Só ouvi um “bonjour” com desdém. Alguns murmúrios abafados e misturados com buzinas. Logo depois, “aqui é Brasil”. E, na sequência, “vá emborrra”. Olhei para o lado e vi um homem (mau vestido pelas roupas velhas, sujas e rasgadas) pedindo dinheiro para outro (também mau vestido, mas pela infeliz combinação de peças) que, aparentemente assustado, se afastava cada vez mais. O primeiro estendia a mão pedindo uma “moeda”. O segundo se afastava com a palma de uma das mãos em sinal de “pare”, enquanto a outra protegia a mulher que estava ao seu lado, inerte e indiferente à situação. Pararam (paramos) todos diante da faixa de pedestre esperando o momento de cruzar a avenida.
“Aqui é Brasil!”, veio mais enfático. O “vá emborrra” chegou mais trêmulo. Agora seguido de um desajeitado “n o s d e i x e e m p a z”. E novamente: “aqui é Brasil”. Como se dissesse “você tem que entender o que falo, tem que me dar o que eu peço”. O bate-papo de duas frases e meia estava ficando cada vez mais tenso. Até que uma moça de jaleco branco, sombra verde nas pálpebras e guarda-chuva rosa resolveu intervir. “Deixe-o em paz, vá embora. Não está vendo que está atrapalhando. Respeite primeiro para ser respeitado.” “Aqui é Brasil...”, distanciando-se. “Obrrrigado”. Sinal verde par nós. Fim? Talvez. Afinal, aqui é Avenida Paulista. Está garoando. E quem nunca disse ou pensou frases semelhantes, cobrindo-se com sua própria roupa, escondendo-se em seu próprio idioma.
“O estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade, o espaço que arruína a nossa morada, o tempo em que se afundam o entendimento e a simpatia.” Reflexão muito propicia feita sobre a alteridade por Julia Kristeva em seu livro ‘Estrangeiro para nós mesmos’. “Entre duas línguas, o seu elemento é o silêncio”, boa metáfora do medo que temos do estranho. E do invisível que se mexe.