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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

antes que as luzes se apaguem


Romance para adolescente que resolvi ler no fim do ano, complementando minhas leituras (sem compromisso) natalinas. "Antes que as luzes se apaguem", de Jay Asher, é bobinho de tudo. Conta o dilema de Sierra, de dezesseis anos, que se divide entre dois estados: Oregon, onde mora, e Califórnia, para onde vai em dezembro. Sua família possui uma fazenda de árvores de Natal e um mês antes das festas, eles entram no motorhome e pegam a estrada rumo ao sul a fim de vendê-las, negócio que já dura anos. Sempre tem aquela despedida com as amigas que ficam e a expectativa de rever outra que só vê uma vez por ano. Ocorre que este pode ser o último ano desta viagem e a garota está pirando. Não sabe se está feliz ou triste, até que surge um paquerinha cheio de problemas. É isso. Fosse eu uns 30 anos mais nova talvez curtisse rs (vide "Barrados no Baile", que eu adorava). Mas, em minha defesa, estava precisando muito de algo leve, fácil, bobo e que tivesse frio.

domingo, 18 de dezembro de 2022

esquecer o natal

 


"Vamos pular o Natal, guardar o dinheiro e iremos
mergulhar nas águas do Caribe por dez dias."


Que livro divertido! Ri muito com as peripécias de Nora e Luther Krunk, casal norte-americano que decide "Esquecer o Natal", livro do norte-americano John Grisham. Tudo começa quando a filha deles resolve se mudar para o Peru. Sem ela, as festas não teriam sentido e Luther começa a fazer contas: o quanto gasta anualmente no fim de ano com decoração, presentes, caixinhas, jantares, roupas etc etc etc. A lista é infinita, sem contar os transtornos com mercados, lojas, trânsito e a agitação de todos que querem dar conta de tudo antes da noite de Natal. É um preço muito alto. Após esta conclusão, chama Nora, apresenta a planilha e dá a solução: economizar, fingir que o Natal não existe e ir para o Caribe num cruzeiro. À princípio, a esposa duvida que esta seja a melhor ideia, afinal ela própria ama tudo isso. Mas aos poucos vai se convencendo de que passar um ano sem tanto estresse pode ser bom. O que eles não previram é que todos ao redor vão fazer de tudo para provocá-los, criticando a decisão. É o bombeiro que chega vendendo o panetone que terá o valor revertido em boas ações, é o vizinho que reclama que a casa dos Krunks é a única que não está decorada. Tem o pessoal do trabalho de Luther que reclama por ele não aparecer no jantar de confraternização e por aí vai. As passagens são hilárias. Até que a filha liga e diz que está voltando com um noivo peruano doido para sentir o Natal norte-americano dos filmes. Pronto. Nosso casal terá poucas horas para organizar tudo. Confesso que fiquei decepcionada quando os vi correndo de lá para cá novamente para os preparativos da festa. Luther chega a ficar, literalmente, de ponta cabeça lá pelas tantas, mas o esforço é recompensado. Super indico. Espero, porém, que a editora (esta ou outra) faça uma revisão cautelosa do livro, pois há vários erros gramaticais e de tradução que prejudicam a leitura. Ahh! Feliz Natal :-)

sábado, 3 de dezembro de 2022

um lugar distante


“Um lugar distante” é uma novela que foca em dois personagens secundários de “A pequena ilha da Escócia”: Lorna, professora que habita Mure desde sempre, e Said, médico sírio que recebeu a oferta de emprego na ilha enquanto estava em um campo para refugiados. Enquanto ela tem que lidar com a grave doença do pai, ele precisa se reencontrar depois de ter fugido da guerra em seu País. Durante o trajeto, perdeu sua família e sua identidade. Aceita o trabalho que lhe é oferecido, para ser o médico de uma ilha no norte da Escócia, sem grandes expectativas. A única coisa que ainda o prende neste mundo é a fina esperança de voltar a reencontrar seus entes queridos. É muito bonita a forma com que o percurso de Said é narrado. Porém o livro tem problemas. Ele se propõe a contar uma história que antecede o enredo que acompanhamos em "A pequena ilha da Escócia", mas sem o cuidado da autora, Jenny Colgan, com tempos e narrativas, o que me deixou deveras ansiosa tentando achar explicação para algumas passagens, personagens com nomes e idades diferentes, dentre outras questões. Ela até chegou a pedir desculpas no Facebook. O que, obviamente, não resolveu nada. Por isso, paro por aqui nesta série, apesar da Escócia, do frio, das montanhas.

domingo, 23 de outubro de 2022

a vida do espírito


Logo na introdução de "A vida do espírito", Hannah Arendt afirma que deixou um lugar relativamente seguro na teoria política para entrar na filosofia e abordar o "pensar''. O estopim para esse interesse, já manifestado, de certa forma, em outras obras como "Origens do totalitarismo" na qual abordou a questão moral, foi o julgamento de Otto Adolf Eichmann em Jerusalém. Oficial nazista responsável pela logística da Solução Final, nome dado ao plano nazista de extermínio de judeus, Eichmann foi capturado na Argentina em 1960, após passar anos sob identidades falsas. Ele foi acusado de crime contra o povo judeu, contra a humanidade e crimes de guerra, dentre outros, durante o período que serviu ao regime nazista, sobretudo na Segunda Guerra Mundial. Após julgado, foi considerado culpado e enforcado em 1962.

Hannah Arendt se apresentou ao jornal The New Yorker para cobrir o julgamento, grande evento que resultou na sua política do pensamento, criada a partir da questão do mal e do que ela chamou de banalidade do mal. Segundo a autora, temos a ideia que o mal é algo demoníaco, representado por satã, ou mesmo pelo anjo decaído Lúcifer. Há ainda o mal causado pela inveja, como o que fez Caim matar Abel, no livro Gênesis da Bíblia. Cita ainda Herman Melville que considerou o mal como uma depravação com relação à natureza. Todos exemplos que não deixam dúvida sobre o sujeito cruel.

