Dois cachorrinhos foram abandonados na rua dentro de uma caixa. Um deles, o mais saudável, foi adotado por uma menininha e ganhou o nome Happy. Sua história, triste, é contada no mangá "O cão que guarda as estrelas".
Três anos depois, após o grande sucesso que teve, Takashi Murakami lança "O outro cão que guarda as estrelas". Não é exatamente uma continuidade, mas a narração do que aconteceu paralelamente à primeira história. Aqui acompanhamos a vida do irmão de Happy. Doente, é desprezado por todos. Com exceção de uma idosa que só pensa em morrer. Ao se deparar com o cão, vê nele uma ótima companhia para ir dessa para uma melhor, já que acredita que o animal também está com os dias contados. O que ela não contava é que o pouco de atenção que deu ao Pequeno, como passa a chamá-lo, seria suficiente para que ele recuperasse a saúde. A partir daí, acompanhamos a transformação que esse amor, entre ambos, realiza. Paralelamente, temos outra história. A de um garoto que é deixado pela mãe e que vai acabar sendo ajudado por outro cachorro, que por dois anos está à venda em um petshop. Essa criança aparece rapidamente no primeiro mangá e, aqui, acompanhamos melhor sua trajetória.
O fim desse segundo volume é bem menos trágico que o primeiro. Mas ambos falam em nome dos animais. Ouvimos suas vozes, suas emoções. Esses dois mangás deveriam ser lidos por todos que têm cachorro ou pretendem tê-los. Também por aqueles que um dia maltrataram algum. Falam do amor incondicional que nos dão e da inocência com que percebem suas relações com os humanos.
Emocionante.
E acabei de descobrir que tem um filme com a história de Happy. Vi o trailer apenas. Sei o desfecho e vou me poupar do sofrimento. Mas #ficaadica.
"Estou aqui sozinha, meu
marido jaz morto no chão, e eu algemada à cama. Posso gritar até ficar roxa e
não vai adiantar nada; ninguém vai ouvir."
Bem
que me avisaram para terminar as últimas páginas de “Jogo Perigoso”, de Stephen
King, tomando chá de camomila. Cenas fortes, de fato, vieram. Se você não gosta
de sangue, cortes e vidros, talvez tenha alguma dificuldade para prosseguir a
leitura. De todo modo, junto com “Joyland” (que é fofo), esse livro entrou na
lista dos meus favoritos do autor.
O
enredo é tenso e curioso, e foi o que me levou a lê-lo. Mulher vai com
marido para uma casa no meio do nada no Maine (sempre o Maine). A ideia é fazer alguns jogos eróticos usando
algemas. Ele a amarra na cama e... cai morto. E aí? Como ela sairá desta?
"Esforçou-se par ampliar a oração e só lhe ocorreu uma coisa que Nora Callighan lhe ensinara, uma oração que hoje em dia andava na boca de todos os vigaristas de autoajuda e dos gurus de merda: - Deus, me dê serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar as coisas que posso e sabedoria para saber diferenciá-las. Amém. Nada mudou. Não sentiu serenidade, nem coragem, muito menos sabedoria. Continuava a ser apenas uma mulher com os braços inertes e um marido morto, algemada aos pilares da cama como um cão vadio acorrentado ao poste de um quintal e condenado a morrer, sem ninguém notar nem lamentar, enquanto o dono cachaceiro passa trinta dias no xadrez municipal por dirigir sem licença e alcoolizado."
Toda
a história é contada por um narrador onisciente e onipresente. Como
está sozinha, a moça, Jessie, conversa com várias vozes do seu passado e
presente. Uma amiga da universidade, sua versão da infância e também com um alter
ego. Todas dando conselhos do que seria possível fazer naquela situação angustiante.
Logo, vêm as cãibras, dores musculares, sede, fome, vontade de urinar, alucinações
(ou não). Horrível. O livro não é curto, o que faz com haja algumas
enrolações cá e lá para dar conta de todas as páginas. Para tanto, Jessie vai
recordar de toda sua infância, adolescência, casamento etc. Um segredo guardado
por toda a vida, e que sempre a atormentou, surge para tornar suas horas ainda
piores.
