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domingo, 30 de dezembro de 2018

em casa para o natal



"Por que ela não podia agir como um sujeito normal, reconhecer que eu estava tendo um surto crítico de vergonha e me deixar morrer em paz."


No fim do ano, sempre quero ler um romance que traga o espírito natalino. Mas aquele lá do hemisfério norte, com neve e frio. Este ano, resolvi ir de um chick-lit que apareceu em várias listas de “livros para se ler no Natal” que andei pesquisando.

Em casa para o Natal”, da britânica Cally Taylor, é bem bobinho. Com diálogos infantis, piadas prontas e desenrolar bem previsível. Confesso que, mesmo para uma fã de chick-lit, foi difícil de digerir. O que salvou foi o cenário, em Brighton. Eu estudei lá por algum tempo, quando tinha quase a mesma idade da protagonista. E justamente na mesma época do ano em que a história acontece, ou seja, no fim do ano. Neste sentido, foi bom para matar a saudade de um lugar que estará no meu coração (eu sendo piegas).

Beth Prince tem apenas 24 anos e sofre (ai, coitada!) por ainda não ter encontrado o grande amor da sua vida. Seu sonho é ouvir “eu te amo” de alguém. Às vésperas do Natal, planeja tomar a iniciativa e dizer essas palavras mágicas ao atual namorado, o bonitão Aiden. Para tanto, até ensaia o diálogo com um poster do George Cloney no cinema em que trabalha. Aliás, ela ama de paixão o emprego e a sétima arte.

Durante este diálogo fictício, entra em cena Matt, procurando sua gerente. Mais tarde ela descobre que trata-se de um executivo de uma das maiores redes de cinema do mundo, e que anda sondando o pequeno estabelecimento em Brighton para ampliar os negócios. Ocorre que este Matt é jovem e muito boa pinta. Já deu para sacar o que acontecerá, não?

Enfim, as coisas com o namorado não dão muito certo e o romance termina, deixando a mocinha desamparada. As negociações da grande corporação avançam, ameaçando seu emprego. No meio de tudo isso, Beth ainda tem que lidar com a mãe, empresária bem sucedida, que quer levá-la para a Austrália. Para completar o elenco, há a melhor amiga, sempre pronta para ajudar, um inimigo, que vai tentar prejudicá-la por diversas vezes, e pessoas que surgem aqui e ali e que vão, de alguma forma, unir os protagonistas. Apesar de tudo, até que consegui dar umas boas gargalhadas com as trapalhadas de Beth, muitas bem no estilo de Bridget Jones. Palmas para a passagem no País de Gales em que ela é obrigada a fazer um rapel. Chorei!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

o bosque das ilusões perdidas




"Talvez tudo volte a ser o que era dantes. Mas será que o passado pode reviver?"

Sabe quando você se sente aliviado por terminar algo árduo? Pois foi assim que me senti ao ver o final de "O bosque das ilusões perdidas", único livro do francês Alain-Fournier. O autor morreu durante a primeira guerra mundial com um tiro, mas seu corpo só foi encontrado muito tempo depois, na década de 90.


Apesar de ser um clássico da literatura francesa, não me convenceu. Por várias vezes pensei em deixá-lo de lado e aproveitar melhor o meu tempo, mas depois de semanas com ele, resolvi terminar a leitura. 

O que me chamou a atenção foi o título na versão brasileira, que nada tem a ver com o original, "Le grand Meaulnes". Eu logo imaginei uma história gostosa, tendo como cenário um bosque e muita neblina. De fato, há o bosque. Só.

O livro traz as memórias da adolescência e início da vida adulta de François Seurel. Ele mora na escola em que seu pai leciona. Num belo dia, chega Augustin Meaulnes, adolescente que se acha a pessoa mais especial do mundo. Além de frequentar o curso, passa a dividir o quarto com François. Surge, então, a amizade entre os dois. Nem sei se posso dizer que são amigos, pois acredito que o laço seja muito maior por parte de François. 

Enfim, sua chegada mexe com os demais alunos, que veem nele o aventureiro que gostariam de ser. Todos disputam sua atenção e ele sabe disso. Tanto que vira e mexe faz algo para reforçar que é o diferentão. Até que rouba uma carruagem e desaparece por dias. O pobre do cavalo acaba voltando sozinho. Enquanto isso, o rapaz vai parar em uma mansão durante a pré-festa de um casamento, que acaba não acontecendo, já que a noiva foge. Lá conhece uma moça por quem se apaixona. Na verdade, ele se apaixonou muito mais pelo cenário do que pela moça isoladamente. No final isso fica bem claro. Mas durante a confusão do fim da festa, volta para casa sem guardar o caminho para aquela fábrica de sonhos e ilusões (talvez daí venha o título da nossa versão do livro). Sua obsessão para descobrir como retornar àquele lugar passa a ser de todos da turma.

E é isso. Nas últimas páginas até me empolguei um pouco, mas logo voltou a ficar entendiante. E o François também é um chato, sempre no rastro de Meaulnes. O fascínio que tem pelo protagonista me lembrou outros dois livros, um que odiei e outro que gostei mais ou menos: "On the road", de Jack Kerouac, e "O Grande Gabtsy", de F. Scott Fitzgerald. O que salvou um pouco a impressão que tive de Meaulnes foi o trecho em que defende um cavalo que estava amarrado. O que não apagou a imagem dele chicoteando outra égua em passagem anterior. Tem duas versões cinematográficas: 1967 e 2006. Talvez elas sejam válidas pelo francês ;-)

sábado, 3 de novembro de 2018

a caixa de pássaros





"Como pode esperar que seus filhos sonhem em chegar às estrelas se não podem erguer a cabeça e olhar para elas?"

Para entrar no clima do Halloween, data que gosto de celebrar, escolhi “A caixa de pássaros”, de Josh Malerman.

É um suspense. Fala de ‘criaturas’ que, intencionalmente ou não, enlouquecem as pessoas que olham para elas. A loucura é tanta que todos acabam se suicidando de formas bem tenebrosas. Isso quando também não agridem e matam quem estiver por perto.

Aos poucos, os que sobrevivem percebem que para os acidentes acontecerem basta uma simples e rápida visão para esses seres. O resultado é que as casas são lacradas e todos passam a circular pelas ruas de olhos bem fechados. 


E assim surgem grupos que vão tentar sobreviver nesse cenário apocalíptico. Entre eles o liderado por Tony, que recebe a protagonista da história, Malorie, que está grávida. É sob seu ponto de vista que acompanhamos a história. Estou até agora imaginando como ela conseguiu fazer tudo o que fez. Penso até em coisas básicas, como higiene pessoal, alimentação, um mínimo de entretenimento para os filhos (sim, serão dois, de modo inesperado). 

Em determinados momentos, lembrou-me “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago. Claro que não vou comparar os dois livros. Foi apenas uma associação que fiz com o caos instalado, e como o ser humano rapidamente se adapta à situação e cria conflitos mesmo quando tenta se salvar.

Não fica claro, porém, por que essas ‘criaturas’ não conseguem ultrapassar paredes ou portas. Mas tudo é fantasia, afinal. O fato é que prendeu muito a minha atenção. É tenso. Tem animais. Tem crianças (imagino direitinho a expressão delas a cada chamado da mãe). Como sempre, os momentos mais difíceis foram aqueles em que os bichos são sacrificados para ajudar os humanos. Ai, tem o cachorrinho Victor, que dor! E os pássaros do título que, aliás, nem precisavam estar lá. Sonhando com um mundo diferente. Quem sabe a ficção nos ajude a mostrar o caminho. Gostei da leitura e recomendo. Vai virar filme no Netflix.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

wabi-sabi


"Todo meu mundo me lembrava de sua ausência."

