"Um sonho não pode “acabar” enquanto você estiver dizendo “um dia”! Ele vai continuar para sempre sendo um lindo sonho. Mesmo não se concretizando, creio que essa também é uma forma de vida. Sonhar sem ter um plano definido não é uma coisa ruim. Isso torna seus dias alegres."
E terminei mais uma história que nos deixa a pensar nas várias possibilidades que temos. Mas que acabam se esvaziando por nossos receios, acomodação, opiniões alheias e outros empecilhos que, na grande maioria das vezes, só existem em nossa cabeça.
Com o subtítulo "uma história sobre a magia dos livros e seu poder de conectar pessoas", este livro da escritora japonesa Michiko Aoyama nos leva a conhecer cinco personagens que não sabem bem como lidar com seus problemas (eles e o mundo, não?). Podemos dizer que cada capítulo é um conto e que todos se entrelaçam de forma sutil. A narrativa, cheia de rituais, repetições e mensagens sobre a importância do agir, lembra muito a série "Antes que o café esfrie", de Toshikazu Kawaguchi, inclusive, por também ter um local que é comum a todos. Lá, uma cafeteria escondida. Aqui, uma biblioteca, nos fundos de um Centro Comunitário em um distrito de Tóquio.
Toda vez que alguém, por vários motivos, é levado até lá, eles, num primeiro momento, se deixam encantar pela mulher grande e branca, quase transparente, como alguns descrevem. E depois ficam hipnotizados quando ela pergunta o que procuram. Nesse momento, surgem pensamentos sobre os dilemas individuais pelos quais estão passando. E ela, após uma breve conversa, digita rapidamente no teclado (tatatataata, os dedos praticamente somem enquanto faz isso) e imprime uma folha com as indicações de leitura. As primeiras referentes à pesquisa dos livros que foram buscar e, por último, uma sugestão que será o grande despertar. Junto, a pessoa ganha um brinde feito por meio da feltragem de lã. Há caranguejo, gato, globo terrestre, frigideira, aviãozinho.
A primeira história é sobre Tomoka, 21 anos, vendedora de roupas femininas. Ela trabalha em uma loja de roupas num grande centro comercial. Mas não vê sentido no que faz e se sente fracassada por ter saído de uma cidade pequena e ser uma simples vendedora na capital japonesa. Chega a julgar, secretamente, outra vendedora da loja que está há anos trabalhando no estabelecimento. O que vai levá-la à biblioteca é a busca por livros que ensinam a usar o Excel, pois acredita que desta forma encontrará um trabalho melhor em escritório. Mas acaba encontrando motivação para ter uma vida mais saudável e valorizar os contatos diários. Tudo por conta de um livro infantil que lhe é indicado: Guri to Gura [Guri e Gura], texto de Rieko Nakagawa e ilustrações de Yuriko Omura, publicado por Fukuinkan Shoten.
Ryo, 35 anos. Sua história começa em uma loja de antiguidades quando ainda era aluno do ensino médio. Infelizmente, a loja fecha e ele segue alimentando o desejo de ter algo parecido. A vida o leva a trabalhar em uma fábrica de móveis como contador. Ele namora uma moça mais nova que está empenhada em ter uma loja online para vender os colares que cria. Na biblioteca, vai em busca de livros que possam ajudá-lo a retomar o sonho de ter uma empresa, mas encontra um livro sobre plantas, que vai lhe mostrar que é possível encontrar o equilíbrio entre um sonho e o que a realidade nos apresenta. Para tanto, sua inspiração será o dono de uma livraria especializada em gatos. Curioso o quanto há de gato na literatura recente japonesa. Está aí um tema a ser estudado. Aqui o livro que levou para casa: Eikoku Oritsu Engei Kyokai to Tanoshimu Shokubutsu no Fushigi [O mistério das plantas: o melhor da Sociedade Real de Horticultura Britânica], de Guy Barter, tradução de Ayako Kita, publicado por KAWADE SHOBO SHINSHA.
"Havia gatos ali… Um deles, tigrado, dormia sobre uma almofada. Parecia com o gato de feltro de lã que ganhei da bibliotecária. Havia mais dois, outro tigrado e um preto, caminhando à vontade entre as estantes."
Natsumi, 40 anos, ex-editora de revistas. Esta foi uma das passagens que mais gostei. A protagonista é casada e tem uma filha pequena. Ao retornar da licença-maternidade, ela, que era editora de uma revista, foi enviada a outro posto de trabalho, sob a alegação de que, agora sendo mãe, não daria conta da carga de trabalho do seu cargo anterior. Isso a derruba, porque ama o que fazia. Enquanto isso, também enfrenta problemas em casa, já que as tarefas não são divididas com o marido, que não teve que abdicar de nada em prol da paternidade. Mas ela sempre guardou um sonho no coração, que era editar livros. A partir da leitura que lhe é sugerida pela bibliotecária, as coisas vão começar a caminhar nesta direção: Tsuki no Tobira [A porta da lua] e Shinsoban Tsuki no Tobira [A porta da lua (nova edição)], de Yukari Ishii, publicado por Hankyu Communications (primeira edição) e CCC Media House (nova edição).
