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segunda-feira, 28 de maio de 2018

la petite fille de mounsieur linh





"Il ferme les yeux et s´endort en songeant 

aux parfums du pays natal"


Impossível não se emocionar com Monsieur Linh, personagem do título deste lindo romance do francês Philippe Claudel. A história é contada de forma tão singela, que nos sentimos dentro de seus pensamentos mais inocentes. Ele é um idoso que perdeu toda a família na guerra e que parte (talvez não de maneira voluntária) para outro continente. A viagem de navio dura dias e tudo o que ele tem é uma fotografia, um pouco da terra de seu país e sua neta recém-nascida, o que lhe mantém vivo e disposto a recomeçar.


Chegando ao destino, percebe a diferença em relação ao seu local de origem. O frio, o cheiro, o idioma. Tudo parece hostilizá-lo. Mas ele sempre pensa que precisa ser forte pela criança. Seu destino é um abrigo onde há outras famílias. Mesmo sendo compatriotas, eles riem de seu jeito de ser, calado, introspectivo. Não interage com ninguém a não ser com a netinha. Ele a resgatou durante a explosão que matou seu filho e sua nora. A garotinha estava deitada no chão, ilesa. E agora está sempre em seus braços, forma que encontra de protege-la. Sang Diu é seu nome e ela parece contribuir com o avô, pois está sempre tranquila e quieta. 

Sua solidão é aliviada quando encontra, em um banco de praça, o senhor Bark, que também sofre com a morte da esposa. A amizade surge imediatamente e é muito bonita de ser acompanhada. Bark fala o tempo inteiro. Linh apenas escuta e sorri. Apesar de não falarem o mesmo idioma, ambos se entendem. E muito bem.

Há alguns contratempos que vão separá-los. O final é surpreendente e diz muito sobre o que se passa com todos que se transformam em refugiados. Deixam de ser pessoas com suas vidas estabelecidas, rotinas, famílias para serem estranhos forçados a adaptar-se a regras que não têm sentido na situação em que se encontram. Como bem aparece no primeiro trecho do livro, são marionetes nas mãos daqueles que acreditam que estão fazendo um favor por tirá-los de uma zona de guerra em que perderam tudo. Será mesmo que o mundo deve ser assim tão dividido a ponto do que acontece lá não ser responsabilidade de quem está aqui?

Narrativa maravilhosa, poética e que deixa muitas reflexões. Detalhe para o título do livro que traz um trocadilho no original: petite-fille e petite fille ou neta e garotinha. Só no fim da história entendemos. Leiam.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

felicidade para humanos



“Quem já conseguiu alguma coisa obedecendo regras?” 

"Felicidade para humanos", do inglês P. Z. Reizin, é um chick-lit de ficção científica. Sabe aquela discussão de que as máquinas vão dominar o mundo. Ou que a criação vai dominar seu criador. Pois é mais ou menos isso que é tratado neste livro leve e engraçado. Os capítulos são intercalados por vários narradores, três dos quais são inteligências artificiais. Foram desenvolvidas para substituir humanos em algumas tarefas e ganharam o mundo por meio das nuvens. Elas conseguem ver tudo o que está acontecendo e passam a interferir na vida das pessoas que acompanham. Uma delas é Jen, jornalista que arrumou um emprego bem inusitado: conversar com Aiden, inteligência virtual criada para ser atendente de telemarketing. Como ele (ou ela, I.A. tem gênero?) irá interagir com as pessoas, precisa conhecer nossos macetes e daí a tarefa de Jen, bater papo sobre o dia a dia, música, literatura, cinema. Aiden, aliás, torna-se cinéfilo. Está a toda hora assistindo a um filme e participando de grupos de discussão na internet. Muito engraçado também é ver como esses seres leem livros. Algo assim, "peraí que vou dar uma lida em nos sete volumes de 'O tempo perdido', de Proust" e em menos de um décimo de segundo retornam com a leitura concluída. Tanto que Aiden diz já ter lido todos os livros do mundo. Isso me lembrou a forma como a Super Vicky (quem assistiu TV nos anos 80/90 vai lembrar) lia. Meu sonho de consumo. Enfim, voltando ao livro, Jen acaba de levar um fora do namorado e está completamente arrasada. Aiden, que consegue enxergá-la, literalmente, por meio de todos os dispositivos com câmera que ela tem, não aguenta tanto sofrimento e resolve dar uma ajudinha. Passa a usar seus algoritmos para lhe arranjar outro namorado. Ao mesmo tempo, faz da vida do ex um inferno. Do outro lado do mundo, ou da nuvem, está Aisling, outra I.A. que também tem seu humano de estimação, Tom, ex-publicitário divorciado que tenta escrever seu primeiro romance. Não é spoiler dizer que os dois serão conectados. Mas eis que surge Sinai, A.I. disposta a acabar com a brincadeira. O livro até tem algumas partes cansativas, mas é divertido. Morri de rir com esses programas que discutem se têm ou não sentimentos e até fazem terapia. E, no final, realmente acredito que não estamos longe de ter esse tipo de interação. Se é que já não temos. Oi! Há alguma A.I. me vigiando agora? ;-)

