o fato de tudo acontecer de forma sincronizada e os sonhos antigos serem, mesmo que sem querer, realizados. O que não tira o encanto da leitura. Afinal, contos de fada não têm muita explicação, não é? ;-)  

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

a estrela mais brilhante do céu


Saí da “Escuridão total sem estrelas”, de Stephen King, direto para “A estrela mais brilhante do céu”, da irlandesa Marian Keyes, minha autora preferida de chick-lit. Mas este livro foge um pouco das outras histórias dela. Claro que os estão presentes elementos habituais desse tipo de literatura (mulheres com a vida confusa em busca do amor), mas com uma pegada diferente.

A versão que eu li
Logo no começo somos apresentados a uma espécie de espírito ou seja lá o que for. Eu li a versão original, em inglês, portanto não sabia exatamente o gênero do narrador. Fui conferir a versão brasileira e lá há gênero. Uma pena. Principalmente quando avançamos na história e descobrimos do que realmente se trata.

Enfim, este espírito chega a um prédio no centro de Dublin. Lá terá que escolher uma pessoa. Aos poucos, passa a vigiar pensamentos, atitudes e até mesmo o passado de cada um dos moradores e daqueles com os quais se relacionam. Parece uma novela com vários núcleos e com personagens bem diversos: mulher solteira na crise dos quarenta, homem workaholic, moça boazinha, moço bonzinho (mas ambos depressivos), imigrantes sonhadores, cara sedutor, mulher mal humorada, velha vidente e até um cachorro chamado Rancor, que tem seus próprios pensamentos amargos em relação ao filho da dona. Todos acabam se encontrando e se desencontrando durante a trama.

Apesar de não se passar durante o Natal, é um bom livro para essa época. Leve, divertido e com uma mensagem bacana no final.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

escuridão total sem estrelas


Quando eu era criança/adolescente costumava ler a coluna, de contos curtíssimos, de Voltaire de Souza (pseudônimo de Marcelo Coelho) no Notícias Populares. Aquele jornal que “se espremer sai sangue”, como diziam, e que teve sua última edição em 2001, depois de quase quarenta anos nas bancas. Há um livro que relembra toda a história do periódico, “Nada mais que a verdade”, escrito por Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima, e que merece uma resenha. Mas voltemos aos textos de Voltaire de Souza. Outro dia me deparei com um deles no jornal Agora São Paulo. Estava lá o mesmo espírito irônico. Mas não tão ‘violento’ quanto antes. A lembrança veio por conta do que encontrei em “Escuridão total sem estrelas”, coletânea de quatro contos de Stephen King. Eu buscava algo para me deixar com medo. Mas medo do sobrenatural, de assombração. E o que vi foi o fundo do poço do ser humano. Até temos um toque mais fantástico no terceiro conto, no mais o que predomina é a violência. Tanto que se espremer, jorra sangue para todo lado. Aliás, nunca vi tanto sangue em um livro.

No primeiro conto, “1922”, tem que ter estomago para aguentar as passagens em que uma mulher é brutalmente morta pelo marido. O pior é que ele acaba envolvendo o filho. Mostra em detalhes como o homem fica cego pela ganância e pela inflexibilidade. Como lemos tudo sob o ponto de vista do assassino, a esposa é tratada como fútil e egoísta. Nunca saberemos os motivos dela, que foi calada com requintes de crueldade. Se antes eu já não gostava de palhaço, agora menos. Não posso mais ver um palhaço que lembro desse conto. Final inesperado e que me lembrou “A metamorfose”, de Franz Kafka. Fiquei com pena dos ratos que apareciam aqui e ali e que tanto atormentaram o protagonista em suas alucinações. Esses animais são sempre vistos como coisa ruim e quase sempre representados de forma a aterrorizar as pessoas. Também muito me comoveu uma vaca que teve uma de suas tetas arrancadas por um desses bichinhos. Será mesmo? Depois que vocês lerem “1922”, entenderão minha dúvida. Recordo-me, agora, de outros dois ratinhos, simpáticos e que todos gostam: o ‘cozinheiro’ do filme Ratatouille e o famoso Mickey Mouse. Daria uma boa análise. 

Na sequência, temos “Gigante do volante”. Aqui eu fiquei com raiva, mas com muita raiva da protagonista. Ela é escritora e vai dar uma palestra em uma cidadezinha nos Estados Unidos. Na volta, por indicação da anfitriã, pega um atalho e acaba sendo estuprada e espancada. Mas ela consegue escapar e tem a oportunidade de denunciar o fdp. Mas não. Ela se cala! Fica pensando que não pegaria bem aparecer nos jornais como vítima dessa violência. Contudo, planeja sozinha sua própria vingança. Só que tudo começa a dar errado. E aí é só tensão. Xinguei muito a Tess, esse é o nome dela. Seus conselheiros são seu gato e o GPS, com quem bate altos papos. Não vou falar mais nada para não estragar a leitura. Apesar do ódio que senti, gostei da história.

O terceiro é o mais curto, “Extensão justa”. Neste há uma pegada mais sobrenatural, direto do inferno. David tem câncer terminal e uma vida mais ou menos. Não casou com seu primeiro amor, seu emprego não é o de seus sonhos, seus filhos não são os melhores da escola, a casa é simples. Enfim, até aí nada diferente da maioria da população. Contudo, a doença o deixou ainda mais deprimido. Até que ele encontra um vendedor ambulante que promete a cura para tudo. Inclusive para o câncer e suas frustrações pessoais. Basta ele indicar alguém que ele tenha muita raiva (ou muita inveja, no caso dele). Depois desse episódio, as coisas começam a melhorar. Rapidamente e muito. Chega a ser piegas a forma com que a trama segue. Terminei não acreditando no que lia. O mais fraco dos contos.

