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sábado, 25 de setembro de 2021

sobre os ossos dos mortos


"Tudo em que se pode crer é uma imagem da verdade."


"Sobre os ossos dos mortos", da escritora polonesa Olga Tokarczuk, reforça todos os estereótipos em torno dos protetores dos animais. Estigmas que impedem o avanço da causa e, consequentemente, o fim dos maus-tratos. Estamos falando da ideia de que os que defendem os bichos são descontrolados, loucos (sim, podemos ser diante dos absurdos com que nos deparamos) e sem propósitos (isso jamais!). E que deveriam se dedicar a milhares de outras causas humanas em vez de prejudicar quem depende, por exemplo, do abate (argumento bem comum dos que não se preocupam com causa alguma). Bem, sei que fui ao extremo, pois nem todos pensam assim dos que lutam pelos direitos dos bichos. Mas fiquei incomodada com a forma com que a protagonista, Janina Dusheiko, foi retratada, especialmente no desfecho.

Estamos no inverno congelante em um vilarejo polonês. Lá, durante este período do ano, as pessoas fecham as casas e partem para outras localidades com temperaturas mais elevadas. Com exceção da Sra. Dusheiko, como é conhecida, e alguns outros poucos moradores. Engenheira aposentada, responsável pela construção de grandes pontes, e atual professora de inglês, ela tem como paixão a astrologia e como grande causa a defesa dos animais, que são caçados deliberadamente e ilegalmente naquela região. Também se debruça na obra de William Blake com um antigo aluno que estuda o poeta. Como renda, além das aulas, tem o dinheiro que recebe por cuidar das propriedades que ficam vazias nos dias mais congelantes. Ainda que frio piore suas dores, espalhadas por todo o corpo, ela não pode deixar seu posto, pois tem a missão de zelar, mais que pelas casas, pelos animais.

A narrativa começa com seu vizinho, Esquisito (ela não nomeia ninguém, todos são apelidados de acordo com suas características físicas, aliás, ela odeia seu próprio nome: Janina), batendo fortemente em sua porta no meio da madrugada. Ele havia encontrado outro morador da região, o Pé Grande, morto. Aparentemente, a causa da morte foi o engasgo com ossos do animal que acabara de comer. A sra. Dusheiko, porém, tem outra teoria: vingança das corças. O olhar intimidador que uma delas lança quando os dois se aproximam da casa da vítima é o primeiro indício de que há algo acontecendo. A partir daí, outras mortes vão corroborar para a teoria da nossa protetora, principalmente porque todos que foram assassinados tiveram envolvimento com os maus-tratos dos bichos. Ela vai à polícia e é ignorada, tenta desvendar os enigmas sozinha e sempre é tida como desvairada. Alguns chegam a ter pena da forma com que vive. Um fato importante é que ela perdeu seus dois cachorros logo no começo da história, suas amadas crianças. Isso é bem triste, principalmente quando ela encontra uma foto na casa de Pé Grande em que ele está com outras pessoas exibindo alguns animais que foram caçados. A partir daí só posso dizer que estou com a Dusheiko, mesmo que para o mundo trata-se de uma causa perdida. Mas entendo que Olga Tokarczuk, talvez a Senhora Cinzenta do romance (sim, a autora dá seu ar de graça ao ir morar nos confins da Polônia ao lado da protagonista), poderia ter dado mais chances ao fantástico, ao inusitado, não caindo no que todos esperam que seja a atitude dos que lutam sozinhos para mudar o que os incomoda. A adaptação para o cinema, Pokot, é ainda mais triste neste sentido. Enquanto isso, lutemos para que o especismo deixe de existir e para que os direitos dos animais sejam devidamente respeitados. Caso contrário, sigo torcendo pela vingança que, no fim, não aconteceu como eu esperava. Em determinado momento, um dos personagens canta Riders on the storm, do The Doors. Janina diz que é a trilha perfeita para aquela noite de tempestades. Eu digo que é a música que melhor define o cenário do romance: escuro, frio, assustador.


Riders on the storm

Riders on the storm

Into this house, we're born

Into this world, we're thrown

Like a dog without a bone

An actor out on loan

Riders on the storm



"É preciso manter os olhos e ouvidos abertos, associar os fatos, enxergar a semelhança lá onde outros veem uma completa discrepância, lembrar que certos acontecimentos ocorrem em vários níveis ou, em outras palavras: muitos incidentes são aspectos do mesmo acontecimento. E que o mundo é uma grande rede, é um todo único, e não existe nada que esteja isolado."

sábado, 4 de setembro de 2021

o segredo da felicidade


"Às vezes a visão de mundo simplista de uma criança era definitivamente melhor que a maneira como os adultos tratavam as coisas, complicando a vida com tantas nuances e camadas, turvando as águas com dúvidas e mágoas do passado."

Livro gostoso com mensagem bonita no final. Bom para ler durante uma viagem ou quando queremos simplesmente nos desligar do mundo. “O segredo da felicidade”, de Lucy Diamond, se passa numa cidadezinha do norte da Inglaterra, onde todos se conhecem e se intrometem na vida dos vizinhos. Lá vive Rachel, executiva bem-sucedida, casada, com três filhos e uma super casa de revista de decoração. Mas tudo desmorona, inclusive ela, que cai durante um assalto e vai parar no hospital, em outra cidade, sem se lembrar quem é e de onde veio. Caberá à filha de sua madrasta, Becca, resgatá-la. As duas nunca foram próximas, embora tenham vivido juntas na mesma casa por muitos anos. Sempre houve certo ressentimento de Rachel por ver Becca entrar na sua casa e ver seu pai a assumindo como filha também. O fato é que Becca é o oposto da irmã postiça: não tem emprego fixo, sente-se inferior a todos, desiludida no amor, mas tem um carinho grande pelos sobrinhos e por eles volta correndo para entender o que está acontecendo com Rachel e sua família. A partir daí, ambas vão revelando suas angústias, medos e conhecendo pessoas que farão com que vejam, literalmente, o lado bom da vida. Becca também será responsável por várias conexões interessantes entre outros personagens. Fiquei com vontade de correr no parque apresentado na história ;-)