Páginas

domingo, 14 de janeiro de 2024

meus dias na livraria morisaki


"De vez em quando a gente tem que parar tudo e reavaliar. É como se fosse uma parada na longa viagem que é a vida. Aqui é como um cais, onde você ancorou seu navio por um tempo, para descansar. Quando se sentir melhor, é só zarpar de novo."


Mais um presente certeiro de Natal. Mas tenho que confessar que comecei a ler achando que tratava-se da continuação de "O gato que amava os livros", do escritor japonês Sosuke Natsukawa. Tinha certeza de que o protagonista era o mesmo garoto que herdou a livraria do avô, agora um homem perto dos cinquenta anos. E assim, com esta certeza, fui lendo. Até que surgiram algumas partes estranhas, que não se conectavam com a leitura anterior. E eis que fui, finalmente, bater os nomes. Apesar de partir de uma premissa bastante parecida, os autores, os personagens e o cenários são totalmente distintos. Lá tínhamos um adolescente, Rintaro, que perde o avô e herda uma livraria mágica, literalmente. Em "Meus dias na livraria Morisaki", de Satoshi Yagisawa,  também temos um herdeiro de livreiro, Satoru. Mas o cenário é mais realista. Estamos no bairro Jinbôchô, em Tóquio, conhecido por suas livrarias, verdadeiro paraíso para os amantes de livros. Satoru resgata sua sobrinha, Takako, que não via há anos, da depressão. Com vinte e cinco anos, ela levava uma vida sem grandes emoções. Tinha um emprego ordinário e um namorado que, como se fosse a coisa mais normal do mundo, anuncia que está noivo e vai se casar. Com outra pessoa. Ocorre que a pobre Takako ansiava por um pedido de casamento. Resultado, ela desmorona. Saturo, que também foi largado pela esposa, a convida para passar uns dias na livraria. Mesmo relutante, ela aceita e eis que toma gosto pela coisa. Apaixona-se pelo ambiente velho e cheio de história, pelos livros e pela nova vida. Lá pelas tantas a esposa de Saturo, Momoko, retorna, esclarecendo o motivo de sua fuga e colocando mais aventura na vida da moça. Romance sem reviravoltas, previsível, mas super gostoso de acompanhar. Já quero ir para esse bairro das livrarias, assim como as montanhas Okutama, que aparecem na trama.




sábado, 6 de janeiro de 2024

A biblioteca de Paris



"A biblioteca é o meu porto seguro. Sempre consigo encontrar um cantinho das estantes para chamar de meu, para ler e sonhar. Quero garantir que todos tenham essa oportunidade, principalmente as pessoas que se sentem diferentes e precisam de um lugar para chamar de seu."

O título e a capa foram suficientes para eu me empolgar com o presente que acabara de receber de Natal e iniciar, quase que imediatamente, a leitura deste delicioso livro. "A biblioteca de Paris", da norte-americana Janet Skeslien Charles, se passa em dois tempos: 1939-1945 e 1983-1989. Também fala das duas vidas da protagonista, a francesa Odile. Quando era jovem e cheia de sonhos, em Paris, e bem mais tarde, nos Estados Unidos, afogada em lembranças, culpa e solidão.

A inspiração para o romance veio quando Janet Skeslien Charles trabalhou na Biblioteca Americana de Paris e ouviu dos colegas a história sobre como os funcionários mantiveram o local aberto durante a segunda grande guerra mundial. "Os acontecimentos do livro se baseiam em pessoas e eventos reais, mas mudei alguns elementos", nos conta a autora.

No início da narrativa, somos apresentados, de forma apaixonada, à Classificação Decimal de Dewey (CDD), sistema utilizado em praticamente todas as bibliotecas do mundo para organizar suas coleções. Criado em 1876 pelo bibliotecário e educador norte-americano Melvil Dewey, utiliza números para classificar os livros em categorias e suas subcategorias. Sugiro a leitura do artigo "Classificação Decimal de Dewey: aplicação das regras de construção de notação" para conhecer mais este modelo e sua aplicabilidade, que tanto encantaram nossa protagonista.