Por fim, “O bom casamento”. Na minha opinião, o melhor. Principalmente pela forma com que King vai nos envolvendo na história. Começa falando sobre casamento, as pequenas coisas do dia a dia, o quanto cada um conhece de seu cônjuge, os momentos felizes, os planos feitos juntos. Detalhes que fazem a relação ser boa (ou não). E é assim com Darcy, casada há anos com Bob. Com ele, construiu uma bela casa, tem dois filhos, o rapaz está tendo sucesso em sua empresa, a moça está prestes a se casar. Darcy está com 46 anos. Bob com 49. Ela pensa que sabe tudo sobre o marido. Apenas pensa. Por causa de duas pilhas para o controle remoto da TV, ela descobre um esconderijo e um segredo que vai destruir qualquer boa lembrança que ela possa vir a ter. 

No posfácio, Stephen King nos conta um pouco sobre o processo criativo para essas histórias. Fotos, reportagens e viagem pelas estradas norte-americanas lhe serviram como inspiração para o livro que já se tornou o meu favorito dele.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

aconteceu em paris

Capa feia, edição cheia de erros
Nunca neguei. Adoro um chick lit, estilo literário do qual fazem parte os livros que trazem a hilária Bridget Jones, criada pela inglesa Helen Fielding. Também estão dentro os engraçados romances da irlandesa Marian Keyes. "Sex and the city", de Candace Bushnell, e um dos meus favoritos, "Can you keep a secret", de Sophie Kinsella. Assim, entre uma leitura e outra, sem nenhuma vergonha, encaixo um desses livros, que aqui são conhecidos como ‘literatura de mulherzinha’. As histórias são muito parecidas: protagonistas atrapalhadas. Tudo que fazem dá errado. Estão sempre metidas em alguma confusão e têm na cola um gato apaixonado. O final feliz é regra e esperado. Apesar da previsibilidade, nos proporcionam bons momentos de entretenimento. São ótimos para quando bate a tristeza ou quando queremos apenas dar boas risadas. E, sim, também nos ajudam a refletir sobre a vida, de certa forma ;-)


:-(
Fazendo uma rápida pesquisa em blogs literários (busquei por 'livros para morrer de rir’), cheguei até “Aconteceu em Paris”, da escocesa Molly Hopkins. Comprei a versão digital, abri um vinho e me preparei para dar gargalhadas. Mas a péssima edição brasileira, da Nova Conceito (caramba, editora!), me deixou de mau-humor. Há erros grotescos de português, como o que compartilhei no meu instagram (imagem ao lado). 'Voltei a se sentar' é triste, não? Não sou a perfeição em língua portuguesa, mas entendo que esta deva ser a pretensão das editoras que ganham dinheiro vendendo livros. É o mínimo, considerando o preço das publicações por aqui e sabendo que contam com vários revisores.

Tudo isso me deixou com raiva da Evie Dexter, a protagonista. Bobinha e sem graça, embora a intenção fosse justamente ser divertida. Desanimei e interrompi a leitura. Mas como tinha dado uma boa grana pelo e-book, terminei o romance. Até que me diverti com as aventuras dela por Paris. Na verdade, só me animei mesmo quando ela fez um tour pela Escócia. Faltou dizer que é publicitária, perde o emprego e consegue outro em uma agência de turismo. Seu primeiro trabalho é levar um grupo de quarenta pessoas para um fim de semana em Paris. Logo de cara, interessa-se pelo motorista de ônibus, o bonitão Rob. Na mesma noite vai para a cama com ele. E por aí vai. Enfim, mas eles acabam nas montanhas escocesas, um dos lugares mais lindos que já visitei. Daí não consegui mais largar o livro e as descrições das paisagens. Aliás, muito poucas, mas suficientes para eu ter vontade de voltar. Pronto. Mesmo essa edição ruim me fez sonhar. O que não me deixou menos decepcionada com a Nova Conceito. Sei que Evie continua suas aventuras em outro romance, “Aconteceu em Veneza”. Será que vale arriscar?

sábado, 31 de outubro de 2015

não conte a ninguém


Depois da decepção da minha primeira experiência com os romances policiais de Harlan Coben, resolvi dar uma segunda chance ao autor. Porque apesar do final decepcionante de “Seis anos depois”, gostei do ritmo de sua narrativa. E também porque estava em uma fase de livros rápidos. Daqueles que não conseguimos largar. Felizmente, tomei esta decisão, pois “Não conte a ninguém” é de tirar o fôlego. Fui noite adentro até terminar a última linha. Ainda assim, fui um pouco mais e reli o último capítulo para absorver melhor o final, que é de arrasar. Sensacional. Não vou dizer que é o livro da minha vida, mas para o que ele se propõe, é muito bom.

Beck e Elizabeth se conhecem desde sempre. Cresceram juntos e o relacionamento foi além de simples amizade entre crianças. Tanto que o primeiro beijo deles foi quando tinham doze anos (acho que é isso). Fato comemorado todo ano com a ida ao local em que o tal beijo aconteceu, perto de um lago. Para marcar cada aniversário da união, eles fazem um risco na árvore que testemunhou tudo. Casados e prestes a colocarem a oitava marcação, eles sofrem um ataque. Elizabeth é raptada e assassinada. Beck é golpeado e largado no lago inconsciente. Anos depois, o médico – ele é pediatra -, recebe um e-mail que muda o rumo da trágica história. Talvez Elizabeth ainda esteja viva e em perigo. Mas por que ela se escondeu? Outras dúvidas também aparecem no decorrer da trama. Beck foi jogado inconsciente na água. Como ele conseguiu sair de lá? Teria algo a ver com a (agora suposta) morte da esposa? É o que a polícia investiga. Penso que tudo foi muito bem colocado e resolvido por Coben. Os capítulos são curtos e mesclado com narradores em primeira e em terceira pessoa, a todo momento colocando um diferente ponto de vista e um fato novo que vai mudar o enredo. Outro ponto interessante é que o autor ressalta que não existe limite entre o bem e o mal, o que torna alguém melhor que outro, afinal? Até a máfia aparece. Por falar nisso, ao terminar a leitura fiquei morrendo de vontade de rever a trilogia "O poderoso chefão". Talvez faça isso e continue um pouco mais no clima desse romance.