Terminei mais um romance do espanhol Francesc Miralles. Eu venho de uma série de textos pesados, teóricos e de uma prova que bem difícil. Precisava de algo para relaxar e, ao mesmo tempo, viajar. Apesar de não ter tido uma experiência muito boa com o último livro que li desse autor, “A fórmula do amor”, resolvi arriscar, afinal, ele já me proporcionou bons momentos. 

Fiquei muito feliz por ter encontrado em minhas buscas justamente a sequência de “Amor em minúscula”, um dos meus preferidos dele. O outro é “O melhor lugar do mundo é aqui” (lembro direitinho o dia em que o achei na livraria, que delícia!).

Bem, “Wabi-sabi” dá sequência à história do professor Samuel. Ele mora com seu gato Mishima, que foi o grande responsável por tirá-lo da solidão no romance anterior. Temos, agora, um salto de oito anos. Ele namora Gabriela, mas não percebe (ou não quer notar) os sinais de que a relação está esmaecendo. Até que a moça, por telefone, pede um tempo.  

Em paralelo, também lida com o mistério envolvendo cartões-postais que anda recebendo do Japão, sempre com referências a gatos e a expressão “wabi-sabi”, que significa, em linhas bem gerais, que o belo é imperfeito e incompleto.

Coincidentemente, seu amigo, que mora no andar de cima, está a escrever sobre esse tema. Sem pensar muito, já que fica em choque com o rompimento amoroso, compra uma passagem rumo ao Japão.

Lá, é colocado diante de situações estranhas, como um bar que só cabem praticamente três pessoas e que, de uma hora para outra, ganha o seu nome. Conhece um executivo japonês que extravasa suas neuras cantando no karaokê e sua sobrinha, que pensa em se matar. Por fim, tudo o leva a crer que a vida é muito maior que os problemas que ele pensa ter. Conclusão: nada melhor que uma boa viagem para nos fazer superar uma separação. Não chega aos pés do livro anterior, mas traz algumas boas mensagens aqui e ali.

"O melhor remédio para os amedrontados, solitários ou infelizes é sair, ir ao ar livre encontrar o céu, a natureza e Deus."

sábado, 1 de setembro de 2018

o campo científico

Universidade de Cambridge, uma das mais prestigiadas do mundo


"A definição do que está em jogo na luta científica faz parte do jogo da luta científica: os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição da ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem."

Neste artigo, escrito em 1983, o sociólogo francês Pierre Bourdieu critica duramente a forma com que a ciência é conduzida. Sobretudo, como os pesquisadores escolhem e realizam seus estudos, muitas vezes levados somente pela relevância que terão dentro do meio no qual estão inseridos, e não considerando a importância do projeto para o avanço da ciência e dos benefícios que serão proporcionados à sociedade, por exemplo. O autor fala que o campo científico é, antes de mais nada, um campo de lutas. Luta-se pelo monopólio da ‘autoridade científica’, que é a junção da capacidade técnica (saber fazer) com o poder social (prestígio acumulado).

As forças no campo da ciência são desiguais. Há de um lado os dominantes, que ocupam os lugares mais altos na hierarquia, e os dominados, que são os que estão entrando agora, os novatos. Os primeiros tendem a ser mais conservadores, garantindo que suas ideias sejam perpetuadas. Já os novatos podem até entrar com fôlego e disposição para inovar, mas logo suas forças serão reduzidas à medida que se deparam com as regras do jogo. 

O cientista tem a pesquisa que considera importante. Mas essa não será a única motivação. Seu trabalho deve também ser interessante para os outros e se adequar ao que já está em desenvolvimento. Fazendo uma associação ao que temos hoje nos cursos de Comunicação das universidades brasileiras, o projeto deve estar dentro de uma linha de pesquisa preestabelecida. Mais que isso, muitas vezes dentro da linha de estudo do próprio orientador. Assim, na luta entre o fechar-se, que é reproduzir a ideia do orientador e da instituição da qual faz parte, e o abrir-se, que é apresentar outras propostas ou outros autores, ganha o primeiro. O resultado são pesquisas focadas sempre nos mesmos temas e com as mesmas conclusões.

No campo científico os clientes dos produtos entregues são, na grande maioria das vezes, os próprios concorrentes, que são os outros pesquisadores. Por conhecerem o assunto tratado, são os mais propensos a consumirem os produtos e, consequentemente, a avaliá-los. E aqui vale outra ressalva importante: os julgamentos sobre o trabalho serão sempre influenciados pela posição que o pesquisador ocupa nas hierarquias institucionais. Conta o seu cargo e também a universidade da qual faz parte. Podemos, dessa forma, ter estudos relevantes, mas que serão desconsiderados por não pertencerem ao que se considera à elite acadêmica.

Bourdieu questiona o que realmente deve ser feito para que se prevaleça a verdade na ciência, sem jogos de interesse ou ideias que satisfaçam apenas os grupos mais privilegiados. Pessimista, ele mesmo responde que essa aspiração só é possível na ficção, lugar que permite que uma forma neutralizada e eufêmica, que representa apenas a classe social dominante, seja considerada ciência.

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

metodologia da pesquisa em comunicação












Em "Metodologia na pesquisa em comunicação", texto extraído do "Dicionário da Comunicação" (imagem abaixo), os professores e pesquisadores Maria Immacolata Lopes e Richard Romancini discorrem sobre a epistemologia nos estudos sobre comunicação. Interesse relativamente novo, que surgiu na década de 90 e que traz uma reflexão sistemática sobre o conhecimento produzido no campo de comunicação.

A epistemologia é o estudo do conhecimento, seus fundamentos e princípios. Tem dimensão metafísica e valida o conhecimento produzido. E é justamente nesta validação que reside sua principal contribuição. Segundo os autores, toda pesquisa precisa ter um caráter prático, ou seja, precisa contribuir, de alguma forma, para a sociedade. Mais que buscar ‘status’, os estudos devem almejar os lucros epistêmicos. É imperativo indagar sobre a importância social do objeto a ser estudado, ou seja, o investigador precisa ter o compromisso com os problemas que precisam ser tratados. Isso depende muito mais de nossas filosofias e crenças do que da ciência. Para que o campo da comunicação avance, temos que fazer perguntas cada vez mais relacionadas com nossa existência social. 

Os autores questionam ainda a tensão entre tradição e mudança no campo científico. As práticas reflexivas atuais sobre a ciência dispõem sobre a relação entre o sujeito (investigador) e o objeto (investigado). Ao contrário dos estudos epistemológicos tradicionais, cuja atenção era a relação entre o objeto e o conhecimento.

Outro ponto a ser considerado na forma com que as pesquisas são feitas é a interdisciplinaridade. Estudar o mundo considerando que ele é uma realidade com inúmeras narrativas, e não segmentado por disciplinas, é a tarefa das ciências humanas. Além disso, a sociedade global exige que qualquer análise envolva necessariamente várias ciências. É o que vai dar conta de toda a realidade. Essa interação vai além das ciências exatas, humanas e sociais, passa também pela experiência comum, a intuição e a imaginação social. 

