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sábado, 27 de julho de 2019

inverno do mundo


“Por que uma gente que desejava destruir tudo o que seu país simbolizava era a primeira a acenar com a bandeira nacional?”

O que dizer de um livro com mais de 900 páginas que te deixa com a sensação de ‘quero mais’? Foi assim com “Inverno do Mundo”, segundo livro da trilogia histórica “O Século” do britânico Ken Follett. Tanto que economizei os últimos capítulos, lendo-os de forma bem pausada, para que o romance não terminasse logo.

A narrativa começa com a chegada de Hitler ao poder e a ascensão do partido nazista em 1933, exatamente no ponto em que terminou o primeiro livro, “A Queda de Gigantes. Neste momento, os alemães e austríacos (von Ulrich) da história recebem a visita dos galeses (Williams). Juntos, presenciam o incêndio provocado no parlamento pelos nazistas, o que coloca fim aos demais partidos do país. Nos Estados Unidos, os russos (Peshkov) que lá se estabeleceram tentam entrar na alta roda da sociedade, ao mesmo tempo que crescem e enriquecem por meio de negócios ilegais. Em paralelo, dois irmãos norte-americanos de uma prestigiada família de políticos (Dewar) se dividem em suas ambições políticas e militares. Enquanto isso, na União Soviética, o outro lado da família Peshkov sonha com o verdadeiro comunismo, longe da liderança de Stalin e da brutalidade da polícia secreta.

Nesta sequência, acompanhamos os filhos dos personagens principais do primeiro livro. É realmente muito interessante ver o desenvolvimento deles, principalmente porque já conhecemos suas origens. Prevalecem, contudo, as crenças políticas dos pais, o faz com que eles deem continuidade ao trabalho que eles iniciaram por um mundo mais democrático de de livre expressão. Infelizmente, os acontecimentos levam a prisões, batalhas sangrentas e fugas. E quem mais vai padecer é Carla von Ulrich, tanto nas mãos dos nazistas quanto do Exército Vermelho. A passagem em que é violentada é uma das mais fortes do livro. Talvez a exceção nesse cenário seja Daisy Peshkov. Ela surge como garota mimada que quer porque quer tornar-se socialite, e vai conseguir isso na Inglaterra ao casar-se com um visconde, mas no decorrer da história torna-se voluntária na segunda guerra mundial e adepta ao partido trabalhista. Embora não passe pelo sofrimento da guerra, cresce como personagem.

Figuras históricas também entram em cena, como Roosevelt, Truman, Hitler, Churchill e Stalin. Alguns apenas são citados. Outros chegam a contracenar com nossos protagonistas.

Em determinados momentos, a leitura lembra um thriller, dada a rapidez dos acontecimentos, sobretudo durante as narrativas de fatos historicamente conhecidos, como o bombardeio a Pearl Harbor e os testes nucleares que levaram a destruição de Hiroshima e Nagasaki. Também prendemos a respiração com a violência dos militares de todos os lados. Era uma época em que se sua ideologia política não fosse a que estava no poder, você teria sérios problemas. As consequências eram sentidas na pele e na alma com torturas, estupros e todo tipo de assédio psicológico. Se hoje temos alguma liberdade, temos que agradecer a esses dissidentes, que mesmo diante do cenário aterrorizante, seguiram com seus valores. Afinal, como disse Daisy após sua transformação, “Se você não se interessa, o que acontece é culpa sua.”

Ainda bem que a saga continua com outras 900 páginas no terceiro livro. Imperdível.

