Ao entrar no prédio onde moro, deparo-me com um senhor empurrando um carrinho de bebê. Só que no lugar destinado a uma criança, havia um cachorrinho. Não sei exatamente de qual “marca”.
Entendo a necessidade de algumas pessoas em dar todo o conforto aos seus bichinhos de estimação. Eu mesma faço isso. É muito gostoso ver a reação dos cachorros quando chegamos com algum petisco ou bolinha nova. E traz muita segurança saber que a medicina veterinária vem permitindo uma vida melhor aos nossos “amigos”. Mas não sei até que ponto o animal está pronto para aceitar todos esses mimos, principalmente quando são em excesso.
Pet shops, e até grifes famosas, faturam com a domesticação dos animais, ou melhor, com a dita humanização que queremos dar aos bichos. Hoje, há nas prateleiras sorvetes, chocolates, panetones e outras guloseimas na versão canina. Gatos também têm seus apetrechos. Sem contar os assessórios que enfeitam as demais espécies de animais que passaram a viver nas casas dos humanos, como furões, chinchilas e outros roedores. E nem vou mencionar o que está disponível para aves e peixes, os mais prejudicados dentre os pets.
Mas voltando aos bichinhos style. Passar perfume em cachorro faz mal. Dar migalhas do que comemos também faz mal. Achar que um cachorro é nosso filho faz mal. Passar nossos traumas para os animais não é legal.
Há uma apresentação que roda na internet que retrata bem a humanização. Ela compara alguns cachorros com seus donos. Incrível como se parecem. E mais incrível ainda é notar que no dia a dia a semelhança procede. Resolvo contrastar meus amigos com seus respectivos animais. E lá está a mesma forma de cerrar a boca quando contrariados. O mesmo aspecto largado e descuidado. A mesma ansiedade. O mesmo olhar perdido.
Até aí tudo bem, afinal cães são seres que sentem dor e sofrem. Que comemoram e que, eventualmente, imitam. Oras, são seres vivos como nós. Todavia, não são humanos. Principalmente, não são brinquedos nos quais, já adultos, depositamos nossas frustrações e “quererseroquenãosomos”.
Já tive muitos cachorros. Todos “maloqueiros”, como costumo dizer ao compará-los com os animais que passeiam graciosamente com seus donos no Parque do Ibirapuera. Às vezes, até sinto uma pontada de inveja ao ver que obedecem prontamente a todos os comandos e que não saem em disparada quando soltos. O que nunca aconteceu com minha “prole”. Mas o meu questionamento é a obsessão em querer dar ao bicho algo que não combina com ele. Como levá-lo para passear num carrinho para bebê (em tempo: o animal não tinha nenhum tipo de deficiência e podia locomover-se sem nenhum problema). O ato de enfeitar as cachorrinhas com lacinhos, peircings, brilhos, jóias, bijuterias, esmaltes e laquê merece uma receita psiquiátrica. Façam isso com vocês. Não transfiram para os cães o que gostariam de ser e ter.
No último fim de semana, vi uma reportagem que mostrava uma senhora cujo único passatempo é preparar a cachorra para os inúmeros campeonatos de beleza que existem nos Estados Unidos. Gasta alguns milhares de dólares na compra de vestidos, enfeites e tudo o que for necessário para conquistar os jurados. Sua infelicidade é que a cadela nunca ganhou nada além de um modesto segundo lugar. O marido diz que a mulher é mais feliz depois que adquiriu “essa atividade”. Talvez ele é que tenha ficado mais feliz, agora é fator secundário naquela casa. Menos atenção, mais liberdade, enfim. Xô, neurótica.
Certa vez, uma professora me questionou se não seria injusto manter cachorros em casa, confinados, muitas vezes, numa pequena parte do quintal ou da varanda. Concordo em parte com a observação. Digo em parte por conta dos animais abandonados, cujo destino conhecemos muito bem: atropelamentos, violência, eutanásia. Com certeza, muitos deles estão em melhores condições porque encontraram um lar. Alguém que realmente gosta dos animais e que não os transformam em seu alter-ego.
Infelizmente, muitas pessoas são atraídas pelas raças. Escolhem os filhotes em vitrines que, a exemplo das roupas e calçados, variam conforme a estação. Só que os filhotes crescem e, em alguns casos, perdem a graça e são dispensados. Ou acabam ficando “fora de moda”. Abandonados, não sabem viver sozinhos e sem os cuidados do homem. Também não são raros os casos dos donos que não abandonam os animais, mas que os doam a amigos, vizinhos e outros parentes porque “não se adaptaram” ao bicho. Será que foram mais benévolos?
Enquanto isso, que tal prestar atenção no olhar abaixo? Será que ele está mesmo esperando um “carrinho que o carregue?”
Pirulito, vira-lata sem adornos
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