No século 19, o estudo sobre estado e o mercado, política, economia eram separados. Cada um com sua regra. Para lidar com a segregação, criaram-se novas designações interdisciplinares, como estudo da comunicação, ciência da administração, ciência do comportamento. Mas o que vem acontecendo, e que foi alvo de críticas, é que ao usar duas disciplinas, o pesquisador enfatiza a divisão e não a interdisciplinaridade. Aqui vale a ressalva que disciplina é a prática, e só se efetiva após longo trajeto de pesquisa. Diferente de doutrina, que é onde reside a teoria abstrata. Claro que há necessidade de especialização dentro de um campo de estudo, porém, há a necessidade maior de transdisplinarização ou pós-displinarização: superação dos limites entre especialidades fechadas e hierarquizadas. Para os autores, é preciso ter mais profundidade e consistência do que prestígio institucional. Em outras palavras, não cabe mais a máxima de que cada um deve se restringir ao seu campo de atuação.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

amor verdadeiro na livraria dos corações solitários



"Não é que eu seja tímida, não exatamente, ou que odeie as pessoas, porque não é isso. É mais que eu acho o mundo muito barulhento e cansativo."

"E tem as pessoas. Tantas pessoas, e todas elas falando sem parar, sem nem se preocupar se estão falando baixo.Tendo que expressar cada pensamento que lhes vem à cabeça. Não consigo nem sair para uma caminhada sossegada no parque sem ter alguém em volta gritando no celular, ou ouvindo música e imaginando que o resto do mundo também quer ouvir. Existe um limite para o que eu consigo aguentar!"


Ai, que delícia trabalhar em uma pequena livraria londrina, especializada em livros românticos e com uma casa de chá que deixa o ambiente ainda mais gostoso. Pois é exatamente assim a "Felizes Para Sempre", apresentada para nós na série "A livraria dos corações solitários", da inglesa Annie Darling. O primeiro livro contou como o estabelecimento surgiu e a história de Posy Morland, a proprietária.

Agora, em "Amor verdadeiro na livraria dos corações solitários" temos a sequência sob o ponto de vista de outra personagem que trabalha lá, a introspectiva Veridity Love. Logo de cara, achei melhor que o livro anterior. Gostei muito de ler sobre esta moça, que não gosta muito de se relacionar com outras pessoas. Seu problema é o barulho que o mundo produz. Tudo o que ela quer no fim do dia é sossego e espaço para tomar um vinho em companhia somente de um bom livro. Convenhamos, isso não é pedir demais. Mas todos conspiram contra seus objetivos simples de vida. São tantas celebrações, encontros, festas. E, para piorar, a cobrança por um relacionamento amoroso. Para driblar tudo isso, ela inventa um namoro fictício com Peter Hardy, oceanógrafo que vive em alto mar e que sempre volta nos momentos mais oportunos, livrando-a de vários compromissos. Afinal, "precisam curtir o reencontro a dois". Entretanto, depois de certo tempo, os amigos querem conhecê-lo. Haja desculpas! Até que num ato de desespero, Verity acaba conhecendo Johnny. Ela, literalmente, se joga na mesa em que ele está jantando quando as amigas a seguem na tentativa de conhecer o tal cara misterioso.

Eis que ele tem exatamente o mesmo problema: pressão para que arrume uma namorada. A partir daí, tudo é previsível. Vale apenas como entretenimento. Aliás, da metade do livro para frente, eu me decepcionei. Achei muita enrolação para pouca aventura. Sem contar o final, extremamente meloso e piegas. Cadê o humor das primeiras páginas? Uma pena. De qualquer forma, não vou deixar de frequentar essa livraria. Já estou com o próximo tomo, que fala sobre Nina. É sempre bom ter um chick lit na mão para quebrar a tensão do dia a dia.

Trechos que também falam por mim ;-)


"Foi um dia cansativo e eu preciso de sossego."

"Tudo que ela queria era se sentar e ler um livro com uma taça, ou no máximo duas, de vinho tinto."

"Era sua poltrona de leitura. Sua poltrona-santuário. Sua poltrona de se-aconchegar-debaixo-de-um-cobertor-e-deixar-que-o-mundo-a-esquecesse."

segunda-feira, 9 de julho de 2018

a pequena livraria dos corações solitários





"Como era bom abrir um livro novo e inspirar aquele aroma delicioso.


Esta aí um chick-lit bem chick-lit. Bem ao estilo de Bridget Jones. Inclusive em várias passagens lembrei dessa personagem enquanto lia as peripécias de Posy Morland. Ambas desleixadas, atrapalhadas e muito engraçadas. Mesmo no meio da bagunça, conseguem com que tudo acabe dando certo no final. Posy cresceu dentro da livraria Bookends, em Londres. Lá conheceu seus escritores favoritos, aprendeu a amar a literatura e teve seu primeiro e único emprego. Seus pais já trabalhavam lá antes. O pai como administrador e a mãe cuidando do salão de chá. Mas um acidente de carro mata os dois, deixando Posy orfã e responsável por Sam, o irmão sete anos mais novo. Alguns anos depois, ela sofre outra perda, a de Lavínia, proprietária, por quem tinha um grande carinho. Antes de morrer, ela deixa uma carta na qual passa a livraria para Posy, com a condição de que ela devolva ao estabelecimento a glória que teve no passado.

Ela convoca os demais funcionários para juntos planejarem a reabertura em grande estilo: Nina, a garota tatuada e cheia de paqueras; Verity, a responsável pelas contas que odeia se relacionar com as pessoas; Tom, que trabalha em uma tese que todos desconhecem. Caso não tenha resultados positivos em até dois anos, ela deverá passar o local para as mãos de Sebastian Thorndyke, o neto de Lavínia. Rico, bem sucedido profissionalmente e conhecido como o homem mais grosso de Londres, ele fará de tudo para interferir nos trabalhos da equipe, inclusive dando ordens em todos. Posy ama a Bookends e quer transformá-la em "Felizes para sempre", especializada em livros que falam sobre o amor. Já Sebastian enxerga a oportunidade de se apropriar do nicho de policiais. A guerra está travada, com todos os clichês possíveis. O final não será nada, nada surpreendente. Ainda assim, a leitura é proveitosa. Afinal, quer tema mais gostoso que histórias dentro de uma pequena livraria em Londres? Os únicos pontos chatos (que eu quase pulei) eram os trechos do romance picante que Posy resolveu escrever para esfriar a cabeça. Que livro chato, menina! Desista. Hahaha!

No mais, fica a dica. "A pequena livraria dos corações solitários", da inglesa Annie Darling, é o primeiro de uma série que promete contar a vida de todos os funcionários. A próxima é Veridity. Vi que também já saiu a edição de Nina. Vou seguir acompanhando e me divertindo com eles :-)

quinta-feira, 28 de junho de 2018

as brumas de avalon - a senhora da magia




"Sempre soube que tive outras vidas, pois parece-me que a vida é algo demasiado grande para ser vivido apenas uma vez e ser logo apagado como uma lâmpada, quando o vento sopra."

Toda vez que menciono que estou a ler "As Brumas de Avalon", ouço que é um livro fantástico, maravilhoso. A edição que tenho traz a história em quatro tomos. Levei meses para concluir a leitura do primeiro, o que significa que, para mim, a obra ainda não decolou. Para ser honesta, dei uma (leve) empolgada nos últimos capítulos, quando Artur foi coroado. 