“Em política, você sabe que está ganhando quando o adversário rouba suas ideias.

sábado, 13 de julho de 2019

ensinando a transgredir. a educação como prática da liberdade





"Quando levamos nossa paixão à sala de aula, nossas paixões coletivas se juntam e frequentemente acontece uma reação emocional, que pode ser muito forte."

bell hooks (assim mesmo, em minúsculo) é o pseudônimo de Gloria Jean Watkins, professora e escritora norte-americana, conhecida por seu ativismo social e feminista. Dentre as pessoas que a inspiram, está o educador brasileiro Paulo Freire, que considerava a educação um ato revolucionário. Ele acreditava no poder transformador das pessoas a partir do aprendizado baseado no contexto social e histórico de cada indivíduo. Há uma ligação entre o que se aprende na escola e o que se aprende na vida. Mais que aprender a ler e escrever, a pessoa precisa estar ciente do seu papel na sociedade. Para tanto, a liberdade de expressão e o acolhimento dos alunos são premissas indispensáveis, na ideia de "agir e refletir sobre o mundo a fim de modificá-lo."

"Ensinando a transgredir. A educação como prática da liberdade" é uma coletânea de ensaios de hooks que tratam da educação participativa e libertadora, ou seja, para realmente trazer mudanças significativas na sociedade, o ensino precisa acontecer de forma engajada, de modo que todos possam ter voz. Não há a figura autoritária do professor. Seu papel é incentivar, às vezes até de modo teatral, a participação de todos, sempre pensando e respeitando a diversidade.

"Quero que estes ensaios sejam uma intervenção - contrapondo-se à desvalorização da atividade do professor e, ao mesmo tempo, tratando da urgente necessidade de mudar as práticas de ensino."
hooks usa sua própria história para ilustrar seu pensamento. Negra, ela iniciou seus estudos durante a segregação racial nos Estados Unidos, época em que o ato de ensinar era político. Esse foi seu primeiro contato com o aprendizado como revolução. Naquele cenário, o objetivo era formar negros que pudessem usar a 'cabeça'. Era a única forma de resistir à hegemonia branca e ao racismo. Havia uma missão e todo o trabalho de ensino tinha como foco edificar a raça, o que implicava conhecer, verdadeiramente, os alunos. 
"Conheciam nossos pais, nossa condição econômica, sabiam a que igreja íamos, como era nossa casa e como nossa família nos tratava."
Por outro lado, era um risco confrontar o que se aprendia na escola com os ensinamentos e valores de casa, na maioria das vezes machistas e autoritários. Enquanto na escola, eles podiam se reinventar através das ideias, os pais os colocavam em seus 'devidos lugares'.

Com a integração racial e a possibilidade de frequentar escolas mistas, o conhecimento passou a ser pura informação. Dos alunos, em especial dos negros, esperava-se apenas a obediência. 
"A excessiva ânsia de aprender era facilmente entendida como uma ameaça à autoridade branca."

Essa mensagem de superioridade branca nas aulas aumentou seu interesse pelo ensino, motivando-a a criar seu próprio modelo de prática pedagógica.

Ensinar não é apenas passar adiante uma informação, o conhecimento, mas contribuir e participar, de fato, do crescimento intelectual e espiritual dos alunos. E reconhecer que todos influenciam e contribuem com a dinâmica da sala de aula.

"Olhando para trás, vejo que nos últimos vinte anos conheci muita gente que se diz comprometida com a liberdade e a justiça para todos; mas seu modo de vida, os valores e os hábitos de ser que essa gente institucionaliza no dia a dia, em rituais públicos e privados, ajudam a manter a cultura da dominação, ajudam a criar um mundo sem liberdade."
Realmente, há desconforto ao ensinar a quebra de velhos paradigmas. Mas os ganhos são enormes. "Os alunos brancos que aprendem a pensar de maneira mais crítica sobre questões de raça e racismo vão para casa nas férias e, de repente, veem seus pais sob outra luz."

Sua paixão é a troca de experiências. Os alunos podem também adquirir conhecimento a partir de experiências que não viveram. Por isso, incentiva todos a falarem sobre suas vidas, percepções, de modo a criar um espaço de livre expressão, onde todos se sintam confortáveis. O resultado é o tão esperado comprometimento. Vale para a escola. Vale para a vida.

"Se tivermos medo de nos enganar, de errar, se estivermos a nos avaliar constantemente, nunca transformaremos a academia num lugar culturalmente diverso, onde tanto os acadêmicos quanto aquilo que eles estudam abarquem todas as dimensões da diferença."