"Devia haver uma lei obrigando as pessoas a tirarem uma carteira, ou pelo menos uma licença de aprendizagem, antes de poderem falar. Até passarem no Teste de Conversa, teriam de ficar mudas. Isto resolveria um bocado de problemas."
Você
não vai querer largar a leitura até descobrir o desfecho desta encrenca em que
a protagonista se meteu. Se bem que o fim poderia ter sido um pouquinho melhor. Mas a leitura não deixa de ser eletrizante.
Agora,
o que realmente mexeu comigo não foi nem tanto o sofrimento de Jessie. Okay,
fiquei com pena, sim. Mas há na história um cachorro abandonado que, de certa forma, passa a fazer companhia a ela. Não vou dizer aqui
exatamente como, pois estragaria as surpresas do livro. Ocorre
que tem um capítulo específico que vai detalhar a forma com que este cão foi
literalmente jogado fora e em que condições ele surge. É de partir o coração. Um
advogado o comprou por insistência da filha. Depois de algum tempo, a menina
enjoou do animal. Como não concordava com a taxa municipal/estadual que
precisaria pagar para manter sua guarda (parece que isso existe nos EUA), o pai aproveitou o desinteresse da
filha e deu fim ao Príncipe (nome do cão). Ele foi largado numa estrada. Pelo
retrovisor, o idiota do 'dono' ainda vê os olhos do animal acompanhando o carro. E tudo o que faz é assoviar, achando que o coitado do animal está melhor sendo livre. Resultado: em dois meses, o cachorro perde metade do peso, o vigor. Anda amedrontado e com
muita, muita fome.
Aqui estão alguns trechos que relatam a aparência dele. SK
também entra nos pensamentos do animal, nos dando uma visão perfeita do que está passando.
#nãocompre #adote #jamaisabandone
“O ódio e o medo do cachorro tinha desaparecido. Viu sua esqualidez e as bardanas presas no pelo embaraçado – uma pelagem fina demais para oferecer proteção contra o inverno que se aproximava. E, principalmente, viu a maneira com que ele se encolhia diante da luz, as orelhas caídas, o traseiro agachado. Não achei que fosse possível, pensou, mas acho que encontrei alguém ainda mais desgraçado do que eu.”
(Trechos extraídos de “Jogo Perigoso”, de Stephen
King)
....
Havia um movimento que vinha
da parte traseira da forma sombria à porta: ele começara a abanar o rabo. Em um
romance sentimental para mocinhas, o gesto provavelmente significaria que o vira-lata
confundira a voz da mulher na cama com a voz de alguma dona que amara e perdera
há muito tempo. Jessie não tinha ilusões. Cachorros não abanavam o rabo apenas
quando estavam contentes; eles – como os gatos – também o abanavam quando
estavam indecisos, quando tentavam avaliar a situação. O cachorro mal se
encolhera ao som de sua voz, mas também não confiava na penumbra do quarto. Pelo
menos, por enquanto.
O ex-Príncipe ainda não
travara conhecimento com as armas, mas aprendera muitas outras lições
espinhosas nas seis semanas ou pouco mais desde o último dia agosto. Nessa
data, o sr. Charles Sutlin, um advogado de Braintree, Massachusetts,
abandonara-o na mata para morrer em vez de leva-lo de volta para casa e pagar
os setenta dólares do imposto municipal-estadual sobre cães. Setenta dólares
por um canino de araque era uma grana muito alta na opinião de Charles Sutlin. Um
pouco alta demais. Comprara um barco a motor para seu uso ainda em junho,
verdade que fora uma compra de cinco algarismos, e só podia concluir que o
governo andava maluco quando comparava o custo do barco e o imposto sobre
cachorros – claro que podia, qualquer um podia, mas a questão era bem essa. A
questão é que o barco fora uma compra planejada. Uma aquisição que passara dois
anos ou mais na prancheta do velho Sutlin. Já o cachorro fora uma compra impulsiva
numa barraca de hortaliças de beira de estrada em Harlow. Jamais o teria
comprado se sua filha não estivesse junto e não se apaixonasse pelo filhote.
- Aquele, papai! – dissera apontando.