Ah! O livro ganhou adaptação cinematográfica na França. Comecei a assistir, mas não consegui ir até o fim. Em tempo: meio que de leve, este é outro romance que me fez lembrar  'O Assassinato de Roger Ackroyd', de Agatha Christie. Aliás, fica a dica ;-)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

seis anos depois

É spoiler, mas dane-se. Odiei o fim de “Seis anos depois”, de Harlan Coben. Tudo ia bem. Não conseguia largá-lo. Trama interessante. Tem lá seus momentos 'melaços', mas okay. Até cheguei a ficar satisfeita com o desfecho que surgia, mas o óbvio 'viveram felizes para sempre' venceu. Isso depois de todos, simplesmente todos (mocinhos e bandidos) terem morrido para que uma pessoa apenas sobrevivesse. Até curto quando tudo acaba bem, mas algo realmente me irritou no casal. Queria que o fim tivesse ficado em aberto. Assim, eu ficaria a pensar nas possiblidades. Mas não há esperança para um final feliz como esse.

O romance fala sobre Jake e Natalie. Eles se conheceram durante um verão. Ele, que é professor, estava em um retiro para escritores. E ela em um para artistas. Como estavam próximos, acabaram se encontrando e se apaixonando. Sabe aquelas cenas de filmes em que vemos um casal dando pulinhos, correndo, rindo, brincando de esconde-esconde etc. Pois é assim com esses dois. Só que do nada ela decide terminar tudo e se casar, ali mesmo no retiro, com um ex-namorado. Isso acaba com a vida do pobre coitado do Jake. Seis anos se passam e ele descobre, por acaso, que o marido da amada morreu. Pensa: ‘agora ela está livre’. E começa a caçar a moça. Ele não contava, porém, que ela simplesmente tinha desaparecido do mapa. Não há registro algum dela no mundo. Pior, os dois retiros também desapareceram e ninguém parece ter ouvido falar deles. Tudo muito estranho. Entram em cena sociedades secretas, FBI e muitas mortes. Sinceramente, Jake é um babaca. Obcecado pela tal da Natalie, que só faz algumas pontas no romance. Aliás, nos poucos momentos em que surge, dá para ver o quanto a personagem é fraca. Embora a todo momento eu tenha sido contra o final feliz dos dois, até cheguei a ficar animada em vários pontos da história. Principalmente quanto achei que tudo tinha acabado, e que Jake poderia seguir sua vida sem a sombra da inexpressiva Natalie. Mas eis que na última página lá estão eles, felizes, juntos e esperando um filho. Decepção.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

um elefante no meu jardim

Se quiserem ler um livro que fala verdadeiramente sobre o amor, eu recomendo “Um elefante em meu jardim”, do inglês Michael Morpurgo.

Tem os clichês de todos os romances ambientados durante a segunda guerra mundial, como o amor entre a mocinha e o soldado inimigo, a destruição, a fuga dos sobreviventes. Mas traz algo diferente: o olhar dos animais. Especialmente do olhar de uma elefanta de quatro anos, Marlene. Ela nasceu no zoológico e, após a morte de sua mãe, entrou num profundo luto, como fazem os elefantes. Ocorre que sua tratadora, Mutti – diminutivo de mãe em alemão – tem grande afeição pelo animal e passa a tratá-la como filha. 

Ela própria tem dois filhos, Lizzie e Karli. O marido foi convocado pelo exército alemão e está na Rússia. Sozinha com as crianças, além da preocupação em mantê-los vivos, precisa salvar Marlene, já que o diretor do zoológico avisou que todos os animais seriam sacrificados quando os alarmes de ataques aéreos soassem. E isso estava cada vez mais próximo. Eles moram em Dresden, que foi bombardeada nos últimos meses da guerra. Antes, porém, Mutti já tinha encontrado a solução. Levou Marlene para morar no jardim da casa, e juntos atravessaram a Alemanha para escapar dos mísseis. Toda essa história é contada anos depois pela filha mais velha, Lizzie, que na época tinha dezesseis anos, e que agora vive em um asilo. 

A todo momento, a elefanta parece conversar com eles. Entende suas aflições. Ouve suas confissões. Rende momentos de risos quando faz cocô e é o que mantém todos confiantes, mesmo quando não têm abrigo ou o que comer. 

Mas tem lá seus antagonismos. O elefante é identificado como animal de circo. Isso fica evidente na passagem em que Lizzie recebe um cartão de aniversário com recortes de elefantes rodeados de elementos circenses, e outros animais, que ilustram supostos dias felizes antes da guerra. Ideia que será retomada no fim do livro que, aliás, me deixou a pensar em "Life of Pi" e seu desfecho. Também há o momento em que o irmão caçula de Lizzie está cansado e todos decidem que ele deverá ir no lombo de Marlene, pois está no 'sangue' dela, já que sua mãe passou anos levando crianças para passear no zoológico. Enfim, felizmente, predominaram no texto o respeito, a gratidão e a certeza de que precisamos de mais histórias assim.

Deixo para vocês a passagem mais linda, quando Lizzie encontra o olhar de Marlene. E é isso.

“Fiquei segurando o lampião enquanto a Mutti espalhava um pouco de palha aos pés da Marlene. Mas mantive distância da elefanta. Talvez porque ela fosse enorme demais, não sei como, porém ela parecia bem maior agora em nosso depósito de madeira do que no zoológico. Mas acho que eu estava nervosa, porque ela me olhava de uma maneira que eu achava um tanto incômoda e desagradável. A elefanta não olhava para mim, mas para dentro de mim. Por isso eu sabia que a Marlene conseguia ver o ciúme que eu estava sentindo por conta da intimidade dela com Karli. Porém comecei a perceber que ela não estava me julgando. Ninguém jamais tinha me olhado tão fixamente daquele jeito, que só posso descrever como um olhar repleto de curiosidade, bondade e amor. Assim, qualquer ressentimento que eu pudesse ter sentido contra Marlene desapareceu durante aquela primeira noite no depósito de madeira.”