Hiroya, 30 anos, desempregado. Ele gosta de mangás e sempre almejou viver por meio de seus desenhos. Mas até então nunca encontrou alguém que o apoiasse, pelo contrário. Vive com a mãe e, apesar de se envergonhar da sua situação, não tem forças para mudar. Resultado, vive de bicos e nunca se identificou com nenhum trabalho. Vai parar na biblioteca porque a mãe pede que ele vá ao Centro Comunitário fazer algumas compras. E lá se depara com a leitura que vai lhe inspirar a seguir adiante. O primeiro passo será ele próprio trabalhar no Centro Comunitário. O livro: Visual Shinka no Kiroku Darwintachi no Mita Sekai [Registro da evolução ilustrado: o mundo visto por Darwin e seus pares], de David Quammen e Joseph Wallace, tradução de Masataka Watanabe, publicado por POPLAR.
Masao, 65 anos, aposentado. Após passar quatro décadas na mesma empresa, fica completamente desorientado com a aposentadoria. Ao contrário dele, sua esposa está sempre disposta a encontrar pessoas e a experimentar novas atividades. E é ela quem vai incentivá-lo a aprender o jogo de go, para que seu tempo livre seja mais agradável. Nesta jornada, ele lamenta o tempo que perdeu com a filha enquanto priorizava o trabalho e outras agendas. Mas, como tudo, sempre haverá a possibilidade de se redimir. E isso acontece. Além dos diálogos com a filha, gostei da reflexão que Masao faz ao se deparar com caranguejos vivos que estão à venda em um aquário, espremidos, com pouca água e se mexendo como se estivessem a enviar algum sinal. E, de fato, há. Na placa, está escrito que eles podem ser comprados para serem consumidos ou para serem adotados, o que o comove e o faz pensar sobre sua própria condição dentro do mundo corporativo. Claro que o que viveu está longe da aflição que os bichos estão passando, mas usar os animais como metáfora de nossas questões psicológicas é algo bem comum na literatura. Vou deixar o trecho completo abaixo. Ah, ao ir atrás de livros que possam ensiná-lo a jogar o go, lhe é oferecida uma obra poética com animais: Genge to Kaeru [Astrágalos e sapos], de Shimpei Kusano, publicado por Gin-no-Suzu.
"Ao lado do congelador com porta de vidro onde estavam os cortes de peixe e os mexilhões, havia uma pequena mesa com um aquário quadrado de plástico transparente. Percebi algo se movendo. Olhando bem, havia caranguejos de água doce dentro. Olhei-os com atenção, me lembrando do caranguejo de feltro que tinha recebido de brinde da bibliotecária. Devia haver uns cinquenta ou sessenta deles. Submersos em pouca quantidade de água, eles se apertavam uns contra os outros. Um deles movia as pinças ligadas ao corpo achatado como se me enviasse algum tipo de sinal. Ao erguer os olhos, levei um susto. Em uma placa de isopor estava escrito em grandes letras vermelhas “Caranguejo de água doce”, e abaixo delas, em letras pretas, um pouco menores: “Para fritura! Para ser seu animal de estimação!” Animal de estimação? Ali era o setor de alimentação. Aqueles caranguejos deveriam estar sendo vendidos como alimento. Fiquei atordoado quando lembrei que havia a opção de adotar um deles como “pet”. Ou você os devora ou os ama. Os caranguejos ali estavam em uma encruzilhada de caminhos opostos. Senti minha garganta apertar ao imaginar o destino daqueles caranguejos dentro do aquário de plástico. Quem era eu perante minha empresa? Enquanto estava dentro da caixa, todos me bajulavam como gerente-geral, mas por fim acabei devorado pela organização corporativa. Examinando os sashimis, Yoriko se virou para mim. – Qual você prefere, carapau ou cavala? Ou quem sabe caranguejos? Yoriko os observou com profundo interesse. – De jeito nenhum – afirmei com uma voz embargada. – Nem pensar, ainda estão vivos. Não vamos comê-los. – Então que tal criá-los? – perguntou Yoriko em tom de brincadeira. Hesitei. Os caranguejos estariam felizes vivendo confinados em um aquário tão apertado? Não prefeririam estar enredados no torvelinho da cadeia alimentar? Ou esse seria apenas um pensamento racional da minha mente humana?"
Vale a leitura. Certamente, cada leitor irá receber as histórias de uma forma diferente.
"Cada um encontra um significado próprio no brinde que dou de presente. O mesmo acontece com os livros. Os leitores fazem suas próprias conexões com as palavras, independentemente da intenção do autor. Assim, cada leitor obtém algo único."
Nenhum comentário:
Postar um comentário