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sábado, 1 de setembro de 2018

o campo científico

Universidade de Cambridge, uma das mais prestigiadas do mundo


"A definição do que está em jogo na luta científica faz parte do jogo da luta científica: os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição da ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem."

Neste artigo, escrito em 1983, o sociólogo francês Pierre Bourdieu critica duramente a forma com que a ciência é conduzida. Sobretudo, como os pesquisadores escolhem e realizam seus estudos, muitas vezes levados somente pela relevância que terão dentro do meio no qual estão inseridos, e não considerando a importância do projeto para o avanço da ciência e dos benefícios que serão proporcionados à sociedade, por exemplo. O autor fala que o campo científico é, antes de mais nada, um campo de lutas. Luta-se pelo monopólio da ‘autoridade científica’, que é a junção da capacidade técnica (saber fazer) com o poder social (prestígio acumulado).

As forças no campo da ciência são desiguais. Há de um lado os dominantes, que ocupam os lugares mais altos na hierarquia, e os dominados, que são os que estão entrando agora, os novatos. Os primeiros tendem a ser mais conservadores, garantindo que suas ideias sejam perpetuadas. Já os novatos podem até entrar com fôlego e disposição para inovar, mas logo suas forças serão reduzidas à medida que se deparam com as regras do jogo. 

O cientista tem a pesquisa que considera importante. Mas essa não será a única motivação. Seu trabalho deve também ser interessante para os outros e se adequar ao que já está em desenvolvimento. Fazendo uma associação ao que temos hoje nos cursos de Comunicação das universidades brasileiras, o projeto deve estar dentro de uma linha de pesquisa preestabelecida. Mais que isso, muitas vezes dentro da linha de estudo do próprio orientador. Assim, na luta entre o fechar-se, que é reproduzir a ideia do orientador e da instituição da qual faz parte, e o abrir-se, que é apresentar outras propostas ou outros autores, ganha o primeiro. O resultado são pesquisas focadas sempre nos mesmos temas e com as mesmas conclusões.

No campo científico os clientes dos produtos entregues são, na grande maioria das vezes, os próprios concorrentes, que são os outros pesquisadores. Por conhecerem o assunto tratado, são os mais propensos a consumirem os produtos e, consequentemente, a avaliá-los. E aqui vale outra ressalva importante: os julgamentos sobre o trabalho serão sempre influenciados pela posição que o pesquisador ocupa nas hierarquias institucionais. Conta o seu cargo e também a universidade da qual faz parte. Podemos, dessa forma, ter estudos relevantes, mas que serão desconsiderados por não pertencerem ao que se considera à elite acadêmica.

Bourdieu questiona o que realmente deve ser feito para que se prevaleça a verdade na ciência, sem jogos de interesse ou ideias que satisfaçam apenas os grupos mais privilegiados. Pessimista, ele mesmo responde que essa aspiração só é possível na ficção, lugar que permite que uma forma neutralizada e eufêmica, que representa apenas a classe social dominante, seja considerada ciência.