Mas o que ela viu no tribunal israelense foi algo totalmente diferente. Ali, isolado dentro de uma redoma de vidro à prova de balas, estava alguém que não tinha essas características. Era um agente bastante comum, medíocre até, e não monstruoso. Com isso, há o choque e a quebra do estereótipo que tinha em torno do mal, e que lhe trouxe a ideia de que as atrocidades das quais aquele homem tinha participado haviam sido causadas por conta da sua incapacidade de pensar. Ela justifica: Eichmann estava inserido em um sistema formado por ritos, sequências, ou seja, que funcionava a partir de regras que precisavam ser cumpridas. Quando temos um padrão de procedimento, independentemente do que vamos fazer, nossa capacidade de reflexão se apaga. E foi isso o que aconteceu com o tal agente. Ele estava tão preso à sua rotina de obediência que sequer refletiu sobre seus atos, o que é explicado de forma precisa no trecho a seguir:
"Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de proteger-nos da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo a essa exigência, logo estaríamos exaustos. Eichmann se distinguia do comum dos homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado conhecimento de tal exigência." (Arendt, 2022:25)
Foi essa irreflexão - algo comum na nossa vida cotidiana - que motivou Arendt a escrever a "Vida do Espírito'', obra que, embora inacabada, nos dá a esperança de que é possível, sim, mudar o status quo do mundo. Ela entende a vida espiritual (a vida da mente) como três atividades que estão interligadas: pensar, querer e julgar (cujo conceito ela não chegou a concluir). O pensar faz a distinção entre os significados da vida. O querer é algo novo e o julgar é a decisão que tomamos nessas situações.
"Somos do mundo, e não apenas estamos nele; também somos aparências, pela circunstância de que chegamos e partimos, aparecemos e desaparecemos; e embora vindos de lugar nenhum, chegamos bem equipados para lidar com o que nos aparece e para tomar parte no jogo do mundo. Tais características não se desvanecem quando nos engajamos em atividades espirituais, quando fechamos os olhos do corpo, usando a metáfora platônica, para abrir os olhos do espírito." (Arendt, 2022:47)
Vale lembrar que foi muito criticada por conta do artigo que escreveu sobre o julgamento de Eichmann. Comunidades judaicas a acusaram de ser condescendente com o agente nazista. Mais que isso, de ela, uma judia refugiada, ter ido contra seu próprio povo ao citar em seu texto que alguns judeus também corroboraram com o inimigo. No filme "Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo (2012)", de Margarethe von Trotta, acompanhamos uma cena na qual a filósofa responde aos ataques durante uma palestra. Ela não o estava perdoando. Seu papel ao cobrir o evento, argumenta, era entender os motivos que levaram Eichmann a estar dentro daquele sistema sem em nenhum momento questioná-lo. Entender é diferente de perdoar. Nada do que escreveu foi em defesa dele, sua intenção foi conciliar a mediocridade daquele homem com seus atos abomináveis. O que lhe chamou a atenção foi que a todo momento em seu julgamento, ele se dizia inocente. "Inocente, no sentido da acusação". Em outras palavras, sua defesa parte do fato de que era somente um funcionário exemplar. Havia o plano traçado e cabia a ele administrar as estratégias para que o objetivo - eliminar os judeus - fosse cumprido. Diante do estatuto jurídico em vigor, ele não havia feito nada de errado.
"Ele cumpria o seu dever, como repetiu insistentemente à polícia e à corte; ele não só obedecia ordens, ele também obedecia à lei." (Arendt, 1999:152)
Quais eram suas escolhas? Qual era o seu juízo em relação às suas ações e aos impactos que elas tinham na humanidade? Para Arendt, ele sequer cogitou isso. Estamos diante de um fenômeno político inédito do século XX, que pode ser traduzido como o grande colapso moral. Eichmann é criminoso. Incapaz de julgar e pensar, ele personifica essa problemática da experiência humana, o modo com que nos relacionamos, reagimos, escolhemos e julgamos. Arendt associa essas questões com a capacidade mental (ou a falta dela) que temos para lidar com a complexidade do mundo real, que a todo momento traz situações novas que nos desafiam.
"Ele se lembrava perfeitamente de que só ficava com a consciência pesada quando não fazia aquilo que lhe ordenavam - embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para morte, com grande aplicação e o mais meticuloso cuidado." (Arendt, 1999: 37)
Contudo, em "Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal", Arendt descreve o réu como alguém que, embora nunca tenha se destacado na escola ou no trabalho, tinha grandes ambições. Ele queria fazer parte da história. Inclusive, ela diz em determinado momento que se ele pudesse viver tudo novamente, certamente teria feito as mesmas escolhas. Afinal, foi a obediência que lhe deu a chance de ascender em um sistema que o tirou da insignificância que sempre teve perante à família e à sociedade.
"O que Eichmann deixou de dizer ao juiz presidente durante seu interrogatório foi que ele havia sido um jovem ambicioso que não aguentava mais o emprego de vendedor viajante antes mesmo de a Companhia de Óleo a Vácuo não aguentá-lo mais. De uma vida rotineira, sem significado ou consequência, o vento o tinha soprado para a História, pelo que ele entendia, ou seja, para dentro de um Movimento sempre em marcha e no qual alguém como ele - já fracassado aos olhos de sua classe social, de sua família e, portanto, aos seus próprios olhos também - podia começar de novo e ainda construir uma carreira." (Arendt, 1999:45)
O alerta aqui, a partir do que vivenciou Arendt, é que seguimos o caminho da obediência e da inércia diante de problemas sociais.

Lembram da obediência de Eichmann e suas consequências? Obviamente, aqui não estamos falando das atrocidades cometidas pelo movimento do qual ele fez parte. Mas não podemos desconsiderar as milhares de mortes que ainda ocorrem por conta da nossa incapacidade de pensar.

Como encontrar lugar no mundo, dentro do nosso cotidiano, para as nossas atividades mentais ou as nossas atividades do espírito, uma vez que a todo momento nos deparamos com o modo artificial de ver as coisas, o que nos afasta do olhar político? Primeiramente, precisamos esclarecer o que é o pensamento, somente assim seremos capazes de diferenciar a atividade que somos capazes (ciência, lógica, ordem) da vida espiritual que torna possível lidar com assuntos humanos mais complexos.