Amor materno. Foto: Anda

Sobre circos, zoológicos e elefantes

Eu sempre fui contra zoológicos. O mesmo vale para circos. Não me interessa a opinião daqueles que têm algo positivo a falar tanto sobre um como outro. Ambos maltratam, sim, os bichos. Digitem “elefantes de circo” no Google e vejam se as imagens mostram animais felizes naquelas condições. Ou fiquem presos em jaulas num ambiente que não é o seu, sendo observado por uma plateia cheia de olhares vazios. Depois voltamos a conversar. 

Links:

domingo, 20 de setembro de 2015

jimmy´s hall (e o cavalo invisível que o acompanha)

Já faz algumas semanas que assisti a um filme bem bacana: “Jimmy´s Hall”, de Ken Loach. Conta a história real do irlandês James Gralton, revolucionário socialista que entra em conflito com a igreja católica por conta do estabelecimento que abre, um salão no qual as pessoas podem ler, cantar, dançar e discutir assuntos além dos que são permitidos pelo padre. Resultado: por duas vezes é expulso do país. Na primeira ainda é ‘perdoado’ e retorna, o que não acontece da segunda vez, quando é mandado definitivamente para os Estados Unidos. 

Enfim, o filme é bem produzido, bem interpretado. Eu consegui ter uma boa ideia da época em que é retratado, por volta de 1930. Vale sobretudo pela trilha sonora, que mescla canções tradicionais irlandesas com o jazz, que Jimmy trouxe de sua primeira viagem ao exterior.

Mas o que me motivou a escrever sobre o filme não foi nada disso. Foi o cavalo que aparece em praticamente todas as cenas. Para mim o paradoxo da liberdade que os personagens ativistas tanto pedem. Quem tem o direito de manter quem preso a rédeas, afinal? No filme e na época tratada, a igreja católica parece ter este direito ao limitar o acesso cultural da população local. Ao impedir que as pessoas possam ir e vir de acordo com seus desejos. Ao mesmo tempo, todos utilizam o animal para seus interesses pessoais. 

Jimmy retorna à sua casa depois de um longo tempo em uma carruagem. Quando chega, percebemos a dificuldade com que o amigo que o acompanha tem para descarregar sua bagagem. Eu mal consegui acompanhar a passagem, pois estava a imaginar o esforço do cavalo ao subir as ladeiras irlandesas com a carroça, os dois homens e todos os seus pertences. Baseado em fatos reais, lembram?

Mais adiante, uma família é desabrigada. E todos se unem para fazer com que a propriedade seja devolvida. Para isso, mais uma vez está lá o cavalo com sua carroça repleta de móveis.

E assim em praticamente todos os momentos. Onde tem um homem reivindicando seus direitos ou chorando por suas perdas ou comemorando vitórias, o animal o acompanha. Invisível para todos,  já que em nenhum momento é mencionado, embora esteja sempre presente. Cabisbaixo, pois mesmo sendo tudo cenas, sabe que está preso. Pior, sabe que lá representa o que muitos ainda vivem. E sem nenhum partido ao qual se afiliar ou recorrer. Políticas do homem.

Cenas iniciais com Jimmy retornando à Irlanda após dez anos nos Estados Unidos



O salão de Jimmy


A carga que carrega


Devolvendo a uma família sua casa


Cenas finais. Todos se despendido de Jimmy.


Há outros animais na filmagem. Abaixo, um burro de carga e bois.




















Todas as imagens foram extraídas do trailer oficial do filme.

domingo, 13 de setembro de 2015

queria que você estivesse aqui


Don't be sad, I know you will 
But don't give up until 
True love will find you in the end 
This is a promise with a catch 
Only if you're looking, can it find you 
'Cause true love is searching too
(trecho de 'True love will find you in the end', de Daniel Johnston, citado no livro)


E mais um dia com temperatura baixa. Estou feliz com esta súbita frente fria no fim do inverno que nunca chegou. 

Aproveitei para entrar ainda mais no clima com 'Queria que você estivesse aqui', do espanhol Francesc Miralles. O título é uma homenagem à música de Pink Floyd. Assim como os outros dois livros desse autor que li ('Amor em minúscula' e 'O melhor lugar do mundo é aqui'), traz inverno, pessoas sozinhas, animais de estimação, muitas referências literárias e musicais. 

Aqui, além da canção da banda norte-americana, o fio condutor é a história de 'O jardim secreto', de Frances Hodgson Burnett, obra infanto-juvenil de 1911, no qual uma orfã vai para a casa do tio e lá se encanta por um jardim proibido. Também é o que acontece com Daniel, o nosso narrador protagonista. Na noite em que comemora seus trinta anos, leva um fora da namorada e ganha um CD de uma amiga. Desnorteado com o fim do relacionamento de sete anos, tranca-se em casa e ouve o álbum que ganhou, da canadense Eva Winter (olhe o inverno aí de novo). Espantado, percebe que as letras narram sua própria vida. Inclusive seu desejo de ir para a Islândia (e o meu).

O Natal está chegando e na falta de algo melhor para fazer, arruma as malas e parte de Barcelona para Paris atrás da enigmática cantora que parece ter vivido as mesmas experiências que ele. Há um show marcado para os próximos dias na capital francesa e ele não resiste ao desejo de bater um papo com Eva e descobrir por que ambos têm tanto em comum.

Mas no meio de tudo isso, encontra o tal livro do jardim e passa a trocar mensagens com alguém que se faz passar pela personagem Mary, a orfã que já comentei. Infelizmente, eu já sabia o que estava por trás dessa fantasia. Tudo muito óbvio. Contudo, não deixa de ser uma leitura aconchegante. Justamente o que procurava para ler sob as cobertas.