"Números pairavam como estrelas dentro da minha cabeça. 823. Os números eram a chave para uma vida nova. 822. Constelações de esperança. 841. No meu quarto, tarde da noite, ou de manhã a caminho de buscar croissants, séries e mais séries - 810, 840, 890 - ganhavam a forma diante dos meus olhos. Eles representavam a liberdade, o futuro. Junto dos números, eu tinha estudado a história das bibliotecas."

E é a partir dessa perspectiva que começamos a acompanhar a jovem Odile rumo à entrevista para uma vaga na Biblioteca Americana de Paris, o emprego dos seus sonhos. Ela é aprovada e lá ganha muito mais que o refúgio em meio aos livros. Amadurece e faz também grandes amigos, como a inglesa Margareth, frequentadora e voluntária, e Miss Reader, a diretora. Odile mora com os pais e o irmão gêmeo. No decorrer da trama, apaixona-se e fica noiva. No entanto, a guerra adia todos os planos e as prioridades mudam. A tranquilidade da biblioteca é ameaçada, começam as perseguições, a recessão de alimentos e o medo atinge a todos. Contudo, os laços criados e o amor pelos livros unem bibliotecários e alguns poucos frequentadores, que continuam com a rotina de visitar o local. Juntos, selecionam e enviam livros para os soldados, criam estratégias para driblar os nazistas e buscam, mais do que nunca, a proteção na leitura. É inspirador ler sobre a resistência e o propósito desse pequeno grupo. Infelizmente, no meio deles havia traidores, que se aproveitaram da fragilidade para trazer à tona seus preconceitos. Uma das vítimas é Odile. Em um momento de euforia e certa inveja da vida de luxo de Margareth, ela fala mais do que devia, o que prejudica de forma violenta a amiga. A dor e a culpa pelos seus atos são tão insuportáveis que foge, largando família, amigos e seus amados livros. Continuamos, então, a acompanhar sua história anos depois, nos Estados Unidos, a partir do olhar de Lilly, de 12 anos, que vê na agora Sra. Gustafsson e em sua biblioteca pessoal o apoio que precisa para lidar com a doença da mãe e suas consequências. Tudo é contado ora do ponto de vista de Lilly, ora de Odile, sempre com as datas muito bem marcadas. Terminei querendo saber mais sobre a história verdadeira da Biblioteca Americana de Paris e sobre o sistema de classificação Dewey e suas possibilidades. Foi muito bom começar o ano desta forma :-)

"Somamos 813 (americano), 840 (francês) e 302.34 (amizade) e criamos a nossa estante de livros dignos de 1955.34. Alguns favoritos foram Le Petit Prince, Mulherzinhas, O jardim secreto, Cândido, O longo inverno, A Tree Grows in Brooklin, Seus olhos viam Deus. Quando terminamos, senti que, não importava o que acontecesse, eu sempre teria um lugar com Odile."

Trechos

"Passei meus dedos pelas lombadas. Escolhi um e abri num trecho ao acaso. Eu nunca julgava os livros pelo começo. Era como o primeiro e último encontro que tive, nós dois sorrindo demais. Não, eu abria em uma página no meio, onde o autor não estava tentando me impressionar."

"A melhor coisa em Paris? É uma cidade de leitores - respondeu nossa vizinha."

"Eu não acreditava em almas gêmeas no amor, mas conseguia acreditar em almas gêmeas de livro, dois seres unidos pela paixão da leitura.""Enquanto eu flutuava entre as estantes, o silêncio me encheu de paz. Escondida entre os livros li: Ele tinha duas vidas: uma, pública, vista e conhecida por todos que quisessem saber, [...] e outra que se desenrolava em segredo. Nunca conheceríamos as pessoas que amamos, e elas nunca nos conheceriam. Era de partir o coração, era verdadeiro. Mas havia consolo: ao ler as histórias dos outros, eu sabia que não estava sozinha."