Marion Zimmer Bradley nos conta a lenda do Rei Artur sob o ponto de vista das mulheres que o rodeava, isso inclui sua meia irmã, Morgana; sua mãe, Igraine; a tia e Senhora de Avalon, Viviane; dentre outras. Começamos com Igraine que muito nova foi tirada de Avalon, terra pagã, para se casar com um cristão, o Duque Gorlois da Cornualha. Com ele teve uma filha, Morgana. Sua vida é basicamente obedecer ao marido. A submissão a torna infeliz. Sua única válvula de escape é a filha. Até o dia em que encontra Uther Pendragon, e por ele se apaixona. Mas trata-se de um amor de outras épocas e outras vidas. Por ser de Avalon, ela tem certos poderes, como a visão. Consegue viajar pelo tempo e enxergar o que outros não veem.

A Bretanha está em guerra e são muitos os que querem dominá-la. De alguma forma, as mulheres que estão à frente de Avalon são as estrategistas dos conflitos, junto com Merlin, uma espécie de mago conselheiro. E uma das grandes estratégias é justamente preparar o grande rei que deverá assumir o trono. Tudo é meticulosamente planejado sem levar em conta sentimentos ou desejos dos envolvidos. 

Morgana tem grande destaque e é ela quem nos fala entre um capítulo e outro. Após a morte de seu pai, é enviada para Avalon para ser criada como uma sacerdotista. Acompanhamos todos os seus anseios, crenças e momentos de dúvida por conta das consequências que suas escolhas trouxeram.

Embora a proposta seja enaltecer o papel feminino, percebemos que ele ainda é muito restrito aos rituais pagãos e que as mulheres ficam sempre nos bastidores. No fim das contas o prestígio é sempre dos homens. Para eles, se dedicam, trabalham e sofrem. Mas na hora do vamos ver, são eles que são coroados e reverenciados. 

Vou continuar a leitura dos demais volumes até para ver o desfecho. Também pretendo ler livros que trazem outras versões dessa lenda, até para entender melhor algumas passagens, sobretudo no que diz respeito às batalhas que são travadas.

Embora o livro não tenha caído totalmente no meu gosto pessoal, tenho que reconhecer que o assunto e abordagem são extremamente interessantes. Ele é rico em detalhes e nos mostra muito sobre os rituais pagãos, ofuscados pelo cristianismo a partir da idade média. É um universo rígido, cheio de regras, mas bonito e livre de preconceitos. Mas o que mais me agradou no livro foi a neblina, as brumas que garantem o esconderijo de Avalon. Quero muito entrar nessa terra :-)

Espero que, a partir de agora, a leitura seja mais fluída.

Trechos

"Os cristãos procuraram acabar com toda a sabedoria que não fosse a sua, e na luta para conseguir isso, estão banindo do mundo todas as formas de mistério, exceto as que harmonizam com a sua fé religiosa. Consideraram heresia pensar que os homens têm mais de uma vida, o que qualquer camponês sabe ser verdade."

"Você foi injusto, e faz bem em pedir meu perdão, que só terá quando os infernos subirem, e a Terra baixar sob o oceano ocidental."

"O destino da mulher era ficar sentada em casa, no castelo ou na cabana - havia sido assim desde a chegada dos romanos."

"Com os animais, sempre se sabe exatamente o que pensam, ois não podem mentir, fingir ser aquilo que não são.

terça-feira, 12 de junho de 2018

a garota italiana




"Dei-me conta de que podemos amar alguém de todo o coração, mas isso não significa que essa pessoa nos faça bem."


Faz tempo que estava com "A garota italiana" em casa. Mas quando comecei a leitura, deslanchei, como sempre acontece com os livros de Lucinda Riley. 

Rosanna Menici escreve ao filho contando sua obsessiva história de amor. Não chega a ser um romance epistolar. Há apenas algumas cartas que se intercalam com os capítulos narrados ora sob o ponto de vista dela, ora de outros personagens. Ela nasceu em Nápoles e quando criança se sentia o patinho feio da família, principalmente quando comparada com a irmã, admirada por todos por sua beleza. Durante uma festa, quando tinha 11 anos, conhece Roberto Rossini. Com 28 anos, já era um famoso cantor de ópera. Na festa, Rosanna tem seu momento de fama quando pedem que ela cante Ave Maria. Sua voz encanta a todos, inclusive Roberto, que a indica a um renomado professor de música. É o começo de muitos sonhos e estudos. Os anos passam e ela se aperfeiçoa cada vez mais. Contudo, em determinado momento terá que escolher: cantar no teatro que sempre quis ou viver o grande amor da vida. Confesso que fiquei chateada com a escolha. Mas temos que lembrar que Lucinda trata do amor acima de tudo. Desta vez, traz um sentimento que cega e que distancia a pessoa de tudo mais, inclusive colocando a vida do filho em risco. 

Como já disse outras vezes, seus livros não trazem nenhuma reflexão profunda. São bons enquanto duram. Sempre com cenários calmos, tranquilidade. E é isso que me atrai. Dica: leia de barriga cheia. Porque aqui e ali surgem massas, risotos e bate uma fome. Tanto que li alguns capítulos durante as refeições e assim pude ter uma experiência sensorial. Adoro fazer isso e recomendo. Estão tomando chá na história? Faça um. Bebendo vinho? Pegue sua taça? Comendo macarronada? Faça seu próprio prato! Tudo fica mais agradável e nos sentimos no desenrolar dos fatos. Também ouvi algumas das operas que são citadas, como Madame Butterfly, de Puccini, com o mesmo propósito: entrar no livro

Mas tenho duas críticas. A primeira é em relação aos trechos machistas. A mulher de 45 é velha para o moço de 30 e poucos. Inclusive, chega-se a dizer que ela está longe da fertilidade e, por isso, não serve para ele. Absurdo. Ao passo que não há nenhum comentário negativo para o relacionamento do cara de 41 anos com a mocinha de 24. Não sei se essa foi a mensagem que a autora quis passar, refletindo o que se passa na sociedade ou se realmente escreveu por escrever, sem pensar. Infelizmente, não senti nada subliminar. Apenas preconceito mesmo. Lucinda, please! Outro ponto é na escrita. Talvez seja problema de tradução, mas encontrei alguns absurdos como um ‘bebê prematuro de cinco semanas’. Além das pessoas sempre ‘cerrarem o punho’ quando nervosas. Essa repetição enfraquece o texto.

No mais, foi gostoso passar alguns dias em Nápoles e no interior da Inglaterra com Rosanna, sua família e amigos. Última observação, não comprem o livro apenas pela capa, pois a da edição brasileira não tem nada a ver com a história ;-)

"O amor é uma espécie de vício. É preciso suportar um período de abstinência e não se punir por de vez em quando pensar que nunca vai passar."

"Se tem uma coisa que aprendi na vida, foi que ela não é um ensaio. Para nós, mulheres, é mais difícil. Se quisermos ser felizes, precisamos ser mais fortes que os homens."

segunda-feira, 4 de junho de 2018

o assassinato de roger ackroyd



"Mas o senhor pode imaginar por si mesmo, monsieur, que um homem possa trabalhar rumo a um certo objetivo, possa labutar e mourejar para alcançar certo tipo de lazer e ocupação, e afinal descobre que anseia pelos velhos dias ocupados e pela antiga ocupação que ele se acreditava tão feliz de deixar?"

Romance policial de Agatha Christie com seu famoso detetive belga, Hercule Poirot. Escrito em 1926, foi o primeiro grande sucesso da autora e é considerado uma de suas obras-primas. O final é incrível. Poirot desvenda o crime (quase que) perfeito: o assassinato do rico industrial Roger Ackroyd. Como em qualquer romance policial, há vários suspeitos, incluindo o pobre mordomo. Quando você terminar de ler, leia o livro novamente e verá que todas as pistas estavam lá. Bem na sua cara. Sua pergunta será: como eu não descobri o culpado antes?

