Sabe quando você tem vontade de mudar o desfecho de um livro ou filme? Pois é. Este foi meu desejo ao me deparar com o livro infantil “Maria-vai-com-as-outras”, de Sylvia Orthof. Maria é uma ovelha que segue exatamente o que as outras fazem. Se todas estão indo para o polo norte, ela vai. Se vão para o deserto, lá está Maria, mesmo passando muito calor. Se todas sobem, ela sobe. Se descem, ela desce. Até que resolvem comer jiló. Maria não gosta, mas mesmo contrariada come. Afinal, tem que fazer o que as outras fazem. Na sequência, as ovelhinhas decidem pular do Corcovado. Vão pulando e quebrando a perna. Maria hesita. É quando começa a ter opinião. Deixa as amigas se arrebentarem enquanto come uma feijoada. Então, sem autorização, inverti a passagem final. E é assim que termina minha versão da história, que conto por aí:
As ovelhinhas entram num restaurante e pedem uma feijoada. Maria detesta. Mas mesmo assim, para não ser a única a dizer não, come. Mas fica a pensar: “puxa, por que tenho que comer o que não gosto?” Após o almoço, todas decidem pular do Corcovado. Vão pulando, uma a uma. E “mééééé”, vão quebrando o pé. Todas. Maria hesita. “Isso eu não faço não.” Vai embora decidida, feliz e inteira. E tem uma ideia: entra num restaurante e pede o que sempre quis: uma bela salada de jiló. Delicia-se com a refeição enquanto as “marias-vão-com-as-outras” ficam lá, com os pés quebrados, chorando de dor e ainda passando mal do estômago por causa da pesada feijoada.
Ah! Vocês têm que concordar que uma criança que prefere jiló é muito mais criativa, original e ‘de personalidade’. Ponto final ;-)
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
do que eu falo quando eu falo de corrida
Acabei de ler 'Do que eu falo quando eu falo de corrida', do badalado escritor e maratonista japonês Haruki Murakami, que conheci por meio de sua mais recente obra, '1Q84', super recomendado.
O livro traz as memórias de Murakami sobre seus próprios esforços para vencer as metas que estabelece para suas corridas. Logo de cara ele avisa que nunca incentivou as pessoas a correrem. Se alguém tiver interesse que o faça por sua própria vontade. Afinal, ser maratonista não é para qualquer um.
Apesar de que não querer dar conselhos, é difícil não se inspirar no estilo do escritor. Tanto na função de romancista como na de corredor, percebemos que sua marca está na obstinação. Ele segue exatamente o ritual que estabelece. Sem preguiça, corre quando tem que correr e escreve quando deve. E não quando quer. Aliás, fica a dica: ele diz que sempre pensa duas vezes antes de calçar o tênis. A desculpa aparece, o importante é não dar bola para ela, ou você será eternamente seu refém.
Assim Haruki nos detalha sua rotina de treinos, como os dez quilômetros diários, seis vezes por semana, na preparação para a maratona de Nova York. Aproveita os intervalos para contar como se tornou escritor, meio que por acaso enquanto assistia a uma partida de beisebol. Saiu do estádio, comprou cadernos, canetas e pôs-se a escrever. Inscreveu o manuscrito de 'Ouça o vento cantar' num prêmio literário e continuou com suas tarefas. Na época, tinha um bar de jazz em Tóquio. Ao vencer o tal concurso, passou a dedicar-se exclusivamente ao novo ofício.
Ficar a maior parte do tempo sentado lhe deu quilos extras e barriga. Sem contar as centenas de cigarro que fumava. "Isso não pode estar me fazendo nada bem", pois para ser bom escritor ele precisava estar com o corpo e a mente saudáveis. Como nunca curtiu esportes de equipe ou aqueles que pedem vários utensílios, como o tênis, a corrida foi consequência. Principalmente para quem sempre apreciou ficar um tempo sozinho: ouvindo suas músicas preferidas, pensando em tudo e em nada - aliás, a melhor parte da corrida. Feito o trajeto inaugural, não parou mais.
"Correr tem muitas vantagens. Em primeiro lugar, você não precisa de ninguém mais para fazer isso, e não precisa de nenhum equipamento especial. Não precisa ir a nenhum lugar especial para fazê-lo. Contanto que disponha de um par de tênis de corrida e uma boa pista ou rua, pode continuar correndo enquanto sentir vontade."