"Quando tudo perde o sentido para alguém, só lhe restam duas alternativas: se aniquilar ou aniquilar o mundo que o cercou até então, dinamitar seu velho lar para procurar um novo."

sábado, 12 de setembro de 2015

dias nublados





E hoje eu era a única na praia. Corri por toda a orla tendo como companhia apenas os pássaros e um ou outro cachorro. Chuvisco. Nuvens.

Enquanto corria, lembrava de alguns livros em que as personagens correm. Como "Para sempre Alice" e "O lado bom da vida". De alguma forma, sempre associo a corrida a dias assim. Frios. Quando não posso estar nesse clima, fico feliz em me imaginar em tal cenário. Por meio da literatura. Por meio dos livros. 

Mas hoje eu estava lá. Sozinha.

Algumas ideias surgiram. Pistas para o doutorado. Ainda estou entre duas áreas. Formas distintas de abordar os animais. Suas representações. Mas o vento me trouxe títulos, autores, possibilidades.

Tempo fechado para mim é sempre inspirador :-)

domingo, 30 de agosto de 2015

para sempre alice



"Pensou nos livros que sempre quisera ler, os que adornavam a prateleira superior da estante de seu quarto, aqueles para os quais havia imaginado que teria tempo depois. Moby Dick. Alice tinha experimentos a conduzir, artigos a escrever e palestras a dar e a que assistir. Tudo o que fazia e amava, tudo o que ela era, exigia a linguagem."

Sonhei que precisava terminar "Dom Quixote" rapidamente ou não conseguiria mais lê-lo. Isso foi culpa de "Para sempre Alice", primeiro romance da neurocientista e escritora Lisa Genova, que escreveu outros três, sempre tendo problemas da mente como tema. Seu livro de estreia me conquistou. Profundamente. Tanto que quando terminei, voltei e reli o epílogo. E, na sequência, assisti ao filme que ele originou. Aliás, vale pela interpretação de Julianne Moore. Mas não substitui a leitura :-)

É a história de Alice, renomada professora de Harvard. Uma palavra esquecida aqui, um compromisso perdido ali, por alguns momentos sem ter noção de onde está e descobre que, aos cinquenta anos, tem o Mal de Alzheimer de instalação precoce. Algo raro, mas que avança rapidamente. O livro abrange exatos dois anos e é dividido por meses. De forma linear, mostra a evolução da doença, desde os primeiros sinais. Eu me envolvi tanto que praticamente me coloquei na pele da protagonista. O desespero com que recebeu o diagnóstico, a tentativa de manter a mente alerta, o sofrimento por ter de abrir mão de suas aulas, o inconformismo por ser especialista em linguagem e dia após dia perder a capacidade de se expressar. 

Ainda consciente de seus atos, deixa orientações para quando a Alice de logo mais não souber mais as respostas para perguntas que formulou, e que aparecem todos os dias em seu Blackberry. Precaução de quem conhece muito bem os últimos estágios. Torci para que tudo saísse como planejado.

Acompanhamos a revolta e o desejo de poder trocar o Alzheimer pelo câncer, doença que não exclui, mas que permite batalhas. Ganhando ou perdendo sempre teria apoio. Por fim, sua entrega. Suave. Sozinha. 

"Alice voltou para casa andando devagar, apreciando o aroma do ar frio de outono e o chiar estalado que seus pés produziam ao pisar nos montes de folhas caídas no chão."

O livro é delicado, não traz aquele apelo comum às narrativas que tratam de doenças. Não estamos aqui para sentir pena de Alice, mas para sentir o que ela sente. E é exatamente isso que fazemos na bela passagem em que ela mata o dia de aula para tomar um sorvete e relembrar seu percurso, sua rotina. A família e seus dilemas também estão presentes, mas de maneira distante, sem comprometer o enfoque que é dado às suas sensações. Seu marido, também pesquisador de Harvard, insiste na busca por uma droga que poderá retardar o desenvolvimento da doença, enquanto a todo momento gira a aliança no dedo e dá um sorriso desanimador. Li ou ouvi em algum lugar que quando giramos a aliança é porque algo nela nos incomoda. Será que podemos culpá-lo?

Seus três filhos tentam aceitar. E cabe à caçula, com que ela tem certo atrito, compreender realmente o que se passa dentro da mãe. Belissimo. Recomendado.

"Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz este discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância."

Mais trechos

"Ela o fitou diretamente nos olhos. Uma vez, um colega lhe dissera que o contato visual com outra pessoa por mais de seis segundos, sem desviar os olhos nem piscar, revelava um desejo sexual ou homicida. Pensando bem, Alice não acreditava nisso, mas era algo que a havia intrigado o bastante para que o testasse com vários amigos e estranhos. Curiosamente, com exceção de John, um dos dois sempre desviava os olhos antes de terminarem os seis segundos."

"Gostava de coisas que lhe lembrassem borboletas. Recordava-se de um dia, aos seis ou sete anos, em que havia chorado no quintal pelo destino dessas criaturas, ao saber que elas só viviam durante alguns dias. A mãe a havia consolado, dizendo que não ficasse triste pelas borboletas, porque o simples fato de a vida delas ser curta não significava que fosse trágica. Vendo-as voarem ao sol quente em meio às margaridas do jardim, a mãe lhe dissera: “Está vendo? Elas têm uma vida linda.” Alice gostava de se lembrar disso."

"Desejou estar com câncer. Trocaria o mal de Alzheimer pelo câncer sem pestanejar. Envergonhou-se de desejar isso, o que decerto era uma barganha inútil, mas, ainda assim, permitiu-se fantasiar. No câncer ela teria algo a combater. Havia a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Haveria uma possibilidade de que ela vencesse. Sua família e a comunidade de Harvard se uniriam a sua batalha e a considerariam nobre. E, ainda que no fim ela fosse derrotada, poderia olhá-los nos olhos, consciente, e se despedir antes de ir embora."