O cenário é King's Abbott, pequena cidade do interior da Inglaterra. Nada acontece por lá e o passatempo de todos é a fofoca. Um dos principais alvos é Roger Ackroyd, o homem mais notório do lugar. Caroline Sheppard, irmã do prestigiado Dr. James Sheppard, que é o narrador da história, lidera o time dos fofoqueiros. Alguns eventos deixam a cidade ainda mais movimentada. Primeiro, o suicídio de Dorothy Ferrars, viúva muito jovem. Logo depois, o assassinato de Ackroyd em sua própria casa. Antes de morrer, ele disse ao Dr. Sheppard que estava noivo de Dorothy e que ela envenenara o marido. Alguém descobriu e a estava chantageando. Ackroyd não sabia quem era essa pessoa, mas a noiva lhe enviou uma carta contando tudo. Depois do assassinato a carta desaparece. 

Muitas pessoas são suspeitas. Começando com o mordomo, John Parker. Os outros são a Sra. Ackroyd, cunhada de Ackroyd; Flora Ackroyd, sobrinha e filha da Sra. Ackroyd; Ralph Paton, enteado de Ackroyd; Geoffrey Raymond, secretário; Elizabeth Russell, a governanta; Hector Blunt, caçador e amigo da vítima; e  Ursula Bourne, a copeira. 

E é aí que o detetive belga, Hercules Poirot, entra em cena. Ele acabou de se aposentar e  mudou para essa cidade. Mas a pedido da sobrinha de Ackroyd, aceita o trabalho. Como seu assistente, Hastings, está na Argentina, quem o ajudará nas investigações é o Dr. Sheppard, que tem informações sobre todos.

Poirot é muito observador e nada escapa aos seus olhos. Extremamente detalhista, diz que conversa com as cadeiras, mesas e todos os objetos da cena do crime. Porque são eles que sabem o que realmente aconteceu.

Esse foi o livro de Agatha Christie que mais me impressionou. Era minha escritora favorita na adolescência. Eu o li há mais de vinte anos e toda a história ainda estava bem viva em minha memória, principalmente o desfecho. Por conta de uma das tarefas do meu curso de francês, pela terceira vez, me debrucei sobre ele. E mais uma vez se mostrou fascinante. Claro que eu não tive a surpresa do final. Mesmo assim, fiquei envolvida com os suspeitos e o desenrolar de cada segredo descoberto. Os ingredientes são os mesmos de todos os romances da autora, mas é diversão certa.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

la petite fille de mounsieur linh





"Il ferme les yeux et s´endort en songeant 

aux parfums du pays natal"


Impossível não se emocionar com Monsieur Linh, personagem do título deste lindo romance do francês Philippe Claudel. A história é contada de forma tão singela, que nos sentimos dentro de seus pensamentos mais inocentes. Ele é um idoso que perdeu toda a família na guerra e que parte (talvez não de maneira voluntária) para outro continente. A viagem de navio dura dias e tudo o que ele tem é uma fotografia, um pouco da terra de seu país e sua neta recém-nascida, o que lhe mantém vivo e disposto a recomeçar.


Chegando ao destino, percebe a diferença em relação ao seu local de origem. O frio, o cheiro, o idioma. Tudo parece hostilizá-lo. Mas ele sempre pensa que precisa ser forte pela criança. Seu destino é um abrigo onde há outras famílias. Mesmo sendo compatriotas, eles riem de seu jeito de ser, calado, introspectivo. Não interage com ninguém a não ser com a netinha. Ele a resgatou durante a explosão que matou seu filho e sua nora. A garotinha estava deitada no chão, ilesa. E agora está sempre em seus braços, forma que encontra de protege-la. Sang Diu é seu nome e ela parece contribuir com o avô, pois está sempre tranquila e quieta. 

Sua solidão é aliviada quando encontra, em um banco de praça, o senhor Bark, que também sofre com a morte da esposa. A amizade surge imediatamente e é muito bonita de ser acompanhada. Bark fala o tempo inteiro. Linh apenas escuta e sorri. Apesar de não falarem o mesmo idioma, ambos se entendem. E muito bem.

Há alguns contratempos que vão separá-los. O final é surpreendente e diz muito sobre o que se passa com todos que se transformam em refugiados. Deixam de ser pessoas com suas vidas estabelecidas, rotinas, famílias para serem estranhos forçados a adaptar-se a regras que não têm sentido na situação em que se encontram. Como bem aparece no primeiro trecho do livro, são marionetes nas mãos daqueles que acreditam que estão fazendo um favor por tirá-los de uma zona de guerra em que perderam tudo. Será mesmo que o mundo deve ser assim tão dividido a ponto do que acontece lá não ser responsabilidade de quem está aqui?

Narrativa maravilhosa, poética e que deixa muitas reflexões. Detalhe para o título do livro que traz um trocadilho no original: petite-fille e petite fille ou neta e garotinha. Só no fim da história entendemos. Leiam.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

felicidade para humanos



“Quem já conseguiu alguma coisa obedecendo regras?” 

"Felicidade para humanos", do inglês P. Z. Reizin, é um chick-lit de ficção científica. Sabe aquela discussão de que as máquinas vão dominar o mundo. Ou que a criação vai dominar seu criador. Pois é mais ou menos isso que é tratado neste livro leve e engraçado. Os capítulos são intercalados por vários narradores, três dos quais são inteligências artificiais. Foram desenvolvidas para substituir humanos em algumas tarefas e ganharam o mundo por meio das nuvens. Elas conseguem ver tudo o que está acontecendo e passam a interferir na vida das pessoas que acompanham. Uma delas é Jen, jornalista que arrumou um emprego bem inusitado: conversar com Aiden, inteligência virtual criada para ser atendente de telemarketing. Como ele (ou ela, I.A. tem gênero?) irá interagir com as pessoas, precisa conhecer nossos macetes e daí a tarefa de Jen, bater papo sobre o dia a dia, música, literatura, cinema. Aiden, aliás, torna-se cinéfilo. Está a toda hora assistindo a um filme e participando de grupos de discussão na internet. Muito engraçado também é ver como esses seres leem livros. Algo assim, "peraí que vou dar uma lida em nos sete volumes de 'O tempo perdido', de Proust" e em menos de um décimo de segundo retornam com a leitura concluída. Tanto que Aiden diz já ter lido todos os livros do mundo. Isso me lembrou a forma como a Super Vicky (quem assistiu TV nos anos 80/90 vai lembrar) lia. Meu sonho de consumo. Enfim, voltando ao livro, Jen acaba de levar um fora do namorado e está completamente arrasada. Aiden, que consegue enxergá-la, literalmente, por meio de todos os dispositivos com câmera que ela tem, não aguenta tanto sofrimento e resolve dar uma ajudinha. Passa a usar seus algoritmos para lhe arranjar outro namorado. Ao mesmo tempo, faz da vida do ex um inferno. Do outro lado do mundo, ou da nuvem, está Aisling, outra I.A. que também tem seu humano de estimação, Tom, ex-publicitário divorciado que tenta escrever seu primeiro romance. Não é spoiler dizer que os dois serão conectados. Mas eis que surge Sinai, A.I. disposta a acabar com a brincadeira. O livro até tem algumas partes cansativas, mas é divertido. Morri de rir com esses programas que discutem se têm ou não sentimentos e até fazem terapia. E, no final, realmente acredito que não estamos longe de ter esse tipo de interação. Se é que já não temos. Oi! Há alguma A.I. me vigiando agora? ;-)

terça-feira, 1 de maio de 2018

história da menina perdida





Onde está escrito que as 
vidas devem ter um sentido?