Desde a primeira corrida de rua que participou, de cinco quilômetros, seu objetivo é o mesmo: nunca andar. O que não foi possível evitar uma única vez por causa das fortes cãibras. Nós estendemos, ele não. Seu rigor não permite falhas. Estreou nas maratonas fazendo o percurso inverso que deu origem à prova: Atenas até Maratona, cidade que fica a pouco menos de 42 quilômetros da capital grega. Participa de pelo menos uma por ano. Em 2005, quando começou a escrever o livro, registrava 24. Seu currículo inclui ainda uma ultramaratona no Japão: 100 quilômetros numa tacada só.
O que vale nas corridas de longa distância não é chegar em primeiro lugar. Quem corre entende perfeitamente quando ele diz que ao cruzar a linha de chegada a sensação é de dever cumprido. "Um sentimento pessoal de felicidade e alívio." Por ter aceitado e superado o desafio. Sem andar, é claro.
Trechos
"Quando comecei a correr, eu era incapaz de fazer longas distâncias. Tudo que eu conseguia era correr por cerca de vinte ou trinta minutos... Mas conforme continuei a correr, meu corpo passou a aceitar o fato de eu estava correndo, e pude gradualmente aumentar a distância."
"Meu tempo vai ser uma porcaria, de qualquer jeito, pensei, então por que não jogar logo a toalha de uma vez? Mas abandonar a corrida era a última coisa que eu queria fazer. Eu podia me aviltar a ponto de rastejar, mas cruzaria a linha de chegada com meu próprio esforço."
"Os corredores mais comuns são motivados por um objetivo individual, mais do que qualquer outra coisa: a saber, um tempo que desejam bater. Assim que consegue bater esse tempo, um corredor vai sentir ter atingido o objetivo a que se propôs, e se não conseguir, sentirá que não o fez."
"O mesmo pode ser dito a respeito de minha profissão. Na ocupação de romancista, até onde sei, não existe isso de vencer ou perder. Talvez o número de exemplares vendidos, prêmios recebidos e elogios ds crítica sirvam como parâmetros externos para a realização literária, mas nenhum deles importa de fato. O crucial é que o que você escreve atinja os padrões que estabeleceu para si mesmo."
O livro traz as memórias de Murakami sobre seus próprios esforços para vencer as metas que estabelece para suas corridas. Logo de cara ele avisa que nunca incentivou as pessoas a correrem. Se alguém tiver interesse que o faça por sua própria vontade. Afinal, ser maratonista não é para qualquer um.
Apesar de que não querer dar conselhos, é difícil não se inspirar no estilo do escritor. Tanto na função de romancista como na de corredor, percebemos que sua marca está na obstinação. Ele segue exatamente o ritual que estabelece. Sem preguiça, corre quando tem que correr e escreve quando deve. E não quando quer. Aliás, fica a dica: ele diz que sempre pensa duas vezes antes de calçar o tênis. A desculpa aparece, o importante é não dar bola para ela, ou você será eternamente seu refém.
Assim Haruki nos detalha sua rotina de treinos, como os dez quilômetros diários, seis vezes por semana, na preparação para a maratona de Nova York. Aproveita os intervalos para contar como se tornou escritor, meio que por acaso enquanto assistia a uma partida de beisebol. Saiu do estádio, comprou cadernos, canetas e pôs-se a escrever. Inscreveu o manuscrito de 'Ouça o vento cantar' num prêmio literário e continuou com suas tarefas. Na época, tinha um bar de jazz em Tóquio. Ao vencer o tal concurso, passou a dedicar-se exclusivamente ao novo ofício.
Ficar a maior parte do tempo sentado lhe deu quilos extras e barriga. Sem contar as centenas de cigarro que fumava. "Isso não pode estar me fazendo nada bem", pois para ser bom escritor ele precisava estar com o corpo e a mente saudáveis. Como nunca curtiu esportes de equipe ou aqueles que pedem vários utensílios, como o tênis, a corrida foi consequência. Principalmente para quem sempre apreciou ficar um tempo sozinho: ouvindo suas músicas preferidas, pensando em tudo e em nada - aliás, a melhor parte da corrida. Feito o trajeto inaugural, não parou mais.