– Aquele com a mancha branca no focinho, aquele que está de pé sozinho como um
príncipe. – Então comprar o cachorrinho para ela – ninguém podia dizer que não
sabia fazer a filhinha feliz –, mas setenta paus (talvez até cem se Príncipe
fosse enquadrado na Classe B, cães de grande porte) era uma grana muito alta
por um vira-lata que viera sem nem um atestadozinho. Grana demais, decidira o
sr. Charles Sutlin quando se aproximou a hora de fechar o chalé no lago até o
ano seguinte. Levá-lo de volta a Braintree no banco traseiro do Saab também
seria uma aporrinhação – ia largar pelo no carro, talvez até vomitasse ou
fizesse cocô no tapete. Sutlin poderia comprar uma casinha para transporte, mas
aquelas belezas custavam mais de trinta dólares. De todo modo um cachorro como
Príncipe não seria feliz em um canil. Seria muita mais feliz em liberdade,
tendo toda a mata por reino. É, Sutlin dissera a si mesmo naquele último día
agosto ao estacionar num trecho deserto de Bay Lane e em seguida convencer o
cachorro a descer do banco traseiro. O velho Príncipe tinha o coração de
vagabundo feliz – era só dar uma boa olhada nele para perceber isso. Sutlin não
era nada burro e parte dele sabia que aquilo era uma baboseira conveniente, mas
a outra parte também se animara com a ideia da coisa, e, quando embarcou no
carro e se foi, deixando Príncipe na beira da estrada a segui-lo com o olhar,
ia assoviando o tema de A História de Elza, a leoazinha, que entrecortava aqui
e ali com um trecho da letra: “Naaasci liiivre... para seguir o meu
coraçãããooo!” Sutlin dormiu bem aquela noite, sem sequer pensar no Príncipe (em
breve, ex-Príncipe), o qual passara a noite enroscado sob uma árvore caída
tremendo de frio, insone e faminto, ganindo de medo cada vez que uma coruja
piava ou um animal se mexia na mata.
....
O ex-Príncipe, com quem
Catherina Sutlin, de 8 anos, em tempos brincara alegremente (pelo menos até
ganhar de aniversário uma boneca caipira chamada Marnie e temporariamente
perder o interesse nele), era parte labrador e parte collie... um mestiço, mas
estava muito longe de ser vira-lata. Quando Sutlin o abandonara em Bay Lane no
final de agosto, ele pesava 36 quilos e tinha o pelo macio e brilhante, uma
mistura até bonita de castanho e negro (com a franja branca característica dos
collies no peito e na garganta). Agora mal alcançava 18 quilos, e se alguém
passasse a mão por seus flancos, sentiria cada costela esticada, para não falar
na pulsação rápida e febril de seu coração. Uma das orelhas tinha um corte
feio. A pelagem estava sem brilho, enlameada e cheia de bardanas. Uma cicatriz
rosa quase fechada, lembrança de uma corrida por baixo de uma cerca de arame
farpado, ziguezagueava por uma anca, e umas cerdas de porco-espinho projetava-se
do seu focinho como bigodes tortos. Encontrar o bicho morto debaixo de um
tronco havia uns dez dias, mas desistira depois de encher o focinho de
espinhos. Sentira fome então, mas não desesperado.
Agora sentia os dois. Sua última
refeição fora uns restos cheios de larvas que extraíra de um saco de lixo em
uma vala que corria paralela à estrada 117, e isso fora dois dias antes. O cachorro,
que aprendera rápido a trazer par a Catherine Sutlin a bola vermelha que ela atirava
pelo piso da sala de estar ou do corredor, literalmente mal se aguentava em pé
de inanição.
....
O ódio e o medo do cachorro
tinha desaparecido. Viu sua esqualidez e as bardanas presas no pelo embaraçado –
uma pelagem fina demais para oferecer proteção contra o inverno que se
aproximava. E, principalmente, viu a maneira com que ele se encolhia diante da
luz, as orelhas caídas, o traseiro agachado. Não achei que fosse possível,
pensou, mas acho que encontrei alguém ainda mais desgraçado do que eu.
Quantos ex-Príncipes não existem pelo mundo? Por isso, nunca abandone os animais. Jamais os compre. Adote. O amor deles é indescritível, incondicional.
Veja abaixo excelente campanha de uma ONG francesa que trata desse assunto.