E terminei a saga de Lenu e Lila, da série napolitana de Elena Ferrante. Poderia facilmente ter lido os quatro livros na sequência sem me entediar ou cansar. A leitura é empolgante. Desde o primeiro volume, quando conhecemos as duas ainda meninas, suas brincadeiras, brigas e sonhos até esse último, quando já estão bem mais velhas e as desilusões se sobressaem. Características delas lá atrás permanecem, sendo que algumas são fortalecidas com o passar do tempo. Lila sempre destemida e em busca de algo novo para se apaixonar. Lenu, mais adepta às rotinas do dia a dia, apesar de se jogar na fase adulta. E assim elas vivem suas aventuras, capítulo após capítulo. 


O título, “História da menina perdida”, pode tanto fazer referência à infância distante das duas como a um fato trágico que envolve o sumiço de uma criança. Minhas pernas ficaram moles enquanto lia e sentia o desespero da mãe. Ainda agora não gosto nem de imaginar tal situação.

Perto de completarem quarenta anos, elas voltam a ser vizinhas no bairro em que cresceram. Retomam a amizade que mistura admiração e inveja. São envolvidas nas disputas e confusões locais. Também engravidam ao mesmo tempo. Lenu do terceiro filho. Lila do segundo. 

Fiquei com raiva de Lenu, que abandona a serenidade que sempre teve para viver um grande amor de infância. O problema é que ela larga tudo, inclusive as duas filhas pequenas. Tento não julgar, mas é impossível. Aliás, que cafajeste ela arrumou. Lila, que foi parar no fundo do poço no livro anterior, dá a volta por cima e, no início dos anos 80, destaca-se no desenvolvimento de sistemas. Ao mesmo tempo, mostra-se cada vez mais equilibrada e disposta a ajudar a todos. Não fosse ela, Lenu estaria ainda mais perdida. 

Vale lembrar que todo o relato é sob o ponto de vista de Lenu, que escreve a história das duas na tentativa de descobrir o paradeiro de Lila, que desapareceu sem deixar um único pertence. Se o enigma é desvendado ou não, leiam e me digam. Só posso dizer que as pessoas sempre podem nos surpreender. Para o bem e para o mal.

Trechos 

"Era maravilhoso ultrapassar fronteiras, deixar-se ir a outras culturas adentro, descobrir a provisoriedade do que eu tinha tomado por definitivo." 

“- Acalme-a.
- Como?”
Sorriu: - Com mentiras. Mentiras são melhores que tranquilizantes.” 

"Há tempos eu já percebera que cada um organiza a memória como lhe convém, e ainda hoje me surpreendo ao fazer o mesmo." 

“Está querendo dizer que um desejo pode ser tão forte a ponto de parecer já realizado?”

Se uma criatura de poucos anos morre, está morta, acabada, mais cedo ou mais tarde você se conforma com isso. Porém, se ela desaparece, se não se sabe mais nada a seu respeito, não há nada que reste no lugar dela, em nossa vida.


Leia também:
Amiga genial

uma loja em paris





"Nós, os homens, somos em geral seres que vivem paralisados pelo medo. Essa é a principal barreira que nos impede de ser felizes."

"Uma loja em Paris", do espanhol Màxim Huerta é bem difícil de engolir. A vida é cheia de coincidências. Vira e mexe tropeçamos em uma. Mas ter todas as coincidências do mundo em uma única história é demais.

Teresa é uma dondoca. Perdeu os pais cedo e foi criada pela tia, irmã gêmea da mãe. A relação entre elas é bem tensa, sobretudo porque Teresa não aceita o lado impositivo da tia, que quer lhe dar a melhor educação e que ela seja criada de acordo com seus princípios. Algo intolerante para uma garota de nove anos, que sofre a perda do amor materno. E assim ela cresce, amargurada, frustrada e sempre sentindo-se subjugada pela sua tutora. O problema é que ela não se mexe. Só reclama e vai levando a vida de forma letárgica. Pouco se interessa pelos negócios da família, apesar de usufruir, e muito bem, dos benefícios financeiros que eles trazem: mora bem, faz cursos, viaja, tem tudo que o dinheiro pode comprar. Poderíamos nos perguntar: por que essa moça é tão infeliz? Mas o ser humano não é tão facilmente classificado. E há muitos dilemas internos que quem está de fora não consegue entender. 

Independentemente de qualquer coisa, não gosto de Teresa. Ela não conquistou minha simpatia. Enfim, um belo dia, após mais um dia sem fazer nada, ela para em um antiquário e encontra algo que vai mudar seu destino. Trata-se de uma placa de uma loja parisiense. Ah! Teresa é espanhola e mora em Madrid. Ela se encanta e leva o objeto para casa. A partir daí coisas estranhas começam a acontecer, como sentir arrepios, ventos fortes, música tocando do nada. Parece que estamos diante do sobrenatural, mas não. Felizmente. Não que eu fuja deste tipo de história, mas não era exatamente o que buscava quando comprei o livro. O que eu queria era sentir Paris. Vivenciar um pouco essa cidade por meio da literatura. Simples assim. Voltando, essa placa tem o nome de uma mulher, Alice. Resultado: Teresa larga tudo e parte para a França em busca de seu rastro.

Chegando lá, como é rica, compra a tal loja da qual a placa fazia parte. Compra também um apartamento e passa a investigar essa misteriosa mulher, que parece estar em todas as partes. Os capítulos passam a ser intercalados entre os descobrimentos de Teresa e a vida de Alice, que viveu na década de 20. Aí, sim, senti Paris e tudo fica mais interessante. A parte de Alice, claro. Conhecemos bairros boêmios da cidade, bares, restaurantes, galerias, ruas. Enfim, a vida artística da época. Alguns personagens são verdadeiros, como Coco Chanel. E, segundo autora, muitos dos lugares também. Deu até vontade de conhecer alguns deles. Descubro que estive muito perto de tudo isso na minha última viagem. Ainda assim, tudo caminhou para um final fraco, fraco. Algumas coisas que acontecem, sem me preocupar com spoiler: Teresa tinha um namorado francês. Um dia ele some. Ela (como sempre) sofre. Na França, anos depois, quando está atrás de Alice, ela encontra um homem que vai ajudá-la na investigação. Este cara tem um filho. Adivinhem que é! E quem é a avó deste cara? Um doce para quem descobrir. Rá! Não aguentei. Sem contar que o texto é repleto de reticências. Tenho pavor desta pontuação usada de modo exagerado. Enfraquece qualquer narrativa. E quando ela já é fraca, piora tudo.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

brás, bexiga e barra funda




"Então os transatlânticos trouxeram da Europa outras raças aventureiras. Entre elas uma alegre que pisou na terra paulista cantando e na terra brotou e se alastrou como aquela planta também imigrante que há duzentos anos veio fundar a riqueza brasileira."



Li “Brás, Bexiga e Barra Funda”, de Alcântara Machado, pela primeira vez para o vestibular, há muitos anos (hahaha). Lembro que na época gostei muito. Tanto que o reli na sequência. Até porque tinha que fazer algumas anotações para a prova. Tive agora meu terceiro contato com a obra, em homenagem ao aniversário de São Paulo, no último dia 25 de janeiro. Clássico do modernismo brasileiro, foi publicado em 1927 e traz vários contos que haviam sido publicados anteriormente em jornais. 