"Correr tem muitas vantagens. Em primeiro lugar, você não precisa de ninguém mais para fazer isso, e não precisa de nenhum equipamento especial. Não precisa ir a nenhum lugar especial para fazê-lo. Contanto que disponha de um par de tênis de corrida e uma boa pista ou rua, pode continuar correndo enquanto sentir vontade."
Desde a primeira corrida de rua que participou, de cinco quilômetros, seu objetivo é o mesmo: nunca andar. O que não foi possível evitar uma única vez por causa das fortes cãibras. Nós estendemos, ele não. Seu rigor não permite falhas. Estreou nas maratonas fazendo o percurso inverso que deu origem à prova: Atenas até Maratona, cidade que fica a pouco menos de 42 quilômetros da capital grega. Participa de pelo menos uma por ano. Em 2005, quando começou a escrever o livro, registrava 24. Seu currículo inclui ainda uma ultramaratona no Japão: 100 quilômetros numa tacada só.
O que vale nas corridas de longa distância não é chegar em primeiro lugar. Quem corre entende perfeitamente quando ele diz que ao cruzar a linha de chegada a sensação é de dever cumprido. "Um sentimento pessoal de felicidade e alívio." Por ter aceitado e superado o desafio. Sem andar, é claro.
Trechos
"Quando comecei a correr, eu era incapaz de fazer longas distâncias. Tudo que eu conseguia era correr por cerca de vinte ou trinta minutos... Mas conforme continuei a correr, meu corpo passou a aceitar o fato de eu estava correndo, e pude gradualmente aumentar a distância."
"Meu tempo vai ser uma porcaria, de qualquer jeito, pensei, então por que não jogar logo a toalha de uma vez? Mas abandonar a corrida era a última coisa que eu queria fazer. Eu podia me aviltar a ponto de rastejar, mas cruzaria a linha de chegada com meu próprio esforço."
"Os corredores mais comuns são motivados por um objetivo individual, mais do que qualquer outra coisa: a saber, um tempo que desejam bater. Assim que consegue bater esse tempo, um corredor vai sentir ter atingido o objetivo a que se propôs, e se não conseguir, sentirá que não o fez."
"O mesmo pode ser dito a respeito de minha profissão. Na ocupação de romancista, até onde sei, não existe isso de vencer ou perder. Talvez o número de exemplares vendidos, prêmios recebidos e elogios ds crítica sirvam como parâmetros externos para a realização literária, mas nenhum deles importa de fato. O crucial é que o que você escreve atinja os padrões que estabeleceu para si mesmo."
Minha primeira 'grande corrida': 15 km da São Silvestre |
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
da pequena topeira que queria saber quem tinha feito cocô na cabeça dela
Estou gostando de pesquisar livros infantis. Principalmente quando encontro histórias como a 'Da pequena topeira que queria saber quem tinha feito cocô na cabeça dela'.
Imagine a situação: você acorda feliz. Dá aquela espreguiçada gostosa e, de repente, um cocô enorme cai bem em cima da sua cabeça. "Redondo, marrom, um pouco parecido com uma salsicha". Pois é isso que acontece com a toupeira neste hilariante livro dos alemães Werner Holzwarth e Wolf Erlbruch.
"Mas onde é que estamos? - gritou a pequena topeira. Quem fez cocô na minha cabeça?"
Furiosa, ela começa a interrogar todos os animais que encontra pela frente. "Você fez cocô na minha cabeça?" Pomba, cavalo, vaca, lebre, porco, cabra. Todos são intimados a depor. Como prova de que são inocentes, vão fazendo (e mostrando) seus respectivos cocôs. "Eu? Imagine! O meu é assim! - respondeu o porco. (E - shlump - caiu na relva um montinho mole e marrom. A pequena toupeira tapou o nariz."
As ilustrações são uma verdadeira aula sobre excrementos. Depois da leitura vai ficar fácil identificar diversos tipos de cocôs, muito bem ilustrados no livro. Atenção especial para as reações e caretas da toupeira, ora enojada, ora perplexa pelo volume. E até admirada em alguns casos: "esses até que são legais." Tenho certeza que as crianças vão gostar.
Imagine a situação: você acorda feliz. Dá aquela espreguiçada gostosa e, de repente, um cocô enorme cai bem em cima da sua cabeça. "Redondo, marrom, um pouco parecido com uma salsicha". Pois é isso que acontece com a toupeira neste hilariante livro dos alemães Werner Holzwarth e Wolf Erlbruch.
