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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

tigres em dia vermelho

A leitura já vale pela capa
Este livro me prendeu do início ao fim. Tanto que varei a noite para terminar a leitura. E, no dia seguinte, voltei a ele sem acreditar que já o tinha terminado. Ou seja, a história continuou comigo e eu não queria larga-la. ‘Tigres em dia vermelho’ é o romance de estreia da jornalista norte-americana Liza Klaussmann. E como uma grande reportagem, ela usou várias vozes, mesmo quando em terceira pessoa, para contar a mesma história, o que deixou a narrativa ainda mais interessante. Tataraneta de Herman Melville, autor de ‘Moby Dick’, diz ter se baseado em sua própria experiência, tanto que a inspiração para a ambientação de boa parte das passagens é sua casa de veraneio em Martha's Vineyard, ilha no nordeste do Estados Unidos.

Acompanhamos os personagens do fim da primeira guerra mundial até o fim da década de sessenta. Em entrevista ao jornal inglês ‘The Guardian’, Liza afirma ter escolhido o pós-guerra porque é justamente quando o pior já passou, e todos têm de estar felizes. Mas o que há é a ilusão, o conformismo e a decepção diante da expectativa maior que a realização.

Ninguém consegue ver o todo de uma história. O que pode ser relevante para um, pode ser insignificante para outro. Por isso, a autora mostra os mesmos verões  (é nesta estação que haverá todos os encontros e desencontros) sob as perspectivas de Nick, Helena, Hughes, Daisy e Ed. Cada um com seu capítulo, com seu olhar sobre o mesmo acontecimento. Nick e Helena são primas e amigas, aparentemente. Nick é rica e gosta de aventuras. Helena é pobre e se coloca como vítima. Hughes é o marido de Nick, ex-oficial da marinha que combateu em Londres. Daisy é a filha do casal e Ed, que vai fazer todos se confrontarem com o que fingem não saber, é o filho de Helena.

O livro começa com as primas tomando um drink e sonhando com as boas possibilidades após o racionamento imposto pela guerra. Nick vai para a Flórida encontrar-se com Hughes que está voltando da Europa e Helena vai para a Califórnia, ao encontro de seu noivo e segundo casamento. Mas a vida não é feita somente de escolhas. Muitas vezes tropeções nos levam para outras direções. Poucos, acredito, conseguem fazer com que tudo seja do seu jeito. Aos demais, resta o consolo de que não estão sozinhos nas frustrações. E daí vem o título, retirado do poema de Wallace Stevens, 'Disillusionment of Ten O'Clock' (Desilusão das Dez Horas), que em uma de suas possíveis interpretações, nos leva a acreditar que é na desilusão que percebemos que a realidade pode ser melhor do que é, que pode ir além da mesmice instalada. Leia ao som de Julie London e Vic Damone, citados na obra.
 
O Beijo”. Fotografia tirada em 14 de agosto de 1945 por Alfred Eisenstaedt,
o dia em que  os norte-americanos comemoraram o fim da Segunda Guerra Mundial.
Momento para todos estarem felizes

 Trechos

“Quando as duas eram mais moças, ela adorava bolo de anjo. Mas já deixara de gostara havia alguns anos, embora ninguém tivesse se dado o trabalho de perguntar.”

“Aprendera a duras penas que, quando sabem demais, as pessoas inevitavelmente querem salvar você de si mesmo.”
 
“O plano o fez sentir-se bem. A vida era sempre melhor quando se tinha um plano.”
 
“Nick sabia que Hughes queria uma menina, mas um menino não teria que lidar com todos os detalhes mais banais da vida. Daria as cartas, faria o que bem entendesse. Seria forte, determinado e independente, sem ter que se desculpar por nada ou fazer biscoitos que não tinha vontade de comer.”
 
“Às vezes tenho vontade de arrancar as roupas e sair correndo nua por aí, me esgoelando de tanto gritar. Só para agitar um pouco as coisas, droga.”
 
“Só cavalo sua. Homem transpira, e mulher brilha.”
 
“Primeiro o gim, depois o gelo. Termine com água tônica do sifão de vidro, esprema um quarto de limão em cima e depois o jogue no copo.”

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

como ter uma vida normal mesmo sendo louca

Esqueçam o título: 'Como ter uma vida normal sendo louca'. Ele não deve ser levado em consideração ao adquirir o livro de Camila Fremder e Jana Rosa. Apesar de as autoras dizerem que trata-se de um guia para loucas, o foco não é bem este. Na verdade, são piadas leves sobre as moças que querem mascarar o que são: solteiras frustradas, gordas, preguiçosas, alienadas, endividadas, que se acham um 'zé ninguém'. Traz as várias desculpas para a falta de esforços de quem quer emagrecer, ensina como terminar um relacionamento que incomoda (namorado ou amiga), dá sugestões para mostrar que você tem uma vida agitada quando na verdade passa a maior parte do tempo na cama comendo, para fingir que é intelectual ou blogueira de sucesso (aliás, parece ser o sonho de consumo das leitoras, segundo o livro) e por aí vai.

