Tem os clichês de todos os romances ambientados durante a segunda guerra mundial, como o amor entre a mocinha e o soldado inimigo, a destruição, a fuga dos sobreviventes. Mas traz algo diferente: o olhar dos animais. Especialmente do olhar de uma elefanta de quatro anos, Marlene. Ela nasceu no zoológico e, após a morte de sua mãe, entrou num profundo luto, como fazem os elefantes. Ocorre que sua tratadora, Mutti – diminutivo de mãe em alemão – tem grande afeição pelo animal e passa a tratá-la como filha.
Ela própria tem dois filhos, Lizzie e Karli. O marido foi convocado pelo exército alemão e está na Rússia. Sozinha com as crianças, além da preocupação em mantê-los vivos, precisa salvar Marlene, já que o diretor do zoológico avisou que todos os animais seriam sacrificados quando os alarmes de ataques aéreos soassem. E isso estava cada vez mais próximo. Eles moram em Dresden, que foi bombardeada nos últimos meses da guerra. Antes, porém, Mutti já tinha encontrado a solução. Levou Marlene para morar no jardim da casa, e juntos atravessaram a Alemanha para escapar dos mísseis. Toda essa história é contada anos depois pela filha mais velha, Lizzie, que na época tinha dezesseis anos, e que agora vive em um asilo.
A todo momento, a elefanta parece conversar com eles. Entende suas aflições. Ouve suas confissões. Rende momentos de risos quando faz cocô e é o que mantém todos confiantes, mesmo quando não têm abrigo ou o que comer.
Mas tem lá seus antagonismos. O elefante é identificado como animal de circo. Isso fica evidente na passagem em que Lizzie recebe um cartão de aniversário com recortes de elefantes rodeados de elementos circenses, e outros animais, que ilustram supostos dias felizes antes da guerra. Ideia que será retomada no fim do livro que, aliás, me deixou a pensar em "Life of Pi" e seu desfecho. Também há o momento em que o irmão caçula de Lizzie está cansado e todos decidem que ele deverá ir no lombo de Marlene, pois está no 'sangue' dela, já que sua mãe passou anos levando crianças para passear no zoológico. Enfim, felizmente, predominaram no texto o respeito, a gratidão e a certeza de que precisamos de mais histórias assim.
Deixo para vocês a passagem mais linda, quando Lizzie encontra o olhar de Marlene. E é isso.
“Fiquei segurando o lampião enquanto a Mutti espalhava um pouco de palha aos pés da Marlene. Mas mantive distância da elefanta. Talvez porque ela fosse enorme demais, não sei como, porém ela parecia bem maior agora em nosso depósito de madeira do que no zoológico. Mas acho que eu estava nervosa, porque ela me olhava de uma maneira que eu achava um tanto incômoda e desagradável. A elefanta não olhava para mim, mas para dentro de mim. Por isso eu sabia que a Marlene conseguia ver o ciúme que eu estava sentindo por conta da intimidade dela com Karli. Porém comecei a perceber que ela não estava me julgando. Ninguém jamais tinha me olhado tão fixamente daquele jeito, que só posso descrever como um olhar repleto de curiosidade, bondade e amor. Assim, qualquer ressentimento que eu pudesse ter sentido contra Marlene desapareceu durante aquela primeira noite no depósito de madeira.”
Amor materno. Foto: Anda |
Sobre circos, zoológicos e elefantes
Eu sempre fui contra zoológicos. O mesmo vale para circos. Não me interessa a opinião daqueles que têm algo positivo a falar tanto sobre um como outro. Ambos maltratam, sim, os bichos. Digitem “elefantes de circo” no Google e vejam se as imagens mostram animais felizes naquelas condições. Ou fiquem presos em jaulas num ambiente que não é o seu, sendo observado por uma plateia cheia de olhares vazios. Depois voltamos a conversar.
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