"Mas onde é que estamos? - gritou a pequena topeira. Quem fez cocô na minha cabeça?"
Furiosa, ela começa a interrogar todos os animais que encontra pela frente. "Você fez cocô na minha cabeça?" Pomba, cavalo, vaca, lebre, porco, cabra. Todos são intimados a depor. Como prova de que são inocentes, vão fazendo (e mostrando) seus respectivos cocôs. "Eu? Imagine! O meu é assim! - respondeu o porco. (E - shlump - caiu na relva um montinho mole e marrom. A pequena toupeira tapou o nariz."
As ilustrações são uma verdadeira aula sobre excrementos. Depois da leitura vai ficar fácil identificar diversos tipos de cocôs, muito bem ilustrados no livro. Atenção especial para as reações e caretas da toupeira, ora enojada, ora perplexa pelo volume. E até admirada em alguns casos: "esses até que são legais." Tenho certeza que as crianças vão gostar.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2013
sonho #1
Tornou-se comum eu sonhar que estou na minha antiga faculdade. Em todos os sonhos eu retorno para concluir a única disciplina que me falta: desenho. É desesperador. Sempre há um trabalho a entregar. Ou, pior, já é o fim do semestre e eu não frequentei nenhuma aula. E lá vou eu, desesperada, para retomar os estudos. Como cenário, o mesmo ambiente que outrora estive. Mas tenho alguma dificuldade para terminar a aula ou mesmo para chegar até o campus. São aquelas sagas oníricas na qual você sai sem sapatos de casa e tem que retornar. Ou esquece alguma peça de roupa. Ou tem alguém que lhe impede de sair. Ou não tem o material necessário. Enfim, isso me atormenta muito. O que será que estou a deixar para trás e que tenho (talvez) extrema dificuldade para recuperar?
domingo, 3 de fevereiro de 2013
o velho e o mar
'O Velho e o Mar' fala de Santiago, velho e experiente pescador que há 84 dias está sem fisgar um peixe. Mora sozinho numa cabana e vive de sonhos antigos da África e seus leões, notícias de beisebol, jantar que só existe em sua imaginação e da esperança de voltar a se dar bem no mar.
Sua maré de azar faz com que seu único companheiro de pescaria, o jovem aprendiz Manolin, seja impedido de acompanhá-lo. Seus pais querem que ele ajude pescadores mais sortudos. Mas isso não faz com que o garoto deixe de cuidar de Santiago, por quem tem sincera admiração.
No 85º dia, o velho encara mais uma vez as águas. Como companhia tem as andorinhas, os peixes voadores e sua própria voz. Conversa com um e outro. Pede conselhos e segue as pistas dos pássaros. Até que consegue fisgar o maior peixe de toda a sua vida. Mas o animal é resistente. Resta saber se vencerá a vontade de triunfar do pescador. Enquanto isso, viajamos com o protagonista, seus temores, dores e devaneios.
Os pescadores ganham dinheiro com peixes presos aos seus anzóis ou redes. Pode ser que muitos sejam indiferentes à dor e ao desejo de viver do animal. Todavia não é assim para Santiago. Sentimos o pesar com que mata os peixes. Para ele, seres valiosos, não pelo que vão lhe render, mas pela beleza, elegância e conduta. Tanto que o trecho mais bonito narra o dia em que ele pescou um casal de espadartes, "foi a coisa mais triste que vi desde que passei a pescá-los." O macho sempre deixa a fêmea se alimentar antes. Por isso, ela foi a primeira a morder a isca e a ser arremessada para dentro do barco. No mar, o macho ficou desesperado. Rodava a embarcação e saltava no ar a procura de sua parceira. Até que entendeu a armadilha. "E voltou a mergulhar nas profundezas, com as asas brancas, as barbatanas peitorais, completamente abertas. E ficou imóvel nessa posição. Era lindo, lembrava-se o velho pescador. E assim permanecera durante muito tempo, de barbatanas abertas, numa posição majestosa e sofrida."
Santiago diz que o homem não é digno da carne de peixe. "Só consegui ser melhor do que ele por uma traição e ele não me desejava nenhum mal." O que é verdade. O egoísmo quase sempre vem disfarçado de uma (suposta) necessidade maior. No caso dele, a luta pela sobrevivência.