"E, enquanto a cabeça careca e uma fitinha na lapela eram vistas como insígnias de coragem e esperança, o vocabulário relutante e o desaparecimento das lembranças prenunciavam a instabilidade mental e a loucura iminente. Os pacientes de câncer podiam ter a expectativa de receber apoio de suas comunidades. Alice tinha a expectativa de ser banida. Até as pessoas bem-intencionadas e cultas tendiam a manter uma distância temerosa dos doentes mentais. Ela não queria transformar-se numa pessoa evitada e temida pelas outras."

"Sejam criativos, sejam úteis, sejam práticos, sejam generosos e acabem em grande estilo."

"Ele girou a aliança no dedo e deu um sorriso desanimado"


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

bruxa da noite e feitiço da sombra

Sabe a sensação de tempo perdido? Pois ela só não foi maior por conta das paisagens irlandesas. As capas da trilogia "Primos O'Dwyer" de Nora Roberts são lindas. Mas é só. Parece que Nora designou o trabalho a seus estagiários (sem ofensa aos estagiários). Na verdade, eu li os dois primeiros volumes porque precisava de uma leitura leve e ambos me foram emprestados, juntos, com este propósito. O terceiro ainda não chegou ao Brasil, mas já dei uma olhada em alguns comentários no site da Amazon e posso dizer que já sei o final. Quem sabe eu não o leia em inglês para fechar o ciclo e ver se a escrita é mesmo ruim ou se a tradução para o português brasileiro é que foi péssima, com vocabulário pobre. Vale dizer que os livros um e dois estavam cheios, mas cheios de erros de revisão. Como trocar prima por primo e avó por bisavó. Apenas para citar alguns deslizes que percebi mesmo sem ter tido acesso ao texto original. Fora os erros de português e de digitação. Uma pena, pois sei que muitas pessoas estão lendo essa série, que fala sobre bruxas e bruxos.


"A bruxa da noite" é o primeiro. A história começa lá em 1200 com uma bruxa que só pensa no seu 'homem'. É um tal de meu 'homem' pra cá, meu 'homem' pra lá que irrita. O homem morre, a mulher vai lutar com Cabhan, o bruxo que o matou, e perde, deixando três bruxinhos órfãos no mundo. 

Eles reencarnam nos dias atuais. Agora são dois irmãos irlandeses, Branna e Connor. Para se juntar a eles, surge do nada, enviada pela avó bruxa (rá!) a norte-americana Iona. Chata, intrometida e metida a falar o que pensa, o que para mim é desculpa para o fato de ser folgada. Sem rodeios, vai morar na casa dos supostos primos-irmãos de outra era, arruma também um 'homem', o não-bruxo Boyle, e por lá fica aprendendo feitiços. Há ainda um quarto bruxo, o Finn, e mais uma não-bruxa, a Meara. 

Seis amigos que passam o dia comendo, bebendo e pensando em maneiras de destruir Cabhan. Fiquei o tempo inteiro torcendo para que um deles fosse do mal e desse um pouco de surpresa à história. Mas que nada. Tudo como previsto. Esse primeiro volume, além de apresentar os personagens, foca no romance da mala da Iona com o sem graça do Boyle. Melaço. Amor à primeira vista, desentendimento por frescura da mocinha e final feliz.

Claro que, apesar das lutas, voos e cantos, o bruxo do mal não sucumbe, surgindo firme e forte no segundo volume. Os mesmos bla bla bla. Feitiços. Vinhos. Cervejas. Refeições para seis feitas a todo momento pela coitada da Branna, a mais agradável dos seis. Bem, o Finn, que quase não abre a boca, também é simpático. Em "Feitiço da Sombra" o foco amoroso vai para Connor e Meara. Mesmo melaço. Sei que "Blood Magick" vai falar de Branna e Finn. Esqueci de dizer que ele descende do Cabhan. Talvez alguma reviravolta, mas como disse antes, já vislumbro o final e não há esperança para ele ser o vilão disfarçado. So sorry.
Gostei muito dos animais, o cachorro de Branna, o gavião do Connor e o cavalo da insuportável Iona. Esse, sim, um trio que merece todo o meu respeito ;-)

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

moby dick

A grande baleia apenas queria seguir seu caminho

Aquelas ilhas rochosas ultrapassadas pelo navio eram refúgio de grande número de focas e provavelmente alguns filhotes que haviam perdido suas mães e algumas mães que haviam perdido seus filhotes deviam ter se aproximado do navio, acompanhando-o durante algum tempo, chorando e soluçando com seu peculiar lamento quase humano.


Em 2014 eu me propus a ler clássicos da literatura mundial. Fiz a lista e resolvi começar por aquele que as pessoas consideravam mais chato. Deu ‘Moby Dick’, de Herman Melville. Claro que não entrevistei centenas de pessoas. Para ser sincera, perguntei para menos de meia dúzia. Mas não deixa de ser referência.

Comprei a versão bilíngue no formato digital e preparei-me para o pior. O livro abre com ‘Etimologias’, que traz os diversos nomes das baleias em todos os oceanos. Bem pesado.

Mas logo vieram as ‘Quimeras’ ou ‘Miragens’ (dependendo da tradução) do marinheiro Ishmael e eu me diverti muito com suas divagações. Fala sobre sua ânsia de novamente estar em um navio. Tanto que está disposto a fazer qualquer coisa, até mesmo trabalho considerado escravo. “Quem não é escravo? Dize-me”, questiona. Ele fala sobre a magia que envolve a água e do desejo do ser humano de estar sempre perto dela. Isso me lembra o trânsito nos feriados prolongados. Para onde todos vão? Para onde? “Coloca esse homem em pé e estimula-o a caminhar e infalivelmente seus pés o levarão à água, se houver água nessa região.” 

Desconsiderando as ‘Etimologias’, digo que esse é o início de livro mais bonito que já li.