Apesar de não servir para muita coisa na prática, você se diverte com os tópicos abordados, como as 'quinze técnicas para avisar que um amigo fede'. O que fazer? Ligue de número desconhecido para tal pessoa, faça voz de assassino e diga: 'VOCÊ FEDE'. Outro ponto interessantes são os macetes para evitar uma conversa chata. No avião você pode deixar no seu colo o guia, que elas explicam como fazer, 'Doenças Ginecológicas de A a Z'. A ideia é evitar que a pessoa ao lado tente alguma aproximação. Bom passatempo. Agora se quiser dicas que sirvam para a vida, recomendo a leitura de 'É tudo tão simples', de Danuza Leão, que vai pela mesma seara, mas de forma mais convincente.

Trechos

"Nos dias de hoje, ser solteira pode ser a pior coisa do mundo, e, por mais que você não concorde, as pessoas vão sempre te olhar como se você tivesse uma doença contagiosa e vão fazer de tudo para tentar te curar desse mal."
"Tenha sempre amigas prontas para a caça, para te chamarem pra sair e pireguetear, porque nada estraga mais a vida de uma solteira do que só ter amigos casais e gays. Você também pode não sair de casa e fingir que está indo a festas exclusivas, que amigos imaginários te chamaram. Fotografe taças, garrafas, poste em redes sociais e escreva frases como 'having fun' e 'having a good time'. Sempre funciona."

Para não ir a um jantar (fiquei com vontade de fazer): 'quando a pessoa em questão for muito chata, alguém que estudou com você, mas que você nem passava o recreio junto e que agora está forçando a intimidade só porque descobriu que você tem um Facebook badalado, não tenha medo de magoá-la. Diga que vai, sim, mas não apareça, e quando a encontrar novamente, puxe o assunto dizendo que adorou aquele dia e que está louca para marcar um outro encontro de novo, e sai andando fazendo sinal de paz e amor.'

Como entrar em qualquer lounge na semana de moda: "Arrume algum amigo e finja que ele é seu assessor. Ele deve ficar berrando ao telefone assuntos de contratos e comissões. É importante que ele pareça muito estressado a ponto de matar a pessoa, caso ela não te deixe entrar. Ele deve mandar a menina da porta chamar o Claudinho, assessor do lounge (todo lounge tem um assessor chamado Claudinho). Pode ser que essa não funcione, já que todo mundo faz isso, então quando você contratar uma migo para ser o seu assessor, contrate mais três pessoas para pedirem uma foto com você na porta do lounge e perguntarem: 'Quando é a próxima gravação?' (todo mundo fica deslumbrado com a palavra gravação").

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

o apanhador no campo de centeio

Adiei consideravelmente a leitura de 'O apanhador no campo de centeio' (The catch in the rye). Confesso que não gosto muito de ler sobre adolescentes rebeldes que só querem curtir a vida. Talvez seja reflexo de 'On the road', de Jack Kerouac, livro que conseguiu me irritar. Mas fiquei surpresa quando comecei a ler a obra, considerada uma das melhores da língua inglesa, de J. D. Salinger. O texto é delicioso. Desabafos de um jovem, perdido, sim, mas que realmente tem anseios, tem sonhos, tem personalidade forte. Não quer apenas levar a vida por levá-la, ao contrário do chato Dear Moriarty. Pela idade, porém, ainda não sabe exatamente como ‘chegar lá’. Holden Caulfield tem dezessete anos e problemas de comportamento. Não que seja um transgressor, mas não se importa muito com os estudos. A única disciplina que se dá bem é Inglês. A narrativa, em primeira pessoa, é a retrospectiva do fim de semana, às vésperas do Natal, que antecede o seu confronto com os pais, após ser expulso de mais uma escola. Divaga sobre colegas de turma, professores e tudo o que neles o irrita. E decide ir embora antes de todos. Pega um trem para Nova York, sua cidade, e hospeda-se num hotel barato e fica, literalmente, ‘de bar em bar’. Marca encontro com ex-namorada, amigos antigos e faz até uma visita secreta à irmã mais nova, sua maior fonte de inspiração. A conversa entre eles e, mais tarde, o passeio que os dois fazem juntos, são as passagens que mais me marcaram. “She kills me”, ele repete, orgulhoso e constantemente, a cada gesto inteligente dela. Vale lembrar que ele é de família abastada e alimenta a dor pelo irmão que morreu ainda criança.