O pensamento não lida com a verdade, mas com significados. E é a partir do significado que lidamos melhor com os assuntos humanos, já que a vida não se reduz à lógica de causa e efeito. Arendt vai tomar emprestado de Sócrates o conceito dois-em-um: quando pensamos, estamos a sós com nós, afastados da experiência. Importante diferenciar o estar só da solidão. São situações distintas.
"Chegamos à conclusão de que apenas as pessoas inspiradas pelo eros socrático, o amor da sabedoria, da beleza e da justiça, são capazes de pensamento e dignas de confiança. Em outras palavras, chegamos às "naturezas nobres" de Platão, as poucas a respeito das quais se pode dizer que "não fazem o mal voluntariamente". No entanto, nem mesmo em seu caso é verdadeira a conclusão implícita e perigosa de que "todo mundo quer fazer o bem". (A triste verdade é que na maioria dos casos o mal é praticado por pessoas que jamais se dedicaram a fazer o bem ou o mal.)" (Arendt, 2022: 238)
Estar só é o diálogo que temos com nós mesmos, a auto investigação que permite considerar situações e tomar decisões. Já a solidão é estar sozinho, não ter contato nem consigo mesmo. As massas, tão importantes para o totalitarismo, são compostas de indivíduos solitários, e é exatamente aí que reside a banalidade do mal. São pessoas que estão mais preocupadas com a produtividade na sociedade de consumo e a ascensão profissional (Eichmann) que com a efetiva participação na vida pública, espaço que pede um olhar para o todo e para o bem comum, e não somente para a bolha da qual fazem parte. A individualidade típica do neoliberalismo, regida por interesses econômicos (renda e lucro) é o melhor exemplo atual da solidão descrita por Arendt.
"Se o pensamento - o dois-em-um do diálogo sem som - realiza a diferença inerente à nossa identidade, tal como é dada a consciência, resultando, assim, na consciência moral como seu derivado, então o juízo, o derivado do efeito liberador do pensamento, realiza o próprio pensamento, tornando-o manifesto no mundo das aparências, onde eu nunca estou só e estou sempre muito ocupado para poder pensar. A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o eu." (Arendt, 2022: 250)
Ainda sobre as atividades do espírito, temos a vontade ou o querer começar algo novo. Trata-se da faculdade mental em que lidamos com liberdade, e isso é um problema para a filosofia. Se somos livres para fazer o que queremos, podemos fazer o que não devemos. Já para Arendt, apesar de perigosa, ela carrega algo primordial: o recomeço. Nela podem estar as soluções para os problemas que nos assombram.

O juízo é a atividade mais desafiadora e a que mais lida com o mundo das aparências. Para dar conta de sua teoria, Arendt vai investigar a terceira crítica de Kant, que trata da capacidade de julgar e como ela está conectada com a questão da moral. Para ela, a grande preocupação dos intelectuais será lidar com o mal, encarando suas possibilidades e compreendendo sua ameaça, que por não ser perceptível é ainda mais perigosa, como vemos no discurso sedutor das big techs. Importante ressaltar que sua proposição sobre a moral se dá durante a crise catastrófica a partir da ascensão do totalitarismo. É algo inédito e o questionamento feito é como podemos julgar quando não temos critérios para isso. Sua tese é que somente o pensamento pode ser capaz de evitar o mal. Diferentemente dos demais pensadores que colocam a moral como a relação do sujeito com o outro, Arendt vai dizer que, na verdade, trata-se da relação do sujeito com ele mesmo. E isso faz do pensar a atividade mais importante, que preside as demais.
"Uma vez que a pluralidade é uma das condições existenciais básicas da vida humana na Terra - de modo que inter homines esse, estar entre homens, era, para os romanos, o sinal de estar vivo, ciente da realidade do mundo e doeu, e inter homines esse desinere, deixar de estar entre os homens, um sinônimo para morrer -, estar sozinho e estabelecer um relacionamento consigo mesmo são a característica mais marcante da vida do espírito. Só podemos dizer que o espírito tem sua vida própria à medida que ele efetiva esse relacionamento no qual, existencialmente falando, a pluralidade é reduzida a dualidade já implícita no fato e da palavra "consciências" ou syneidenai - conhecer comigo mesmo." (Arendt, 2022:109)


A democracia está se afundando nas fake news


A era moderna nos coloca diante de uma perplexidade. Ao mesmo tempo em que temos o extraordinário desenvolvimento tecnológico, capaz de nos levar para outras dimensões - a ida à Lua é a primeira vez que realmente podemos nos olhar, literalmente, de fora - somos levados por uma lógica perversa de manipulação. Foi o que aconteceu com Eichmann que, de certo modo, estava aprisionado dentro de uma lógica administrativa. Para o totalitarismo, o que prevalece é a construção de problemas fictícios, daí o apelo das mentiras, do negacionismo. Inclusive, as fake news, outra ameaça das tecnologias digitais, podem ser a superfície de um problema ainda mais grave, e que pode colocar em xeque a própria democracia. Servem para nos distrair das coisas que realmente nos controlam, como os ricos fundos financeiros que incentivam todo esse esquema de dados. De certo modo, sempre existiram. O que temos hoje é sua rápida proliferação com total apoio das grandes empresas de tecnologia. A lógica é simples, quanto mais cliques, mais monetização. E sabemos que o ódio é muito mais atrativo que o amor, atraindo mais visualizações.

A noção da banalidade do mal está relacionada com os temores do século 20, consequência da crise da Razão Iluminista. Houve o momento em que se acreditou que a Razão iria nos emancipar, mas o que vimos foi o uso da tecnologia para destruir vidas.
 
Sim, o mundo é horrível e permitiu que as pessoas fizessem coisas terríveis, inimagináveis, como o antissemeitismo, o imperialismo e o totalitarismo. Porém, e aqui Arendt é enfática, não podemos nos alienar. Precisamos buscar a reconciliação, afinal essa é nossa casa. Se isso não for feito, o resultado é que vamos deixar de nos responsabilizar pelo futuro, pelas crianças, pela natureza. Não podemos deixar o horror nos silenciar. Politicamente, há situações em que não podemos reagir. Mas, no mínimo, podemos dizer que não compactuamos com determinado comportamento. Afinal, "estar vivo significa viver em um mundo que precedeu à própria chegada e que sobreviverá à partida". Resta saber o que queremos deixar por aqui.


Bibliografia


ARENDT, H. A vida do espírito. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2022.

ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

a pequena ilha da escócia



"Não está exatamente feliz, porém acha que não está triste, 
pois todo mundo é assim, não é?"


Sempre compro meus chick-lits de acordo com lugares que gostaria de estar. Foi assim com "A pequena ilha da Escócia", da escocesa Jenny Colgan. Logo na abertura do romance, ela comenta sobre os motivos que a levaram a escrever algo que mostrasse seu país. Apesar de ter viajado para vários lugares do mundo - muitos dos quais retratados em seus livros - Colgan pouco conhecia da sua própria terra natal, até retornar à Escócia após anos vivendo fora. Por ter nascido e crescido no sul, ainda não conhecia as Terras Altas e as ilhas ao norte, o que se propôs a fazer, encantando-se loucamente com tudo o que viu. Ela cita alguns lugares: Lewis, Harris, Bute, Órcades e Shetland.

