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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

brás, bexiga e barra funda




"Então os transatlânticos trouxeram da Europa outras raças aventureiras. Entre elas uma alegre que pisou na terra paulista cantando e na terra brotou e se alastrou como aquela planta também imigrante que há duzentos anos veio fundar a riqueza brasileira."



Li “Brás, Bexiga e Barra Funda”, de Alcântara Machado, pela primeira vez para o vestibular, há muitos anos (hahaha). Lembro que na época gostei muito. Tanto que o reli na sequência. Até porque tinha que fazer algumas anotações para a prova. Tive agora meu terceiro contato com a obra, em homenagem ao aniversário de São Paulo, no último dia 25 de janeiro. Clássico do modernismo brasileiro, foi publicado em 1927 e traz vários contos que haviam sido publicados anteriormente em jornais. 

Com olhar de repórter, o autor busca retratar a vida dos imigrantes italianos na capital paulista. Seus costumes, pensamentos, manias, problemas, barulhos. Traz características, bem estereotipadas, do que, ainda hoje, é considerado o jeito de ser dos ítalo-brasileiros. Tudo por meio de linguagem que imita o cinema, com cortes, movimentos rápidos e blocada. Introduz ainda palavras que não existiam no dicionário e que eram do dia a dia das pessoas que Alcântara Machado observou para escrever suas crônicas da cidade. 

O primeiro texto é o “Artigo de Fundo”, que contextualiza os demais que virão. “Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo”. 

Na sequência, conhecemos Gaetaninho, garoto muito pobre que queria muito andar de carro, mas isso só era possível em enterros. Tanto que uma noite sonhou com a morte da tia e se viu indo na boleia durante o cortejo. No final, ele realiza sua fantasia, mas de forma não muito feliz. A narrativa tem um toque de humor negro que nos deixa a pensar em como a realidade pode ser cruel com nossos desejos. 

Outra personagem é a Lisetta, também pobre. Ela está no bonde com a mãe e vê uma menina brincando com um ursinho. Percebendo que Lisetta se interessa pelo brinquedo, a garotinha começa a se exibir, algo como: “eu tenho, você não tem”. Lisetta quer tocá-lo, mas ganha um beliscão da mãe. Mais tarde, acaba ganhando um brinquedo do tio feito de latão. Fica toda feliz. Aqui vemos as desilusões que temos desde a infância. Ao mesmo tempo, são as pequenas atitudes que importam e são nelas que temos que nos apoiar. A felicidade está mesmo é nas pequenas coisas. 

"A menina rica viu o enlevo e a inveja da Lisetta. E deu de brincar com o urso. Mexeu-lhe com o toquinho do rabo: e a cabeça do bicho virou para a esquerda, depois para a direita, olhou para cima, depois para baixo. Lisetta acompanhava a manobra. Sorrindo fascinada. E com um ardor nos olhos!"

Engraçado é “Corinthians (2) X Palestra (1)”. Primeiro porque, claro, o Corinthians ganhou. Rá!! Depois porque foi bem divertido ver como a pessoa muda de time conforme o paquerinha. Já vi isso acontecer com amigas. Miquelina namorava o atacante do Corinthians e torcia para o timão. Depois passou a namorar um jogador do Palestra (Palmeiras) e adivinhem? Verdão. Até que surge o dilema numa partida em que um deles comete um pênalti e é o outro que vai cobrar. E agora? O final é bem bobinho. Assim como ela que vive para os gostos dos namorados. 

Temos ainda a história de um homem que se destacou por gostar do hino brasileiro. Um casamento entre quatrocentões falidos e italianos bem-sucedidos. O deputado que adota um garotinho filho de italianos, dando-lhe seu nome e ‘aportuguesando’ o do garoto, de Gennarinho para Januário. Há a garota que é noiva, mas flerta com outro e usa a amiga para suas escapadas. 

— E o Ângelo, Bianca? 
— O Ângelo? O Ângelo é outra cousa. E pra casar. 
— Há!... 