Com olhar de repórter, o autor busca retratar a vida dos imigrantes italianos na capital paulista. Seus costumes, pensamentos, manias, problemas, barulhos. Traz características, bem estereotipadas, do que, ainda hoje, é considerado o jeito de ser dos ítalo-brasileiros. Tudo por meio de linguagem que imita o cinema, com cortes, movimentos rápidos e blocada. Introduz ainda palavras que não existiam no dicionário e que eram do dia a dia das pessoas que Alcântara Machado observou para escrever suas crônicas da cidade. 

O primeiro texto é o “Artigo de Fundo”, que contextualiza os demais que virão. “Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo”. 

Na sequência, conhecemos Gaetaninho, garoto muito pobre que queria muito andar de carro, mas isso só era possível em enterros. Tanto que uma noite sonhou com a morte da tia e se viu indo na boleia durante o cortejo. No final, ele realiza sua fantasia, mas de forma não muito feliz. A narrativa tem um toque de humor negro que nos deixa a pensar em como a realidade pode ser cruel com nossos desejos. 

Outra personagem é a Lisetta, também pobre. Ela está no bonde com a mãe e vê uma menina brincando com um ursinho. Percebendo que Lisetta se interessa pelo brinquedo, a garotinha começa a se exibir, algo como: “eu tenho, você não tem”. Lisetta quer tocá-lo, mas ganha um beliscão da mãe. Mais tarde, acaba ganhando um brinquedo do tio feito de latão. Fica toda feliz. Aqui vemos as desilusões que temos desde a infância. Ao mesmo tempo, são as pequenas atitudes que importam e são nelas que temos que nos apoiar. A felicidade está mesmo é nas pequenas coisas. 

"A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos!"

Engraçado é “Corinthians (2) X Palestra (1)”. Primeiro porque, claro, o Corinthians ganhou. Rá!! Depois porque foi bem divertido ver como a pessoa muda de time conforme o paquerinha. Já vi isso acontecer com amigas. Miquelina namorava o atacante do Corinthians e torcia para o timão. Depois passou a namorar um jogador do Palestra (Palmeiras) e adivinhem? Verdão. Até que surge o dilema numa partida em que um deles comete um pênalti e é o outro que vai cobrar. E agora? O final é bem bobinho. Assim como ela que vive para os gostos dos namorados. 

Temos ainda a história de um homem que se destacou por gostar do hino brasileiro. Um casamento entre quatrocentões falidos e italianos bem-sucedidos. O deputado que adota um garotinho filho de italianos, dando-lhe seu nome e ‘aportuguesando’ o do garoto, de Gennarinho para Januário. Há a garota que é noiva, mas flerta com outro e usa a amiga para suas escapadas. 

— E o Ângelo, Bianca? 
— O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. E pra casar. 
— Há!... 

Chocou-me “O monstro de rodas”. Talvez por ser um dos mais reais, infelizmente. Sobretudo quando vemos crianças sendo mortas em guerras mundo afora e até mesmo pela violência em nosso país. A crônica mostra a indiferença das pessoas durante o enterro de uma garotinha. Falam de tudo, menos dos motivos que as levaram até lá. Apenas uma pessoa sofre: a mãe. Chega a doer. Triste, triste. 


"O grilo fez continência. Automóveis disparavam para o corso com mulheres de pernas cruzadas mostrando tudo. Chapéus cumprimentavam dos ônibus, dos bondes. Sinais-da-santa-cruz. Gente parada. Na Praça Buenos Aires, Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais."

Outro que traz violência é “Amor e sangue”. Após ouvir a notícia de que um rapaz havia matado a companheira por ciúme, Nicolino, influenciado pela forma com que algumas pessoas receberam a notícia (a culpa é da mulher), comete crime parecido. E tudo fica por isso mesmo. Esses dois e o do Gaetaninho me lembraram os mini contos de Voltaire de Souza, que eu lia quando criança no "Notícias Populares", jornal que meu pai levava para casa todos os dias. Seus textos ainda continuam sendo publicados, mas em outro periódico.

Negócios desleais também aparecem. Como no caso do dono armazém que planeja desbancar o português da confeitaria, que já não está a beira da falência. 

O livro fecha com “Nacionalidade”. Italiano faz de tudo para manter viva e presente sua Itália. Seu desgosto era ver que seus filhos só queriam falar português. Para compensar, sempre reunia amigos que relembravam seu país. Até que se depara com o amigo que entrou para a política e que lhe pede voto. Justo ele que não podia votar. Mas a conversa o atraiu tanto que acabou o ajudando na campanha. O tempo passou, seus filhos se formaram e é justamente um deles, que se tornou advogado, que entrou com o pedido de mudança de nacionalidade. Novos tempos. Novos brasileiros. Leiam e confiram se realmente tivemos muitas mudanças de lá para cá em nossa sociedade ;-)

"— Caramba, come dicono gli spagnuoli!"

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

provence



“Toda mulher precisa de pelo menos um verão na vida em que possa se perder.”


Provence, o lugar onde se curam corações partidos”, de Bridget Asher, pseudônimo da norte-americana Julianna Baggott, é o que chamo de leitura fofa. Apesar de partir de uma situação triste, traz momentos de bom humor e o cenário perfeito para fugirmos da realidade e descansarmos a cabeça. 

Heidi perdeu o marido em um acidente de trânsito há dois anos e ainda não se recuperou da tragédia. Ela mora com o filho de oito anos e, com exceção dos cuidados com o garoto, deixou de fazer tudo o que gostava, incluindo o trabalho em sua confeitaria. 

No dia do casamento da irmã, a dor é ainda mais forte por lhe fazer lembrar dos momentos que deixou de viver com Henry. Vendo seu estado desesperador, sua mãe planeja uma viagem à região da Provence, na França. A desculpa é que ela ajude a reformar a casa da família na qual costumava passar as férias de verão quando criança. Acontece que a própria mãe também tem suas frustrações e alguns segredos. Nada demais. Mas o gostoso é o cenário, as situações corriqueiras que a personagem principal vivencia durante a viagem. Para começar, a casa fica aos pés do monte Sainte-Victoire, o mesmo tantas vezes retrato pelo impressionista Paul Cézanne. Quanto privilégio! 

Claro que haverá um novo romance. Claro que tudo é previsível. Há personagens secundários totalmente sem graça. Ainda assim foi uma boa leitura, que me deixou com uma vontade louca de fazer o mesmo roteiro. 

Boa viagem ;-) 

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Uma das pinturas de Cézanne inspiradas no monte Sainte-Victoire

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

a notícia relevante


“Uma relação saudável com a imprensa é obrigação institucional. É lícito e democrático que se tenha informações verossímeis sobre empresas, setores ou pessoas públicas.”

A notícia relevante” traz a experiência de Ibiapaba Netto, que já foi repórter, assessor de imprensa e que, agora, é executivo de importante organização agrícola, ou seja, atua como fonte e porta-voz. 


Em sua jornada profissional ele presencia o grande descompasso entre os jornalistas e as assessorias de imprensa. De uma lado, o pessoal da redação sempre recebendo informações com desconfiança. Do outro, assessores tratando jornalistas com receio e pouca transparência. Embora o livro seja dedicado sobretudo às empresas que desejam reforçar sua comunicação e se sobressair num mar cheio de sugestões de pautas, vale também para assessorias de imprensas, que vão ver situações que incomodam os clientes, e jornalistas, que vão entender um pouco as necessidades das organizações. Leitura rápida e recomendada. 