Foi assim que criou a encantadora Mure, ilha fictícia bem ao norte da Escócia. Curiosa que sou, logo fui buscar as referências que a autora havia dado e não tenho dúvidas que trata-se de Shetland. Até pesquisei como chegar lá. Vontade de ir não falta.

"Mure é um lugar fictício, mas espero que transmita a essência e a atmosfera daquelas ilhas incríveis bem ao norte, que são tão estranhas, lindas e maravilhosas para mim - embora, claro, para as pessoas de pronúncia musical quem moram lá sejam apenas lar".

Shetland, uma das ilhas escocesa que inspirou a criação de Mure.
Imagino Flora percorrendo o caminho de areia

Fiquei me imaginando num lugar tão distante, tão frio, tão aconchegante e tão encantador. Ela tem tudo o que imagino para minhas férias. Só não aprovei a forma com que tratam e transportam as ovelhas, que viajam de lá para cá conforme os interesses comerciais envolvidos. Este não é o tema central do livro, mas me chamou a atenção.

"Ovelhas e vacas eram o principal interesse da família: ovelhas eram bichinhos robustos não muito bons de comer, mas que produziam lã resistente e macia que ia para tecelagens das outras ilhas e do continente, criando malhas, cobertores e tartãs de alta qualidade, e as vacas eram ótimas produtoras de leite."

Há ainda um cachorro, Bramble, que toda vez que seguia a protagonista pelas montanhas me deixava com o coração na mão. E se ele se perder? E se não voltar? E se se machucar? Claro que ele se machucou. Mas adianto que fica bem.

"O cachorro não a esquecera. Ele estava feliz além da conta por vê-la, pulando sem parar, fazendo um pouco de xixi no chão e dando o melhor de si para envolvê-la em sua alegria."

A história gira em torno de Flora Mackenzie, que saiu da pequena ilha para morar e trabalhar em Londres num grande escritório de advocacia. Lá, passa despercebida pelo board e nutre uma paixão platônica pelo chefe imediato, o Joel. Arrogante, mulherengo e ambicioso, o advogado nunca notou a moça, até o dia em que um importante cliente chega e pede que seu caso seja tratado diretamente por ela. Motivo: precisa de alguém que entenda a população de Mure e que o ajude a impedir que turbinas eólicas sejam colocadas na frente do hotel que pretende abrir.

A partir daí, a vida meio que sem sentido de Flora muda completamente. Primeiro, suas pernas ficam bambas ao ser vista pelo chefe. Depois, fica transtornada com o fato de que terá que retornar para casa. Algo que ainda não sabemos a fez sair de lá e, aparentemente, ser odiada pelos moradores da ilha.

Contudo, ela não tem outra alternativa a não ser atender a demanda da qual foi encarregada. E lá se vai. Voo de Londres até Inverness e um avião pequeno até sua ilha. Claro que todas a reconhecem, surgem questionamentos, silêncio do pai. Logo descobrimos que sua mãe morreu há pouco tempo e que ainda há muita dor e mal entendidos. Mas nada que justifique o temor dela em voltar. Exagero da autora. Aos poucos, vai se adaptando, reencontra o gosto pela culinária a partir do livro de receitas da mãe e vai (re)conquistando todos. Como parte do job que recebeu, tem que abrir um negócio para ajudar o cliente. Obviamente a escolha é por um café: Delícias de Verão, que faz sucesso com suas tortas, bolos, pães. Joel também vai para Mure e, apesar de inicialmente sentir-se totalmente descolado com seu terno caro, logo vai cedendo à beleza local. Aqui vale ressaltar que a região é muito bem descrita. A história começa no verão com seus dias permanentes lá no norte e termina com a aurora boreal e início do outono. Se há clichês? Todos possíveis, mas valeu pela viagem. Mure, me aguarde ;-)

domingo, 16 de outubro de 2022

o apartamento de paris



"Aprendi que observar é a arma mais poderosa."


Eu esperava bem mais deste livro de Lucy Foley, autora inglesa de suspense. Talvez mais mistérios e final surpreendente. O fato é que é um thriller fraco, fraco. A história se passa em um prédio chique de Paris onde vive o jornalista Ben, irmão da nossa protagonista, Jess. Ambos britânicos. Ele já está na França há algum tempo. Ela parte para lá após perder o emprego na esperança de encontrar abrigo no apartamento de Ben, que não fica muito feliz com a notícia de sua chegada. Ao surgir na porta do edifício, Jess já estranha. A sofisticação do lugar não é algo que parece combinar com o irmão. Além disso, ele simplesmente desapareceu, deixando carteira e tudo mais.

Para piorar, os vizinhos e a zeladora são bastante hostis. Temos uma garota meio gótica perdida em seus próprios pensamentos, um fundador de startups fracassado (mas de família rica), um casal que parece viver de aparências e outro casal mais novo que acaba de se separar. A zeladora parece um fantasma. Lá pelas tantas, descobrimos que todos estão extremamente conectados. Achei bem sinistro.

O fato é que ninguém colabora com a menina, que conforme os dias passam vai ficando cada vez mais desesperada com o sumiço do irmão. Ao contrário, parecem fazer de tudo para que ela não consiga atingir seu objetivo. Enfim, Jess terá que lidar com eles e passa a contar com a ajuda do editor de Ben, a quem ele havia prometido um grande furo de reportagem. Talvez esteja aí a charada. E a polícia? Também comprometida com o pessoal do prédio, ao que parece. E é isso até o final, que não tem nada demais. Há a tentativa superficial de abordar o tráfico de mulheres para prostituição, mas está longe de contribuir com qualquer discussão. Podem pular a leitura.

domingo, 25 de setembro de 2022

a realeza americana


"Uma boa rainha aprende com os próprios erros, 
mas uma grande rainha aprende com os erros alheios."