Chocou-me “O monstro de rodas”. Talvez por ser um dos mais reais, infelizmente. Sobretudo quando vemos crianças sendo mortas em guerras mundo afora e até mesmo pela violência em nosso país. A crônica mostra a indiferença das pessoas durante o enterro de uma garotinha. Falam de tudo, menos dos motivos que as levaram até lá. Apenas uma pessoa sofre: a mãe. Chega a doer. Triste, triste. 


"O grilo fez continência. Automóveis disparavam para o corso com mulheres de pernas cruzadas mostrando tudo. Chapéus cumprimentavam dos ônibus, dos bondes. Sinais-da-santa-cruz. Gente parada. Na Praça Buenos Aires, Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais."

Outro que traz violência é “Amor e sangue”. Após ouvir a notícia de que um rapaz havia matado a companheira por ciúme, Nicolino, influenciado pela forma com que algumas pessoas receberam a notícia (a culpa é da mulher), comete crime parecido. E tudo fica por isso mesmo. Esses dois e o do Gaetaninho me lembraram os mini contos de Voltaire de Souza, que eu lia quando criança no "Notícias Populares", jornal que meu pai levava para casa todos os dias. Seus textos ainda continuam sendo publicados, mas em outro periódico.

Negócios desleais também aparecem. Como no caso do dono armazém que planeja desbancar o português da confeitaria, que já não está a beira da falência. 

O livro fecha com “Nacionalidade”. Italiano faz de tudo para manter viva e presente sua Itália. Seu desgosto era ver que seus filhos só queriam falar português. Para compensar, sempre reunia amigos que relembravam seu país. Até que se depara com o amigo que entrou para a política e que lhe pede voto. Justo ele que não podia votar. Mas a conversa o atraiu tanto que acabou o ajudando na campanha. O tempo passou, seus filhos se formaram e é justamente um deles, que se tornou advogado, que entrou com o pedido de mudança de nacionalidade. Novos tempos. Novos brasileiros. Leiam e confiram se realmente tivemos muitas mudanças de lá para cá em nossa sociedade ;-)

"— Caramba, come dicono gli spagnuoli!"

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

provence



“Toda mulher precisa de pelo menos um verão na vida em que possa se perder.”


Provence, o lugar onde se curam corações partidos”, de Bridget Asher, pseudônimo da norte-americana Julianna Baggott, é o que chamo de leitura fofa. Apesar de partir de uma situação triste, traz momentos de bom humor e o cenário perfeito para fugirmos da realidade e descansarmos a cabeça. 

Heidi perdeu o marido em um acidente de trânsito há dois anos e ainda não se recuperou da tragédia. Ela mora com o filho de oito anos e, com exceção dos cuidados com o garoto, deixou de fazer tudo o que gostava, incluindo o trabalho em sua confeitaria. 

No dia do casamento da irmã, a dor é ainda mais forte por lhe fazer lembrar dos momentos que deixou de viver com Henry. Vendo seu estado desesperador, sua mãe planeja uma viagem à região da Provence, na França. A desculpa é que ela ajude a reformar a casa da família na qual costumava passar as férias de verão quando criança. Acontece que a própria mãe também tem suas frustrações e alguns segredos. Nada demais. Mas o gostoso é o cenário, as situações corriqueiras que a personagem principal vivencia durante a viagem. Para começar, a casa fica aos pés do monte Sainte-Victoire, o mesmo tantas vezes retrato pelo impressionista Paul Cézanne. Quanto privilégio! 

Claro que haverá um novo romance. Claro que tudo é previsível. Há personagens secundários totalmente sem graça. Ainda assim foi uma boa leitura, que me deixou com uma vontade louca de fazer o mesmo roteiro. 

Boa viagem ;-) 

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Uma das pinturas de Cézanne inspiradas no monte Sainte-Victoire

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

a notícia relevante


“Uma relação saudável com a imprensa é obrigação institucional. É lícito e democrático que se tenha informações verossímeis sobre empresas, setores ou pessoas públicas.”

