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sexta-feira, 20 de outubro de 2023

a trança



"Como milhares de mulheres país afora, Sarah Cohen era partida em duas. Era uma bomba prestes a explodir."

"A menininha, de repente, parece perdida, tão frágil que Smita tem vontade de pegá-la no colo e nunca mais largá-la."

"Giulia então lê, durante horas, poesia, prosa, romance. Chegou minha vez de ler histórias para ele, pensa. Ele leu tantas para mim. E ela sabe que, lá onde está, seu papa está ouvindo."


Essa foi a indicação de uma amiga. Imediatamente, me apaixonei pela edição linda, em especial a capa e as páginas douradas. O romance de estreia da francesa Laetitia Colombani nos apresenta três mulheres em três diferentes países. A primeira é Smita, indiana da casta mais baixa. Ela é recolhedora, ofício transmitido de mãe para filha. Em poucas palavras, ela recolhe diariamente a merda das castas mais altas. Casada, tem uma filha de seis anos. Seu sonho é que Lalita não tenha que sentir o nojo desse trabalho, e que ela possa estudar e ter outras oportunidades. Para isso, consegue economizar para que a filha possa ir para a escola, porém, as coisas não saem como planejado e elas precisam fugir. Na Itália, encontramos Giulia, que segue os passos do pai. Ela trabalha no estúdio dele, um lugar super especializado na produção de perucas a partir de cabelos naturais das sicilianas. Ocorre que ele sofre um acidente e com isso vem à tona que o lugar, passado de geração em geração, está afundado em dívidas. Caberá a Giulia a decisão de fechar as portas considerando a tradição da região em que vive ou enfrentar os preconceitos e partir para mudanças que possam garantir a sobrevivência do seu ofício. Por fim, somos apresentados à Sarah, advogada canadense. Ambiciosa, ela não mede esforços para ascender na carreira. Está prestes a assumir o posto mais alto da firma que trabalha quando é detida por uma doença. Ela até tenta disfarçar e seguir adiante, sabendo que não pode se mostrar fraca, mas o ambiente corporativo tem outras prioridades e, aos poucos, a descarta. Isso faz com ela repense sua vida e o relacionamento com os três filhos, que sempre ficaram em segundo plano. Tudo é contato de um jeito tão leve, sucinto e tocante. No fim, as três vão, de algum modo, se encontrar. Ou melhor, se entrelaçar, mostrando a força que as nossas escolhas têm para mudar destinos até então tidos como certos. Basta dar o primeiro passo e não olhar para trás. Até pode, desde que isso não lhe impeça de recuar. Recomendo e já quero ler mais de Colombani.




Palermo, Itália


Montreal, Canadá 


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

relatos de um gato viajante


Por conta da leitura de "O gato que amava livros", de Sosuke Natsukawa, cheguei até "Relatos de um gato viajante", romance lindo de chorar da escritora japonesa Hiro Arikawa. A maior parte da narrativa é feita por Nana, gato que ganhou este nome por conta de seu rabo em formato de sete. Nana é sete em japonês. A associação foi feita por Satoru Miyawaki, que foi quem salvou o gatinho após ele ser atropelado. Antes disso, a relação entre ambos já existia, uma vez que Nana dormia em cima da van de Satoru. Ao se acidentar, o felino não teve dúvidas a quem pedir ajuda. Resultado: foram cinco anos juntos. Cada um respeitando o espaço do outro, como pede um bom gato de rua, nas palavras do próprio Nana.

Até que um dia, Satoru disse que precisavam encontrar outro lar para Nana. Algo irreversível impedia que os dois continuassem juntos. "Não precisa dizer mais nada. Sou um gato muito sagaz, já entendi tudo." Sim, de fato ele sabia como vamos descobrir mais tarde.

E, dessa forma, sem mais explicações, partem na van para uma viagem pelo Japão. A cada parada, Nana é apresentado ao seu suposto novo lar e tutores, enquanto Saturo revê amigos e relembra sua própria história. Temos ainda as divertidas impressões de Nana sobre o que está acontecendo e sobre sua relação com o seu humano, por quem tem grande respeito e amor.

Monte Fuji: paisagem que encantou Nana

Nana, mesmo tendo traços humanizados e estereotipados comumente atribuídos aos gatos - orgulho, sagacidade, uma pitada de arrogância -, destila para o leitor o coração emocional de um gato: são companheiros leais, afetuosos e incrivelmente perspicazes. Não tenho dúvida sobre o que Nana disse sobre os gatos serem verdadeiramente poliglotas, compreendendo todos os idiomas, enquanto nós, humanos, muitas vezes falhamos em decifrar a linguagem dos animais. Jornada emocionante e sem apelos, mesmo quando descobrimos os motivos da viagem. O livro toca temas profundos como o luto, amizade e a beleza efêmera dos momentos cotidianos. Fiquei inspirada para explorar lugares como o Monte Fuji e Hokkaido, tão bem retratados na obra. Virou filme no Japão. Já gostei do trailler.