Quando a Rainha Elizabeth II morreu, eu iniciei a leitura de "A realeza norte-americana", que mostra como seria a monarquia nos Estados Unidos, caso George Washington tivesse recebido uma coroa após a Guerra da Independência contra a Inglaterra. O povo seria governado por seus descendentes, que se tornaram a realeza mais admirada do mundo. Teríamos duques e condes de Boston, de Seattle, de Nova York etc. Claramente inspirada na realeza britânica, esta versão da escritora norte-americana Katharine McGee não traz nada de novo. Aqui e ali vemos traços de Betinha, seus filhos e netos. Claro que numa versão muito mais descontraída e amigável (a cara da América, afinal). Tem até uma tia Margaret que se apaixona por um piloto de avião. Estereótipos e clichês não faltam. Tudo começa com o drama de Beatrice, a filha mais velha do rei, que tem que escolher o futuro marido no baile organizado pelos pais. Em paralelo, acompanhamos seus irmãos gêmeos, a princesa Samantha e o príncipe Jefferson. Ambos rebeldes e que vivem aprontando para chamar a atenção. Como primeira na linha de sucessão, Beatrice tem uma vida mais regrada, exemplo de boa moça destinada ao trono. Ocorre que acaba se apaixonando pelo guarda-costa. Já Samantha se apaixona pelo pretendente da irmã, enquanto Jeff larga a namorada (supostamente) perfeita (e ambiciosa) para ficar com a plebéia Nina. Olha, dizer que é um livro ruim seria até um elogio. Não sei como consegui concluir a leitura :/

sábado, 10 de setembro de 2022

o palácio de papel



"A espera começa cedo, acho. As mentiras começam cedo. Mas também os sonhos e as esperanças e as histórias."


"Olhamos o futuro e o passado,

E ansiamos pelo que não

existe:

No nosso riso mais

impensado

Certa dor persiste;

Nossas canções mais doces

falam

do pensamento mais triste."


Percy Bysshe Shelley (To a Skylark)


Sim, sou daquelas que compram livros pela capa. Neste caso, me chamou a atenção durante um passeio pela livraria com minha amiga. Nós duas nos interessamos por este livro, que se destacou dentre outros que aleatoriamente pegávamos nas prateleiras.

Concordo que não se trata da capa mais bonita que eu já vi, mas o título, aliado à sinopse, foi suficiente para que começássemos a leitura. E, de fato, "O palácio de papel", romance de estreia da norte-americana Miranda Cowley Heller e diretora da HBO, começou muito bem. Acompanhamos 24 horas na vida de Elle Bishop, que reflete sobre o que fez na noite anterior, quando transou, pela primeira vez, com o melhor amigo após o jantar entre as duas famílias. Casada com o inglês Peter, tem 50 anos e três filhos.

O amigo é Jonas, com quem compartilha importantes passagens da vida. Eles se conheceram ainda crianças em Cape Cod, litoral dos Estados Unidos, onde passavam os verões. Fiquei com muita vontade de visitar o cenário apresentado. "Esta é minha hora favorita em Back Woods. O amanhecer na lagoa, sem mais ninguém acordado." (também adoro esses momentos.)

O título faz alusão à casa da família de Elle, que há anos é seu refúgio. O nome foi dado pelo avô, que, sem muitos recursos, a construiu usando papelão prensado. E é justamente nesta casa que estamos, o local que pode dar as respostas que Elle precisa: ficar com o marido, que, sim, ama, ou com Jonas, sua eterna paixão. A narrativa, embora linear no momento presente, volta ao passado para mostrar sua infância e adolescência. Retoma ainda passagens da mãe e avó. As três carregando mentiras e muito, muito silêncio diante das violências sexuais e domésticas que sofreram. Inclusive, é neste dia que ela começa a entender sua mãe, com quem tem difícil relacionamento. Adianto que todas comeram o pão que o diabo amassou.

O livro é bom, todavia, com altos e baixos. Apesar de tanta desgraça, há certo alívio cômico nas frases da protagonista, como "odeio pegar pessoas no aeroporto. É um gesto que quase sempre dá errado." (super concordo) E é bonito acompanhar o amor de Jonas e Elle. Paixão que foi destruída por causa de uma tragédia, precedida por abusos e vergonha. Anos mais tarde eles têm a oportunidade de se aproximar, mas isso não acontece. Elle se casa com Peter e segue sua vida, mas Jonas se mantém presente como amigo. Até as férias em que tudo ruiu. Ou não, a depender do ponto de vista. "Desapego significa perder tudo o que você tem ou significa ganhar tudo o que você nunca teve?"

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

pedagogia da esperança



"Mais importante que saber é nunca
perder a capacidade de aprender."


Pedagogia da Esperança”, de 1992, de Paulo Freire, repassa todo o processo de criação da sua teoria sobre a pedagogia do oprimido, que foi lançada em livro entre o fim da década de 60 e início dos anos 70. Vale ressaltar que a obra foi impressa em vários outros idiomas antes de chegar, de maneira legal, ao Brasil. Isto porque, na época, Freire estava exilado no Chile. Suas ideias progressistas não estavam em sintonia com o pensamento da ditadura e dos que nos governavam. Foi preciso a ajuda de uma freira para que algumas cópias chegassem por aqui.

"Conheci, nesta época, uma jovem freira norte-americana que trabalhava no Nordeste e que me disse ter entrado algumas vezes no Brasil, no regresso de suas viagens aos Estados Unidos, com alguns exemplares da Pedagogia, sobre cuja capa original ela punha capas de livros religiosos. Desta forma, amigos seus, que trabalhavam em periferias de cidades nordestinas, puderam ler o livro e discuti-lo antes mesmo de sua publicação em português."

Para além da revisitação da obra que contribuiu com vários movimentos de libertação ao redor do mundo, a narrativa de Freire é uma delícia. Vai totalmente ao encontro do que entende sobre um bom texto. É enfático ao dizer que escrever difícil não é sinônimo de trabalho científico bem feito. Pelo contrário, o texto deve ser bonito, elegante, compreensível.

"Ler um texto é algo mais sério, mais demandante. Ler um texto não é "passear" licenciosamente, pachorrentamente, sobre as palavras. É apreender como se dão as relações entre as palavras na composição do discurso. É tarefa de sujeito crítico, humilde, determinado."

Portanto, a leitura desta obra também é um grande aprendizado sobre o ato de escrever. A vivência sempre precedia a redação. Mas seu exercício não parava aí. Antes de colocar as palavras no papel, as ideias eram compartilhadas com amigos, em seminários. Eram testadas em grupos que o procuravam e, assim, recriadas, sempre que necessário. E como lhe dava prazer saborear as palavras que surgiam, formando sentenças, transformando-se na teoria que iria inspirar gerações. Mesmo que você não tenha interesse na metodologia de Freire, leia, sobretudo se gosta de pesquisa. O livro, por si só, é um grande ensaio sobre como um trabalho científico deve ser conduzido. Para ele, sempre interessou muito mais o processo no qual os conceitos surgem do que o produto final, por assim dizer.