A notícia relevante” traz a experiência de Ibiapaba Netto, que já foi repórter, assessor de imprensa e que, agora, é executivo de importante organização agrícola, ou seja, atua como fonte e porta-voz. 


Em sua jornada profissional ele presencia o grande descompasso entre os jornalistas e as assessorias de imprensa. De uma lado, o pessoal da redação sempre recebendo informações com desconfiança. Do outro, assessores tratando jornalistas com receio e pouca transparência. Embora o livro seja dedicado sobretudo às empresas que desejam reforçar sua comunicação e se sobressair num mar cheio de sugestões de pautas, vale também para assessorias de imprensas, que vão ver situações que incomodam os clientes, e jornalistas, que vão entender um pouco as necessidades das organizações. Leitura rápida e recomendada. 

Abaixo, um pouco de suas recomendações:

Fonte

Você não ser citado em uma matéria, não reduz seu papel de fonte. Você pode ser essencial nos bastidores esclarecendo, por exemplo, sobre a área de atuação de sua empresa. O jornalista sempre vai precisar de uma fonte para dar a notícia. E essa fonte nem sempre será um porta-voz, mas alguém que vai dar acesso a informações e dados estratégicos.

Mesmo que o jornalista seja seu amigo de infância, padrinho ou o que for, ele continua sendo jornalista e você a fonte. Isso quer dizer que se tiver algo que seja alvo de reportagem, não será poupado de uma análise mais crítica.

Cuidado com o famoso “em off”. Isso não existe. Se não quiser que algo seja divulgado, não conte a um jornalista.

Não se esconda

Atender ou não a imprensa? Sempre atenda. A não ser que seja algo muito, mas muito específico que exija sigilo. Nunca deixe de contar sua versão dos fatos. Até porque se a notícia for relevante, não deixará de ser dada porque você se omitiu. “O fato de não atender a um veículo de imprensa jamais eliminará o risco de a matéria sair.”

A imprensa trabalha dialeticamente: um acusa, outro defende. Para algo ser notícia é essencial que haja um conflito. Então, para que fugir?

Confiança é o pilar mais importante nessa relação. Jamais minta. “Mentir para um jornalista significa ser desmentido em algum momento, cedo ou tarde. Num mundo repleto de possibilidades de informações e de acesso a dados, nenhuma mentira se sustenta por muito tempo.”

Assessoria de imprensa serve para defender uma posição e evitar que um contraponto sobressaia. Marketing é para conquistar corações e mentes. Juntar os dois é o melhor negócio para se comunicar com a sociedade. “De nada adianta uma bela propaganda se há somente notícias negativas. Por outro lado, apenas o alcance das notícias é pouco para quem deseja ou necessita dar mais amplitude às suas mensagens.” Assim, se a verdade tal e qual não é suficiente para dar o alcance que almeja, coloque uma pitadinha de marketing e mande bala! 

Sempre tenha à mão um material explicativo com tabela, gráficos e todo o tipo de dado que possa precisar durante uma entrevista. Isso, além de lhe guiar durante a entrevista, ajuda a evitar erros. “Não há reportagem 100% correta para 100% do público, até porque, normalmente, para cada reportagem são consultadas diferentes fontes de informações que trazem pontos de vista diferentes.”

Atente-se a entregar suas principais mensagens. Não fique chateado se um ou outro dado saiu errado. Isso pode acontecer e não é recomendável que se peça uma errata. Até porque ninguém lê as erratas. Só entre em contato com a redação se realmente for algo que prejudica o entendimento geral do assunto abordado. Muita encheção de saco pode criar conflito na relação. E não queremos isso, certo?

Sempre aposte em mensagens simples, breves e diretas. Nada de bla bla bla. A chance de ótimos resultados é infinitamente maior.

Encontre seu espaço

Nem só de grande mídia vivem as notícias. As chamadas “novas mídias”, que não necessariamente são subordinadas aos grupos tradicionais (Globo, SBT, Folha de São Paulo etc.), ocupam cada vez mais relevância para diferentes públicos. São inúmeros os portais na internet que permitem conteúdo mais opinativo e próximo da mensagem que se deseja passar. O mesmo vale para os veículos regionais, que têm muita influência local. Eles cobrem fatos que, embora não tenham relevância suficiente para uma audiência nacional, interessam muito regionalmente. Aposte neles.