terça-feira, 1 de maio de 2018

história da menina perdida





Onde está escrito que as 
vidas devem ter um sentido?

E terminei a saga de Lenu e Lila, da série napolitana de Elena Ferrante. Poderia facilmente ter lido os quatro livros na sequência sem me entediar ou cansar. A leitura é empolgante. Desde o primeiro volume, quando conhecemos as duas ainda meninas, suas brincadeiras, brigas e sonhos até esse último, quando já estão bem mais velhas e as desilusões se sobressaem. Características delas lá atrás permanecem, sendo que algumas são fortalecidas com o passar do tempo. Lila sempre destemida e em busca de algo novo para se apaixonar. Lenu, mais adepta às rotinas do dia a dia, apesar de se jogar na fase adulta. E assim elas vivem suas aventuras, capítulo após capítulo. 


O título, “História da menina perdida”, pode tanto fazer referência à infância distante das duas como a um fato trágico que envolve o sumiço de uma criança. Minhas pernas ficaram moles enquanto lia e sentia o desespero da mãe. Ainda agora não gosto nem de imaginar tal situação.

Perto de completarem quarenta anos, elas voltam a ser vizinhas no bairro em que cresceram. Retomam a amizade que mistura admiração e inveja. São envolvidas nas disputas e confusões locais. Também engravidam ao mesmo tempo. Lenu do terceiro filho. Lila do segundo. 

Fiquei com raiva de Lenu, que abandona a serenidade que sempre teve para viver um grande amor de infância. O problema é que ela larga tudo, inclusive as duas filhas pequenas. Tento não julgar, mas é impossível. Aliás, que cafajeste ela arrumou. Lila, que foi parar no fundo do poço no livro anterior, dá a volta por cima e, no início dos anos 80, destaca-se no desenvolvimento de sistemas. Ao mesmo tempo, mostra-se cada vez mais equilibrada e disposta a ajudar a todos. Não fosse ela, Lenu estaria ainda mais perdida. 

Vale lembrar que todo o relato é sob o ponto de vista de Lenu, que escreve a história das duas na tentativa de descobrir o paradeiro de Lila, que desapareceu sem deixar um único pertence. Se o enigma é desvendado ou não, leiam e me digam. Só posso dizer que as pessoas sempre podem nos surpreender. Para o bem e para o mal.

Trechos 

"Era maravilhoso ultrapassar fronteiras, deixar-se ir a outras culturas adentro, descobrir a provisoriedade do que eu tinha tomado por definitivo." 

“- Acalme-a.
- Como?”
Sorriu: - Com mentiras. Mentiras são melhores que tranquilizantes.” 

"Há tempos eu já percebera que cada um organiza a memória como lhe convém, e ainda hoje me surpreendo ao fazer o mesmo." 