"O tempo de escrever, diga-se ainda, é sempre precedido pelo de falar das ideias que serão fixadas no papel. Pelo menos foi assim que se deu comigo. Falar delas antes de sobre elas escrever, em conversas de amigos, em seminários, em conferências, foi também uma forma de não só testá-las, mas de recriá-las, de repartejá-las, cujas arestas poderiam ser melhor aparadas quando o pensamento ganhasse forma escrita com outra disciplina, com outra sistemática. Neste sentido, escrever é tão refazer o que esteve sendo pensado nos diferentes momentos de nossa prática, de nossas relações com, é tão recriar, tão redizer o antes dizendo-se no tempo de nossa ação quanto ler seriamente exige de quem o faz, repensar o pensado, reescrever o escrito e ler também o que antes de ter virado o escrito do autor ou da autora foi uma certa leitura sua."

"O gosto com que me entregava àquele exercício, à tarefa de ir como que me gastando no escrever e no pensar, inseparáveis na criação ou na produção do texto, me compensava o déficit de sono com que voltava das viagens. Já não tenho na memória os nomes dos hotéis onde escrevi pedaços do quarto capítulo da Pedagogia, mas guardo em mim a sensação de prazer com que relia, antes de dormir, as últimas páginas lidas."

O fato é que sua produção foi essencial para que vários militantes da educação pudessem ir ao embate, fazendo valer a esperança. E aqui destaco a definição de Freire sobre esperança. Ela é importante para nos manter vivos e nos levar aonde queremos chegar. Porém, de nada serve se não a usarmos como estopim da nossa própria luta. Esse espírito fez com que viajasse por praticamente toda a América Latina e também por países colonizados por Portugal na África, sempre procurado por pessoas que, com seus escritos nas mãos, viam nele a pessoa que poderia dar vazão aos projetos revolucionários que tinham sobre independência, igualdade e transformação.

"Sem o mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma certa educação da esperança. É que ela tem uma tal importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e o desespero. Desesperança e desespero, consequência e razão de ser da inação ou do imobilismo."

"Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim, convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da esperança crítica, como o peixe necessita da água despoluída."

Sua primeira esposa, Elza, foi fundamental na construção do seu trabalho. Era a quem Paulo Freire sempre recorria quando precisava de conselhos. Foi quem o fez ver, a partir de um comentário à pessoa que convidava o marido a fazer parte do recém-criado Sesi (Serviço Social da Indústria), que seu lugar era a Educação, o magistério, e que sem isso não faria sentido ele aceitar o cargo. Foi neste período que ele também abandonou a recém carreira de advogado, despedindo-se do dentista que seria seu primeiro e último cliente.

"E que fará Paulo nesse órgão? Que poderá ele propor a Paulo, além do necessário salário, no sentido de que ele exercite sua curiosidade, se entregue a um trabalho criador que não o leve a morrer de tristeza, a morrer de saudade do magistério de que ele tanto gosta?"

A partir daí, foi dada a largada à sua profissão e ao trabalho de décadas em torno da educação progressista transformadora. Por meio de seus relatos, encontramos outro fator determinante para a metodologia que passaria a adotar. Logo no começo de sua jornada, realizou, sem muitos recursos, uma pesquisa com pais no Estado de Pernambuco. Chegou a conclusão de que os castigos violentos às crianças se davam sobretudo na área urbana de Recife, na Zona da Mata e no sertão. Havia ausência quase total nas áreas pesqueiras. Era como se os pais compartilhassem com o mar o dever de educar os filhos. Por outro lado, a taxa de absenteísmo era alta, já que as crianças eram consideradas livres, inclusive para ir ou não à escola.

"Parecia que, nestas áreas, o horizonte marítimo, as lendas sobre a liberdade individual, de que a cultura se acha 'ensopada', o confronto dos pescadores em suas precárias jangadas com a força do mar, empreitada para homens livres e altaneiros, as fantasias que dão cor às estórias fantásticas dos pescadores, tudo isso teria que ver com um gosto de liberdade que se opunha ao uso sobretudo do castigos violentos."

Freire chama os pais para apresentar a pesquisa e o depoimento de um deles coloca em cheque todo o discurso sobre educação que havia preparado. O homem, de quem não se lembra o nome (aliás, este ponto é curioso. Freire não guarda nomes das pessoas que o influenciaram, de certa forma), o faz ver que apesar de boas intenções, seu processo não condizia com sua teoria. Primeiro, pergunta se o professor tinha ideia de como era a casa dos habitantes da região e em que condições viviam, sem espaço, sem recursos, sem possibilidade de sonhar. Depois, descreve com perfeição, mesmo sem nunca ter visitado, a casa de Freire. Ou seja, a desigualdade era gritante. E o educador não considerava, até então, este contexto para o ensino que propunha.

"O senhor chega em casa cansado. A cabeça até que pode doer no trabalho que o senhor faz. Pensar, escrever, ler, falar esses tipos de fala que o senhor fez agora. Isso tudo cansa também. Mas - continuou - uma coisa é chegar em casa, mesmo cansado, e encontrar as crianças tomadas banho, vestidinhas, limpas, bem comidas, sem fome, e a outra é encontrar os meninos sujos, com fome, gritando, fazendo barulho. E a gente tendo que acordar às quatro da manhã do outro dia pra começar tudo de novo, na dor, na tristeza, na falta de esperança. Se a gente bate nos filhos e até sai dos limites não é porque a gente não ame eles não. É porque a dureza da vida não deixa muito pra escolher."

Obviamente que nada justifica o espancamento que as crianças recebiam. Fez, porém, que Paulo Freire se afundasse na cadeira, envergonhado do seu próprio discurso e comportamento, sendo o estopim para a mudança de atitude. Mais do que se fazer entender, é preciso entender o que o outro está dizendo.

"Foi o ponto culminante no aprendizado há muito iniciado - o de que o educador ou educadora progressista, ainda quando, às vezes, tenha de falar ao povo, de ir transformando o ao em com o povo. E isso implica o respeito ao 'saber de experiência feito' de que sempre falo, somente a partir do qual é possível superá-lo."

O que ele quer dizer é que o educador não sabe tudo. Assim como não podemos dizer que os alunos são espaços vazios a serem preenchidos. Eles têm histórias e podem, e devem, transmitir conhecimento.

"Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo molhado de nossa história, de nossa cultura; as memórias, às vezes difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da adolescência; a lembrança de algo distante que, de repente, se destaca límpido diante de nós, em nós, um gesto tímido, a mão que se apertou, o sorriso que se perdeu num tempo de incompreensões, uma frase, uma pura frase possivelmente já olvidada por quem a disse. Uma palavra por tanto tempo ensaiada e jamais dita, afogada sempre na inibição, no medo de ser recusado que, implica a falta de confiança em nós mesmos, significa também a negação do risco."

A educação progressista permite a abordagem de conflitos sociais por meio de análises críticas do contexto histórico e social de todos os que estão envolvidos na discussão. Ela contribui para enfraquecer os opressores à medida em que os oprimidos ganham confiança ao compartilhar suas histórias e crenças.

"A imaginação e a conjectura em torno do mundo diferente do da opressão são tão necessárias aos sujeitos históricos e transformadores da realidade para sua práxis quanto necessariamente fazem parte do trabalho humano que o operário tenha antes na cabeça o desenho, a 'conjectura' do que vai fazer. Aí está uma das tarefas da Pedagogia da esperança - a de possibilitar nas classes populares o desenvolvimento de sua linguagem, jamais o bla-bla-blá autoritário e sectário dos 'educadores', de sua linguagem, que, emergindo da e voltando-se sobre sua realidade, perfile as conjecturas, os desenhos, as antecipações do mundo novo. Está aqui uma das questões centrais da educação popular - a da linguagem como caminho de invenção popular - a da linguagem como caminho de invenção da cidadania."

"No fundo, o que eu quero dizer é que o educando se torna realmente educando quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos, os objetos cognoscíveis, e não na medida em que o educador vai depositando nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos."

"Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no mundo e não da pura adaptação ao mundo, terminaram por ter no sonho também um motor da história. Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança."

Outro ponto interessante é a preocupação do autor com a linguagem. Já no início da década de 90, ele mostrava a importância de superarmos o discurso autoritário e machista. Porém, com o reforço de que nada adianta o discurso democrático com práticas coloniais. Muito desta ansiedade veio por meio de alertas de suas leitoras, incomodadas com o uso do masculino em praticamente toda a sua Pedagogia do oprimido. Por exemplo, o uso de "os homens fazem isso e aquilo" ao se referir à humanidade. Por que não as mulheres?, questionavam.

"A recusa à ideologia machista, que implica necessariamente a recriação da linguagem, faz parte do sonho possível em favor da mudança do mundo. Por isso mesmo, ao escrever ou falar uma linguagem não mais colonial, eu o faço não para agradar a mulheres ou desagradar a homens, mas para ser coerente com minha opção por aquele mundo menos malvado de que falei antes."

"Não é puro idealismo, acrescente-se, não esperar que o mundo mude radicalmente para que se vá mudando a linguagem. Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação linguagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória. É claro que a superação do discurso machista, como a superação de qualquer discurso autoritário, exige ou nos coloca a necessidade de, concomitantemente com o novo discurso, democrático, antidiscriminatório, nos engajarmos em práticas também democráticas."

Ele fala de linguagem neutra, mas não de educação neutra. Sobre este aspecto é bem taxativo. A educação é sempre diretiva. Não existe discurso neutro. Não importa se autoritária ou democrática. O importante, é deixar claro a sua posição sem, contudo, interferir na capacidade criadora das alunas e dos alunos. Ou seja, o professor tem uma opinião, tem uma lado. Mas o aluno pode ter outro. O respeito sempre pela vivência e pelas opiniões tem que predominar na sala de aula, mesmo que extremamente contrárias.

"O que sobretudo me move a ser ético é saber que, sendo a educação, por sua própria natureza, diretiva e política, eu devo, sem jamais negar meu sonho ou minha utopia aos educandos, respeitá-los. Defender com seriedade, rigorosamente, mas também apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma preferência, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, o direito ao discurso contrário, é a melhor forma de ensinar, de uma lado, o direito de termos o dever de "brigar"por nossas ideias, por nossos sonhos e não apenas de aprender a sintaxe do verbo haver, de outro, o respeito mútuo."

"Minha questão não é negar a politicidade e a diretividade da educação, tarefa de resto impossível de ser convertida em ato, mas, assumindo-as, viver plenamente a coerência entre minha opção democrática e a minha prática educativa, igualmente democrática. Meu dever ético, enquanto um dos sujeitos de uma prática impossivelmente neutra - a educativa -, é exprimir o meu respeito às diferenças de ideias e de posições. Meu respeito até mesmo às posições antagônicas às minhas, que combato com seriedade e paixão."


Resumindo, quando fala sobre educação transformadora, Paulo Freire quer dizer algo que vai além, por exemplo, de aulas expositivas em que o professor fala e fala, apenas transferindo seu conhecimento aos alunos. Algo que foge do que ele chama de cantigas de ninar, as aulas que 'domesticam' e fazem com que o aluno seja embalado. Aliás, seu objetivo é tirar o foco do educador em sala. O saber vem da experiência e quanto mais compartilhada ela for, melhor será para todos.

"Se o pensamento do educador ou da educadora anula, esmaga, dificulta o desenvolvimento do pensamento dos educandos, então o pensar do educador, autoritário, tende a gerar nos educandos sobre quem incide um pensar tímido, inautêntico ou, às vezes, puramente rebelde."

Dele, só discordo quando diz que os outros animais (os não humanos) não são capazes de transformar a vida em existência, diferentemente de nós. Nós não olhamos com os olhos dos animais, não sentimos como eles sentem. O máximo que podemos fazer é falar por eles, ainda que não tenhamos exatamente as mesmas experiências pelas quais eles passam. Mas bell hooks, que se inspirou em Paulo Freire, endossa a importância da educação e também de como podemos aprender a partir do que não vivenciamos. Sua paixão é a troca de experiências. Os alunos podem também adquirir conhecimento a partir do que não viveram. Por isso, em suas aulas, incentiva as pessoas a falarem sobre suas vidas, percepções, de modo a criar um espaço de livre expressão. E assim iniciar a mudança que entendemos ser necessária.