Os animais fazem parte da biografia de Ernest Hemingway, que gostava de narrar caçadas, touradas e pescarias. "O velho e o mar" foi o último livro publicado enquanto ainda estava vivo, e contribuiu para que ganhasse o Nobel de Literatura em 1954. Tem como cenário Cuba e o Mar do Caribe, herança dos 22 anos em que o autor esteve por lá. Sinceramente, ao contrário de outras pessoas que leram e aprovaram o livro, ele não me trouxe reflexões profundas sobre o otimismo e a vida. Nem sei se esse é o seu objetivo. Em 2000, a adaptação do romance pelo russo Aleksandr Petrov ganhou o Oscar de melhor curta de animação.
"Por que será que os velhos acordam tão cedo? Será para terem um dia mais comprido?"
"O homem não vale lá muito comparado aos grandes pássaros e animais. Eu por mim gostaria muito mais de ser aquele peixe lá embaixo na escuridão do mar."
"Não compreendo estas coisas", pensou ele. "Mas é bom que não tenhamos de tentar matar a lua, o sol ou as estrelas. Já é ruim o bastante viver no mar e ter de matar os nossos verdadeiros irmãos."
Sua maré de azar faz com que seu único companheiro de pescaria, o jovem aprendiz Manolin, seja impedido de acompanhá-lo. Seus pais querem que ele ajude pescadores mais sortudos. Mas isso não faz com que o garoto deixe de cuidar de Santiago, por quem tem sincera admiração.
No 85º dia, o velho encara mais uma vez as águas. Como companhia tem as andorinhas, os peixes voadores e sua própria voz. Conversa com um e outro. Pede conselhos e segue as pistas dos pássaros. Até que consegue fisgar o maior peixe de toda a sua vida. Mas o animal é resistente. Resta saber se vencerá a vontade de triunfar do pescador. Enquanto isso, viajamos com o protagonista, seus temores, dores e devaneios.
Os pescadores ganham dinheiro com peixes presos aos seus anzóis ou redes. Pode ser que muitos sejam indiferentes à dor e ao desejo de viver do animal. Todavia não é assim para Santiago. Sentimos o pesar com que mata os peixes. Para ele, seres valiosos, não pelo que vão lhe render, mas pela beleza, elegância e conduta. Tanto que o trecho mais bonito narra o dia em que ele pescou um casal de espadartes, "foi a coisa mais triste que vi desde que passei a pescá-los." O macho sempre deixa a fêmea se alimentar antes. Por isso, ela foi a primeira a morder a isca e a ser arremessada para dentro do barco. No mar, o macho ficou desesperado. Rodava a embarcação e saltava no ar a procura de sua parceira. Até que entendeu a armadilha. "E voltou a mergulhar nas profundezas, com as asas brancas, as barbatanas peitorais, completamente abertas. E ficou imóvel nessa posição. Era lindo, lembrava-se o velho pescador. E assim permanecera durante muito tempo, de barbatanas abertas, numa posição majestosa e sofrida."
Santiago diz que o homem não é digno da carne de peixe. "Só consegui ser melhor do que ele por uma traição e ele não me desejava nenhum mal." O que é verdade. O egoísmo quase sempre vem disfarçado de uma (suposta) necessidade maior. No caso dele, a luta pela sobrevivência.
Os animais fazem parte da biografia de Ernest Hemingway, que gostava de narrar caçadas, touradas e pescarias. "O velho e o mar" foi o último livro publicado enquanto ainda estava vivo, e contribuiu para que ganhasse o Nobel de Literatura em 1954. Tem como cenário Cuba e o Mar do Caribe, herança dos 22 anos em que o autor esteve por lá. Sinceramente, ao contrário de outras pessoas que leram e aprovaram o livro, ele não me trouxe reflexões profundas sobre o otimismo e a vida. Nem sei se esse é o seu objetivo. Em 2000, a adaptação do romance pelo russo Aleksandr Petrov ganhou o Oscar de melhor curta de animação.
"Por que será que os velhos acordam tão cedo? Será para terem um dia mais comprido?"
"O homem não vale lá muito comparado aos grandes pássaros e animais. Eu por mim gostaria muito mais de ser aquele peixe lá embaixo na escuridão do mar."
"Não compreendo estas coisas", pensou ele. "Mas é bom que não tenhamos de tentar matar a lua, o sol ou as estrelas. Já é ruim o bastante viver no mar e ter de matar os nossos verdadeiros irmãos."
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