O livro de Scott Spencer tem um toque de ‘Crime e Castigo’, de Fiódor Dostoiévski. Mas sem a mesma complexidade psicológica. Em determinados momentos me remeteu ainda ao filme 'Match Point' (2005), de Woody Allen. No romance russo, o protagonista Raskólnikov mata duas pessoas e tem que lidar com a culpa pelo crime que cometeu. Entregar-se ou não? Nós somos lançados ao seu interior e sentimos na pele sua angústia e o seu estado febril. Foi um dos melhores livros que eu li. A estrutura narrativa de “O homem do bosque”, todavia, é bem mais simples. No filme, que passeia pelo mesmo 'bosque' dostoievskiano, o assassino vai contar com a sorte, o tal 'ponto final'.
Já o enredo de Spencer, que intercala a visão de diversas pessoas, fala de assassinato não premeditado. Após alguns problemas que tem para receber o pagamento de um cliente, o marceneiro Paul Phillips resolve espairecer no bosque perto de Nova York. Lá vê Will Claff espancando um cachorro. Aliás, é pelo motivo que levou esse homem a bater no cão que começa o livro. Indignado, revida os golpes e, sem se dar conta da sua força, mata o cara. Assim como no livro de Dostoiévski, não há testemunha e ele vai embora sem ser visto. Leva com ele o cão, que chama de Shep. Mas a culpa e o medo de ser preso o perseguem. Tudo isso põe em cheque a relação que tem com Kate Ellis, antes alcoólatra, hoje famosa escritora amparada na religião. Também é algo que vai comprometer seu estilo de vida, mais solto, mais liberto dos prazeres mundanos. O romance, escrito em 2010, passa-se bem na transição do século XX para o XXI e tem como pano de fundo o boom do milênio, o Y2K, que na história é apenas “uma tentativa desesperada de encontrar um significado, uma narrativa previsível.” Há muitas passagens cansativas, sobretudo no que diz respeito à Kate. Mas o desfecho, que fica em aberto, vale a leitura, assim como a relação que Paul tem com Shep. E que rende comoventes cenas.
Frases
“Aceitação unânime é sinal de mediocridade.”
“Anos de serviço lhe ensinaram que o caminho para o inferno é pavimentado com palavras adicionais. Pessoas que sabem como o mundo funciona falam o mínimo possível.”
“Coisas que achamos que vão nos perturbar para sempre perdem seu poder com o passar do tempo.”
“A infelicidade é como uma vela queimando dentro das pessoas; seu odor está sempre presente no ar.”