A relevância jornalística vai depender de várias fatores, como o tamanho do negócio, número de pessoas envolvidas, importância econômica e social do setor. E para todo negócio sempre vai haver um veículo especializado. Aliás, isso é o que não falta: segmentação. Principalmente com a internet. Ou seja, todos podem ser relevantes. Basta escolher o veículo adequado para contar sua história. “A necessidade de comunicação vai muito além da existência ou não de um produto ou marca na prateleira de um supermercado. Há que se comunicar com a sociedade, com os fornecedores, os clientes etc.”

Encontre uma boa história e um bom foco. Hoje, a oferta de notícias é muito maior que a demanda. O autor dá o exemplo de um empresário que conseguiu divulgação para sua empresa a partir da publicação de um livro que falava de uma premissa pessoal, que por sinal o havia levado a pensar seus negócios. Feita a ligação e tendo um bom conteúdo, o resultado foi um sucesso. 

Faça uma boa foto. Ela pode até valer mais que uma boa história. “Uma imagem inusitada que traduza (ou exponha) o conceito daquilo que é tratado pode render um topo de página de jornal, ou mesmo uma dupla em uma revista.”

Assessoria de imprensa

Fique atento se sua assessoria de imprensa tem clientes que concorram com você. Isso pode impedir que haja um planejamento para eventuais crises e fazer com que eles fiquem apenas no ‘apagar incêndios’. Outra crítica que o autor faz em relação às assessorias de imprensa é que geralmente colocam profissionais novatos para atender as contas. “Comprar um jornalista sênior e levar um recém-formado beira o estelionato.”

Não restrinja o trabalho de comunicação ao roteiro padrão de muitas agências: ter mailing list, enviar para todos um press release e, depois, fazer o follow up. “Manter esse procedimento como algo padrão é algo extremamente preguiçoso, automático e que simplesmente destrói qualquer agregação de valor de uma notícia.” Agora, uma crítica minha: agregação de valor? Eita, termo que me irrita e que, com o trocadilho, não agrega nenhum valor.

Cuidado com os releases. Eles são praga nas grandes redações. Algumas colunas recebem mais de dois mil por dia. Os jornalistas acabam dando prioridade para fontes conhecidas ou assuntos em evidência. Releases podem ajudar os pequenos veículos, sobretudo digitais. Alguns chegam a reproduzi-los na íntegra. Mas será que é isso que você precisa? Neste caso, o ideal é usar o bom e velho telefone quando REALMENTE tiver algo interessante a dizer.

Veja uma eventual crise como oportunidade. Algumas assessorias de imprensas tendem a ter um excesso de zelo para falar com jornalistas. Eles não são bichos de sete de cabeças. E isso pode fazer com que se perca a oportunidade de falar e ganhar um espaço bacana. “Notícia negativa não é crise, é coisa da vida e deve ser enfrentada como tal.”

Sete pecados capitais no relacionamento com a imprensa

  1. Oferecer uma falsa notícia exclusiva
  2. Fura coletivas: dar a notícia antes da reunião com os jornalistas
  3. Não dar retorno: dar uma falsa expectativa de retorno da fonte de informação ao jornalista
  4. Tentar comprar uma matéria
  5. Pedir para ler a matéria antes de ser publicada (quem nunca passou por isso. Rá!)
  6. Sufocar o jornalista com releases
  7. Vender pauta via redes sociais: mesmo que seja amigo do jornalista, não mande suas notas por Facebook ou WhatsApp, por exemplo.
No mais, o que realmente prevalece é a máxima já dita pelo magnata da imprensa norte-americana William Randolph Hearst: “Notícia é o que alguém, em algum lugar, não quer que se publique; todo o resto é propaganda.”

Cena de Cidadão Kane, filme de 1941, que teve certa inspiração na vida de Randolph Hearst.