Recomendo a leitura no original, em inglês. Lembre-se que o livro é contado por um adolescente, então, está cheio de gírias e expressões da época em que foi escrito, fim da década de quarenta. Mas uma coisa é atemporal: a repetição. Na falta de vocabulário ou mesmo movidos pelas ansiedade, os jovens (e alguns adultos) tendem a utilizar a mesma palavra constantemente. Salinger soube transferir isso para a literatura de forma bem agradável. Morri de rir com alguns trechos. Mas fiquei com a dúvida que atormentou o rapaz durante a narrativa, e para a qual não teve resposta: ‘para onde vão os patos que habitam o lago do Central Park, afinal, quando ele congela?’ Isto já foi até objeto de estudos acadêmicos, identificado como um dos símbolos presentes no livro: pode representar o ciclo da vida ou mesmo o espírito infantil que quer se esconder num velho ranzinza. Enfim, interpretações. E, a respeito do título, a forma com que Holden coloca seu desejo de ser um apanhador no campo de centeio, faz com que esse sonho também seja meu. O que mais me entusiasmou foi ver que realmente não existe este lance de gerações x, y, z ou o que for. O livro é considerado um dos primeiros a trazer a visão do adolescente. Por ele, vemos que quase nada mudou de lá para cá. Existe a vontade de se destacar no grupo, a vontade de querer ser diferente e ao mesmo tempo igual, o isolamento, o querer ‘aqui e agora’, as paqueras, a rebeldia, evidentemente. Enfim, não há diferença. Há jovens. E onde há jovens, há sonhos.
Leiam. Leiam.


Trechos

“When you're dead, they really fix you up. I hope to hell when I do die somebody has sense enough to just dump me in the river or something. Anything except sticking me in a goddam cemetery. People coming and putting a bunch of flowers on your stomach on Sunday, and all that crap. Who wants flowers when you're dead? Nobody.”

“Grand. There's a word I really hate. It's a phony. I could puke every time I hear it.”

“Where do the ducks go in the winter?”

“Boy, did he depress me! I don't mean he was a bad guy- he wasn't. But you don't have to be bad guy to depress somebody- you can be a good guy and do it.”

“I told her I loved her and all. It was a lie, of course, but the thing is, I meant it when I said it. I'm crazy. I swear to God I am.”

Vários textos sobre os patos podem ser encontrados na internet.
Aqui, um deles, e com foto.  E não é que os patos estão lá, mesmo no inverno.
Se bem que o lago ainda não está completamente congelado ;-)

domingo, 4 de janeiro de 2015

o cão que guarda as estrelas


Foi com lágrimas que terminei a leitura de 'O cão que guarda as estrelas', belíssimo mangá de Takashi Murakami. Conta a história de 'Happy', cachorrinho que ainda filhote foi adotado por uma menina. No começo, era a alegria da garotinha. Mas logo foi sendo deixado de lado. Ficou próximo mesmo do pai, que sempre o levava para passear. Momentos em que conversavam bastante. E foi com o 'papai' que ficou após o divórcio. Juntos, saem de casa e viajam sem rumo. A partir daí o amor entre eles torna-se cada vez maior. O homem chega a vender tudo o que lhe restou para pagar a cirurgia do cão quando ele adoece. O mais bonito de tudo é o inocente pensamento do cão, muito bem retratado nos desenhos. Quase no fim, espécie de posfácio, outra história surge, com outras personagens, com girassóis, mas ainda envolvendo o relacionamento com cães. Neste momento, fica a mensagem, de partir o coração, a todos que deixam seus animais de estimação de lado. Porque os cachorros estarão lá, sempre os esperando. E sorrindo.

Como nunca é demais dizer, nunca comprem animais. Nunca os dê de presente por modismo para alguém que diz que quer raça tal. Bicho não é mercadoria. Não merece ficar exposto numa prateleira a espera de alguém que o vê como brinquedo que se movimenta. Cachorro é puro amor, mesmo quando ele não é devidamente correspondido.

Trechos

"Eu só dei atenção para ele nos primeiros dias. Logo arranjava coisas mais interessanntes para fazer e deixava o cachorro de lado. Mesmo assim, nas poucas vezes que brincava com ele, ele ficava tão feliz que dava dó. Ele sempre trazia a bola esperando por esta atenção. O cachorro está sempre esperando."

"Um cachorro sempre me inspira pena. Eu nunca fui um bom dono. 'Eu não tenho tempo para brincar com você!' Fiquei tão irritado com a insistência dele. Que fingi que ia brincar. E acertei o focinho dele com tudo. Mesmo assim, os olhos dele não demonstraram nenhuma reprovação ou desprezo. E com uma expressão de 'desculpa, eu não entendi direito a brincadeira.' Ele ficou lá, me olhando."

"O que eu fiz por ele? Devia ter brincado mais. Devia ter levado mais para passear. Devia ter deixado que cheirasse a mureta, o meio-fio e o poste o quanto quisesse em vez de puxá-lo à força. Devia tê-lo amado sem medo."


E assim iniciamos a leitura :-)