“Trate-me por Ishmael. Há alguns anos – não importa quantos ao certo –, tendo pouco ou nenhum dinheiro no bolso, e nada em especial que me interessasse em terra firme, pensei em navegar um pouco e visitar o mundo das águas. É o meu jeito de afastar a melancolia e regular a circulação. Sempre que começo a ficar rabugento; sempre que há um novembro úmido e chuvoso em minha alma: sempre que, sem querer, me vejo parado diante das agências funerárias, ou acompanhando todos os funerais que encontro: e, em especial, quando minha tristeza é tão profunda que se faz necessário um princípio moral muito forte que me impeça de sair à rua e rigorosamente arrancar os chapéus de todas as pessoas – então percebo que é hora de ir o mais rápido possível para o mar. Esse é o meu substituto para a arma e para as balas. Com garbo filosófico, Catão corre à sua espada; eu embarco discreto num navio. Não há nada de surpreendente nisso. Sem saber, quase todos os homens nutrem, cada um a seu modo, uma vez ou outra, praticamente o mesmo sentimento que tenho pelo oceano.”

Só não gostei dessa colocação: “Esse é o meu substituto para a arma e para as balas
”. Há armas no mar, sim, Ishmael. 

E lá vai ele para seu encontro com as águas. Sua primeira parada é em New Bedford, no estado norte-americano de Massachusetts. Lá se instala numa hospedaria bem ruim. O dono logo avisa que terá que dividir a cama com outro hóspede. Sem ter mais opções, aceita. No recinto percebe que a outra pessoa ainda não havia chegado. Aliviado, dorme. Acorda assustado com uma figura enorme e toda tatuada. É Queequeg, arpoador selvagem da Nova Zelândia, que surge com seus rituais e deixa Ishmael morrendo de medo. Ri horrores quando Queequeg deita com ele como se nada demais estivesse acontecendo. Talvez não estivesse mesmo. Tudo é percepção e cultura, afinal. Ficam amigos e juntos vão para Nantucket, importante porto baleeiro, e conseguem embarcar no Pequod com a promessa de alguns anos em alto mar.

Daí acabam suas passagens e Ishmael passa a ser apenas o observador (e narrador) do que acontece no navio. As atenções são todas voltadas para Ahab, o capitão, e seus três comandantes, Starbuck (daí o nome da famosa franquia de café), Stubb e Flask. Na verdade, o mote do livro é o desejo de Ahab de se vingar da grande baleia Moby Dick, que lhe arrancou uma perna. Mesmo que os tripulantes tenham seus motivos particulares para estarem no Pequod, o que os guiará será o sentimento destruidor de Ahab. 

Durante toda a leitura fiquei curiosa em relação ao nome Moby Dick. A única informação que encontrei foi que sua origem pode ter vindo do artigo Mocha Dick: Or The White Whale of the Pacific: A Leaf from a Manuscript Journal, publicado em 1839 pelo editor de jornais norte-americano Jeremiah Reynolds, relato da captura de um enorme cachalote que afundou vários navios. Moby porque o animal era frequentemente visto perto da Ilha Mocha, no Chile. E Dick por ser nome comum. Mas são especulações.


O livro tem 135 capítulos. A história, embora seja linear, traz diferentes narrativas: pensamentos filosóficos, peças teatrais, passagens da Bíblia, sermões, explicações sobre os produtos extraídos dos cachalotes. Por vezes até nos esquecemos que tudo é sob o ponto de vista de Ishmael, das coisas que viu e ouviu. Algumas partes são bem maçantes, como aquelas em que a anatomia das baleias é detalhada. Senti-me em minhas aulas de biologia no ensino médio, tal a forma com que eram descritas suas estruturas. Ou quando cada equipamento dentro do navio é detalhado: a linha, o arpão, a perna artificial de Ahab e até um caixão (prestem atenção nele).

A obra não foi bem aceita durante seu lançamento. Consideraram a narrativa extravagante. Somente anos depois é que viria a ser considerada importante. Marcou ainda a decadência de Melville, até então um escritor em alta. Faz parte do romantismo norte-americano, mas com o pé no realismo e é baseado na história real de um navio que afundou após ser atingido por uma baleia. Parece que próprio Melville foi marinheiro, o que explica o tom didático de muitas passagens.

Há várias interpretações para esse texto, algumas dizem que o desejo de matar Moby Dick é, na verdade, a revolta contra a sociedade da época, marcada pela escravidão, novos arranjos comerciais e muitos latifúndios. Até análises freudianas tentaram explicar suas entrelinhas. Eu vejo de outra forma. É possível traçar as várias percepções em relação aos animais. Há de tudo: o animal como produto, o animal como selvagem, o animal como criatura de Deus, o animal como interlocutor, como inimigo e como esperança. Houve momentos em que vislumbrei respeito pelos bichos. Mas o antropocentrismo reina, basta considerarmos que Ahab quer matar a baleia porque ela se defendeu quando ele tentava matá-la. Cheguei a lembrar do ‘Velho e o Mar’, de Ernest Hemingway, escrito quase um século depois, que traz temática parecida. Lá Santiago, o velho, sofre demasiadamente com uma pesca. Diz que só consegue a carne do peixe por traição, já que o animal não lhe desejava nenhum mal, o que não o impede de seguir pescando. O mesmo vale para Moby Dick. Que mal a baleia queria ao homem? E mesmo assim, defendendo-se assustada, teve que passar a vida cheia de arpões e linhas espetadas no corpo, resultado das várias empreitadas dos baleeiros enfurecidos e gananciosos. Na vida real, quantos animais não viveram (e vivem) assim? No livro, escrito em 1851, havia a estimativa de mais de 13 mil baleias capturadas por ano somente pelos Estados Unidos. Quantas ainda existem hoje?