Abaixo, um pouco de suas recomendações:

Fonte

Você não ser citado em uma matéria, não reduz seu papel de fonte. Você pode ser essencial nos bastidores esclarecendo, por exemplo, sobre a área de atuação de sua empresa. O jornalista sempre vai precisar de uma fonte para dar a notícia. E essa fonte nem sempre será um porta-voz, mas alguém que vai dar acesso a informações e dados estratégicos.

Mesmo que o jornalista seja seu amigo de infância, padrinho ou o que for, ele continua sendo jornalista e você a fonte. Isso quer dizer que se tiver algo que seja alvo de reportagem, não será poupado de uma análise mais crítica.

Cuidado com o famoso “em off”. Isso não existe. Se não quiser que algo seja divulgado, não conte a um jornalista.

Não se esconda

Atender ou não a imprensa? Sempre atenda. A não ser que seja algo muito, mas muito específico que exija sigilo. Nunca deixe de contar sua versão dos fatos. Até porque se a notícia for relevante, não deixará de ser dada porque você se omitiu. “O fato de não atender a um veículo de imprensa jamais eliminará o risco de a matéria sair.”

A imprensa trabalha dialeticamente: um acusa, outro defende. Para algo ser notícia é essencial que haja um conflito. Então, para que fugir?

Confiança é o pilar mais importante nessa relação. Jamais minta. “Mentir para um jornalista significa ser desmentido em algum momento, cedo ou tarde. Num mundo repleto de possibilidades de informações e de acesso a dados, nenhuma mentira se sustenta por muito tempo.”

Assessoria de imprensa serve para defender uma posição e evitar que um contraponto sobressaia. Marketing é para conquistar corações e mentes. Juntar os dois é o melhor negócio para se comunicar com a sociedade. “De nada adianta uma bela propaganda se há somente notícias negativas. Por outro lado, apenas o alcance das notícias é pouco para quem deseja ou necessita dar mais amplitude às suas mensagens.” Assim, se a verdade tal e qual não é suficiente para dar o alcance que almeja, coloque uma pitadinha de marketing e mande bala! 

Sempre tenha à mão um material explicativo com tabela, gráficos e todo o tipo de dado que possa precisar durante uma entrevista. Isso, além de lhe guiar durante a entrevista, ajuda a evitar erros. “Não há reportagem 100% correta para 100% do público, até porque, normalmente, para cada reportagem são consultadas diferentes fontes de informações que trazem pontos de vista diferentes.”

Atente-se a entregar suas principais mensagens. Não fique chateado se um ou outro dado saiu errado. Isso pode acontecer e não é recomendável que se peça uma errata. Até porque ninguém lê as erratas. Só entre em contato com a redação se realmente for algo que prejudica o entendimento geral do assunto abordado. Muita encheção de saco pode criar conflito na relação. E não queremos isso, certo?

Sempre aposte em mensagens simples, breves e diretas. Nada de bla bla bla. A chance de ótimos resultados é infinitamente maior.

Encontre seu espaço

Nem só de grande mídia vivem as notícias. As chamadas “novas mídias”, que não necessariamente são subordinadas aos grupos tradicionais (Globo, SBT, Folha de São Paulo etc.), ocupam cada vez mais relevância para diferentes públicos. São inúmeros os portais na internet que permitem conteúdo mais opinativo e próximo da mensagem que se deseja passar. O mesmo vale para os veículos regionais, que têm muita influência local. Eles cobrem fatos que, embora não tenham relevância suficiente para uma audiência nacional, interessam muito regionalmente. Aposte neles.



A relevância jornalística vai depender de várias fatores, como o tamanho do negócio, número de pessoas envolvidas, importância econômica e social do setor. E para todo negócio sempre vai haver um veículo especializado. Aliás, isso é o que não falta: segmentação. Principalmente com a internet. Ou seja, todos podem ser relevantes. Basta escolher o veículo adequado para contar sua história. “A necessidade de comunicação vai muito além da existência ou não de um produto ou marca na prateleira de um supermercado. Há que se comunicar com a sociedade, com os fornecedores, os clientes etc.”

Encontre uma boa história e um bom foco. Hoje, a oferta de notícias é muito maior que a demanda. O autor dá o exemplo de um empresário que conseguiu divulgação para sua empresa a partir da publicação de um livro que falava de uma premissa pessoal, que por sinal o havia levado a pensar seus negócios. Feita a ligação e tendo um bom conteúdo, o resultado foi um sucesso. 

Faça uma boa foto. Ela pode até valer mais que uma boa história. “Uma imagem inusitada que traduza (ou exponha) o conceito daquilo que é tratado pode render um topo de página de jornal, ou mesmo uma dupla em uma revista.”

Assessoria de imprensa

Fique atento se sua assessoria de imprensa tem clientes que concorram com você. Isso pode impedir que haja um planejamento para eventuais crises e fazer com que eles fiquem apenas no ‘apagar incêndios’. Outra crítica que o autor faz em relação às assessorias de imprensa é que geralmente colocam profissionais novatos para atender as contas. “Comprar um jornalista sênior e levar um recém-formado beira o estelionato.”

Não restrinja o trabalho de comunicação ao roteiro padrão de muitas agências: ter mailing list, enviar para todos um press release e, depois, fazer o follow up. “Manter esse procedimento como algo padrão é algo extremamente preguiçoso, automático e que simplesmente destrói qualquer agregação de valor de uma notícia.” Agora, uma crítica minha: agregação de valor? Eita, termo que me irrita e que, com o trocadilho, não agrega nenhum valor.

Cuidado com os releases. Eles são praga nas grandes redações. Algumas colunas recebem mais de dois mil por dia. Os jornalistas acabam dando prioridade para fontes conhecidas ou assuntos em evidência. Releases podem ajudar os pequenos veículos, sobretudo digitais. Alguns chegam a reproduzi-los na íntegra. Mas será que é isso que você precisa? Neste caso, o ideal é usar o bom e velho telefone quando REALMENTE tiver algo interessante a dizer.

Veja uma eventual crise como oportunidade. Algumas assessorias de imprensas tendem a ter um excesso de zelo para falar com jornalistas. Eles não são bichos de sete de cabeças. E isso pode fazer com que se perca a oportunidade de falar e ganhar um espaço bacana. “Notícia negativa não é crise, é coisa da vida e deve ser enfrentada como tal.”

Sete pecados capitais no relacionamento com a imprensa

  1. Oferecer uma falsa notícia exclusiva
  2. Fura coletivas: dar a notícia antes da reunião com os jornalistas
  3. Não dar retorno: dar uma falsa expectativa de retorno da fonte de informação ao jornalista
  4. Tentar comprar uma matéria
  5. Pedir para ler a matéria antes de ser publicada (quem nunca passou por isso. Rá!)
  6. Sufocar o jornalista com releases
  7. Vender pauta via redes sociais: mesmo que seja amigo do jornalista, não mande suas notas por Facebook ou WhatsApp, por exemplo.
No mais, o que realmente prevalece é a máxima já dita pelo magnata da imprensa norte-americana William Randolph Hearst: “Notícia é o que alguém, em algum lugar, não quer que se publique; todo o resto é propaganda.”

Cena de Cidadão Kane, filme de 1941, que teve certa inspiração na vida de Randolph Hearst.