“Está querendo dizer que um desejo pode ser tão forte a ponto de parecer já realizado?”

Se uma criatura de poucos anos morre, está morta, acabada, mais cedo ou mais tarde você se conforma com isso. Porém, se ela desaparece, se não se sabe mais nada a seu respeito, não há nada que reste no lugar dela, em nossa vida.


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Amiga genial

uma loja em paris





"Nós, os homens, somos em geral seres que vivem paralisados pelo medo. Essa é a principal barreira que nos impede de ser felizes."

"Uma loja em Paris", do espanhol Màxim Huerta é bem difícil de engolir. A vida é cheia de coincidências. Vira e mexe tropeçamos em uma. Mas ter todas as coincidências do mundo em uma única história é demais.

Teresa é uma dondoca. Perdeu os pais cedo e foi criada pela tia, irmã gêmea da mãe. A relação entre elas é bem tensa, sobretudo porque Teresa não aceita o lado impositivo da tia, que quer lhe dar a melhor educação e que ela seja criada de acordo com seus princípios. Algo intolerante para uma garota de nove anos, que sofre a perda do amor materno. E assim ela cresce, amargurada, frustrada e sempre sentindo-se subjugada pela sua tutora. O problema é que ela não se mexe. Só reclama e vai levando a vida de forma letárgica. Pouco se interessa pelos negócios da família, apesar de usufruir, e muito bem, dos benefícios financeiros que eles trazem: mora bem, faz cursos, viaja, tem tudo que o dinheiro pode comprar. Poderíamos nos perguntar: por que essa moça é tão infeliz? Mas o ser humano não é tão facilmente classificado. E há muitos dilemas internos que quem está de fora não consegue entender. 

Independentemente de qualquer coisa, não gosto de Teresa. Ela não conquistou minha simpatia. Enfim, um belo dia, após mais um dia sem fazer nada, ela para em um antiquário e encontra algo que vai mudar seu destino. Trata-se de uma placa de uma loja parisiense. Ah! Teresa é espanhola e mora em Madrid. Ela se encanta e leva o objeto para casa. A partir daí coisas estranhas começam a acontecer, como sentir arrepios, ventos fortes, música tocando do nada. Parece que estamos diante do sobrenatural, mas não. Felizmente. Não que eu fuja deste tipo de história, mas não era exatamente o que buscava quando comprei o livro. O que eu queria era sentir Paris. Vivenciar um pouco essa cidade por meio da literatura. Simples assim. Voltando, essa placa tem o nome de uma mulher, Alice. Resultado: Teresa larga tudo e parte para a França em busca de seu rastro.

Chegando lá, como é rica, compra a tal loja da qual a placa fazia parte. Compra também um apartamento e passa a investigar essa misteriosa mulher, que parece estar em todas as partes. Os capítulos passam a ser intercalados entre os descobrimentos de Teresa e a vida de Alice, que viveu na década de 20. Aí, sim, senti Paris e tudo fica mais interessante. A parte de Alice, claro. Conhecemos bairros boêmios da cidade, bares, restaurantes, galerias, ruas. Enfim, a vida artística da época. Alguns personagens são verdadeiros, como Coco Chanel. E, segundo autora, muitos dos lugares também. Deu até vontade de conhecer alguns deles. Descubro que estive muito perto de tudo isso na minha última viagem. Ainda assim, tudo caminhou para um final fraco, fraco. Algumas coisas que acontecem, sem me preocupar com spoiler: Teresa tinha um namorado francês. Um dia ele some. Ela (como sempre) sofre. Na França, anos depois, quando está atrás de Alice, ela encontra um homem que vai ajudá-la na investigação. Este cara tem um filho. Adivinhem que é! E quem é a avó deste cara? Um doce para quem descobrir. Rá! Não aguentei. Sem contar que o texto é repleto de reticências. Tenho pavor desta pontuação usada de modo exagerado. Enfraquece qualquer narrativa. E quando ela já é fraca, piora tudo.