Não há tolice dos animais da terra que não seja imensamente excedida pela insanidade dos homens. Agarro-me a essa frase e ao final espetacular para indicar a leitura do livro. Felizmente aquela foi a última viagem do Pequod. Todos, com exceção do narrador, naufragaram junto com o ódio de Ahab. Já Moby Dick, mesmo velha e machucada, continuou a triunfar em seu lar. E é por ela que sempre vou torcer.


A edição que li
Trechos de Moby Dick

"Uma vez mais. Vamos dizer que te encontres no campo, em terras altas cheias de lagos. Toma o caminho que desejares e aposto dez contra um que ele te conduzirá a um vale e te deixará nas proximidades de uma lagoa ou corrente de água. Há magia nesse fato. Permite que o mais distraído dos homens mergulhe em seu mais profundo sonho – coloca esse homem em pé e estimula-o a caminhar e infalivelmente seus pés o levarão à água, se houver água nessa essa região. Se a sede te assaltar no grande deserto americano, caso tua caravana inclua um professor de metafísica tenta essa experiência. Como todos sabem, há uma união perene entre meditação e água."

"E qual o problema, se alguns capitães velhos e avarentos mandam-me pegar uma vassoura e varrer o convés? Se pesada, quanto valerá essa indignidade na balança do Novo Testamento? Será que o Arcanjo Gabriel terá menos consideração por mim porque, pronta e respeitosamente, obedeço a esses velhos avarentos neste caso particular? Quem não é escravo? Dize-me."

"Diante das circunstâncias até pensei em escapar pela janela, porém o quarto era nos fundos do segundo andar. Não sou covarde, mas não sabia o que pensar daquele patife roxo, vendedor de cabeças. A ignorância é mãe do medo, e por me sentir confuso e embaraçado com relação àquele estranho, confesso que agora estava com tanto medo dele como se o diabo em pessoa tivesse entrado no quarto na calada da noite. Na verdade, estava tão amedrontado que não tinha coragem de falar com ele e obter uma resposta satisfatória sobre tudo o que parecia inexplicável em sua pessoa."

"Não se pode esconder a alma."

"As práticas dos baleeiros logo o convenceram que até os cristãos podem ser miseráveis e maus, e muito mais que todos os selvagens governados por seu pai."

"Não faço qualquer objeção à religião de uma pessoa, seja qual for, desde que essa pessoa não mate ou insulte os outros porque não acreditam em sua crença."

"Mas quando um homem suspeita de que há algo errado, certas vezes acontece já estar tão envolvido no assunto que luta para esconder suas suspeitas até de si mesmo."

"Queequeg fez-me compreender que, devido à ausência de cadeiras e sofás, o rei, os chefes e as pessoas importantes tinham o costume de fazer engordar os servos para lhes servirem de assento e para “mobiliar” a casa confortavelmente. Só precisavam comprar oito ou dez preguiçosos e espalhá-los pelas salas e alcovas. Além disso, eram muito cômodos nas excursões. Muito melhores que essas cadeiras de jardim que podem ser convertidas em bengalas." 


"Poder-se-ia comparar o convés escorregadio de um navio baleeiro à repulsiva imundície dos campos de batalha, dos quais tantos soldados retornam para beber sob os aplausos de todas as damas?"

terça-feira, 11 de agosto de 2015

uma curva no tempo



Terminei a leitura anestesiada. Realmente o livro tomou um rumo que eu não esperava. Foi surpreendente e me deixou a pensar sobre algo que sempre tive curiosidade, mas que não vou falar aqui ou estragarei a surpresa da história. 

Uma curva no tempo”, primeiro romance da inglesa Dani Atkins, nos traz a vida de Rachel Wiltshire, que se desdobra em duas após trágico acidente no jantar de despedida com seus amigos de infância, antes de todos irem para a universidade. 

Passam-se cinco anos e Rachel mora em Londres, em cima de uma lavanderia, sozinha, tem um emprego que nunca sonhou, uma feia cicatriz no rosto e o remorso pela morte de um dos melhores amigos, Jimmy, na fatídica noite. Seu pai está com câncer e tudo mais parece o inferno. Voltar à cidade natal para o casamento de sua amiga Sarah a faz reviver todos aqueles instantes angustiantes que a arruinaram. Reencontra a velha turma, o ex-namorado e o túmulo do amigo. E é exatamente no cemitério que sua vida dá outra reviravolta. Desta vez para melhor. Após forte dor de cabeça, ela acorda no hospital e percebe que sua vida é totalmente o oposto do que ela se lembra.


Seu pai está curado, aliás, ele estranha quando ela questiona sobre a quimioterapia. Ela é jornalista, bem-sucedida, noiva do namorado de infância e, o melhor de tudo, Jimmy está vivo. Tudo é muito estranho. O diagnóstico é amnésia. Mas o rumo da história nos leva a inúmeras hipóteses. Cheguei até a cogitar algo parecido com os planos paralelos de ‘1Q84’, do japonês Haruki Murakami. Ou algo bem clichê, estilo comédia romântica que volta no tempo e tal. Enfim, tudo é possível. Inclusive, a própria protagonista sugere algumas teorias. Mas é bem interessante acompanhar a caminhada dela para descobrir o que está acontecendo. Sobretudo porque ela consegue dizer endereços, telefones e até históricos das pessoas que fazem parte de sua outra vida.

Logo de cara, lembrei do filme “Como se fosse a primeira vez”, no qual a mocinha ficou presa em um único dia de sua vida, mas lá a falta de memória de curto prazo é explícita e o dilema é como fazer com que ela não sofra com o problema que tem. O mesmo acontece no suspense “Antes de dormir”. Enfim, a memória é um tema bem interessante e amplamente explorado. Gostei muito do livro, embora eu tenha que confessar que nas primeiras páginas imaginei estar lidando com um livro YA. A linguagem é bem simples. Pode ser lido em poucas horas. Mas isso não o torna menos interessante. O fim é lindo e me deixou a pensar sobre a importância das coisas simples e da rotina. O que fica é isso, apenas.