"Se formos todos emocionalmente fechados, como poderá haver entusiasmo pelas ideias? Quando levamos paixão à sala de aula, nossas paixões coletivas se juntam e frequentemente acontece uma reação emocional, que pode ser muito forte." hooks (2017:207)


Trechos

"Me sinto levado a repetir, enfatizando minha posição que a prática democrática em coerência com o meu discurso democrático, que fala de minha opção democrática, não me obriga ao silêncio em torno de meus sonhos nem tampouco a crítica necessária ao que Amílcar Cabral chama de 'negatividades da cultura' me torna um 'invasor elitista' da cultura popular. A crítica e o esforço para superar essas 'negatividades' não são apenas indicáveis mas indispensáveis. No fundo, isso tem que ver com a passagem do conhecimento ao nível do 'saber de experiência feito', do senso comum, para o conhecimento resultante de procedimentos mais rigorosos de aproximação aos objetos cognoscíveis. E fazer essa superação é um direito que as classes populares têm."

"O que não podemos como seres imaginativos e curiosos, é parar de aprender e de buscar, de pesquisar a razão de ser das coisas. Não podemos existir sem nos interrogar sobre o amanhã, sobre o que virá, a favor de que, contra que, a favor de quem, contra quem virá; sem nos interrogar em torno de como fazer concreto o 'inédito viável' demandando de nós a luta por ele."

"O papel do educador ou da educadora progressista, que não pode nem deve se omitir, ao propor sua "leitura do mundo", é salientar que há outras 'leituras de mundo', diferentes da sua e às vezes antagônicas a ela."

"Um acontecimento, um fato, um gesto de amor ou de ódio, um poema, um livro se acham sempre envolvidos em densas tramas, tocados por múltiplas razões de ser de que algumas estão mais próximas do ocorrido ou do criado, de que algumas são mais viáveis enquanto razão de ser."

"Uma das tarefas da educação popular progressista, ontem como hoje, é procurar, por meio da compreensão crítica de como se dão os conflitos sociais, ajudar o processo no qual a fraqueza dos oprimidos se vai tornando força capaz de transformar a força dos opressores em fraqueza. Esta é uma esperança que nos move."

"O que eu defendo e sugiro é a ruptura radical com o colonialismo e a recusa igualmente radical ao neocolonialismo. A superação da burocracia colonial, como cheguei a sugerir aos governos de Angola, de Bisau, de São Tomé e Príncipe; a superação da burocracia colonial, a formulação de uma política cultural que levasse a sério a questão das línguas nacionais, chamadas pelos colonizadores pejorativamente dialetos."

"É a defesa veemente de posições humanistas que jamais resvalam em pieguismos. É a compreensão da história em cujas tramas o livro procura entender o de que fala, é a recusa a posições dogmáticas sectárias, é o gosto da luta permanente, gerando esperança, sem a qual a luta fenece. É a oposição já nele embutida contra os neoliberalismos que temem o sonho, não o impossível, pois que esse não deve sequer ser sonhado, mas o sonho que se faz possível, em nome das adaptações fáceis às ruindades do mundo capitalista."

"A classe dominante, enterrando milhares de frangos, preferia perder naquele momento para voltar a ganhar amanhã, sem riscos. Isto é luta de classes."

"A Universidade tem de girar em torno de duas preocupações fundamentais, de que se derivam outras e que têm que ver com o ciclo do conhecimento. Este, por sua vez, tem apenas dois momentos que se relacionam permanentemente: um é o momento em que conhecemos o conhecimento existente, produzido; o outro, o em que produzimos o novo conhecimento. Ainda que insista na impossibilidade de separarmos mecanicamente um momento do outro, ainda que enfatize que são momentos de um mesmo ciclo, me parece importante salientar que o momento em que conhecemos o conhecimento existente é preponderantemente o da docência, o de ensinar e aprender conteúdos, e o outro, o da produção do novo conhecimento, é preponderantemente o da pesquisa. Na verdade, porém, toda docência implica pesquisa e toda pesquisa implica docência."


domingo, 17 de abril de 2022

o pequeno café de copenhague



"Às vezes, alguém precisa dar o primeiro
passo para mudar as coisas."

Já não esperava muito deste livro quando o comprei, mas ainda assim ficou aquém das minhas expectativas. História fraquinha, fraquinha. Pensei que eu fosse me encantar mais com Copenhague e com o jeito hygge de ser dos dinamarqueses. A única contribuição foi um olhar mais atento à decoração da minha casa e à harmonia dos espaços. Realmente, este cuidado para termos um ambiente mais aconchegante e fofo traz serenidade.

Em "O pequeno café de Copenhague", da britânica Julie Caplin, a protagonista é a relações-públicas Kate, que trabalha em uma das mais expressivas agências do da Inglaterra. Seu objetivo é receber uma promoção e ela acredita piamente que seu dia chegou. Contudo, suas expectativas são derrubadas quando o ex-namorado, também colega de trabalho, é anunciado para o cargo que ela almejava. Pior: por uma ideia que foi roubada dela em um de seus encontros. Mesmo arrasada, ela não desiste de mostrar o quanto é boa no que faz e assume o desafio de conquistar um novo cliente para a empresa, um dinamarquês que quer levar para a Inglaterra um pouco do seu país. E assim ela promove uma press trip para a Dinamarca a fim de apresentar o hygge a seis jornalistas e influenciadores digitais. Claro que muita coisa dá errado. Claro que haverá um crush. Claro que tudo dá certo no final e ela será vista como a grande heroína. E é isso. Podem dispensar a leitura. Caso queiram algo leve para uma viagem, deixo aqui outras dicas:


A casa dos novos começos

O segredo da felicidade


A pequena livraria dos sonhos

sexta-feira, 4 de março de 2022

duas vidas




"Você tem duas vidas. A segunda começa quando você descobre que só tem uma." Confúcio


Chorei e chorei ao ler esta HQ linda demais da conta. A história se passa na França e mostra o relacionamento e as diferenças entre dois irmãos. De um lado temos Baudouin, que trabalha em uma grande empresa e que conta os dias para sua aposentadoria, e faz isso literalmente com a ajuda de um cronômetro. Seu chefe é o estereótipo de gestor que não está nem aí para o funcionário e que só quer que os relatórios sejam entregues. Baudouin não gosta do que faz, mas ainda assim se mantém em sua rotina entediante. Seu único amigo é um gato. Já Luc é médico e trabalha como voluntário em Benin, na África. Está sempre organizando festas, encontros e buscando brechas para aproveitar a vida. Em um de seus retornos a França, vai almoçar com o irmão e o questiona sobre sua frustração profissional. Baudouin se incomoda e os dois acabam se desentendendo. Mas Luc não desiste, principalmente quando o irmão descobre um caroço embaixo do braço. Após tanta insistência e incentivo, e com um diagnóstico nada favorável de sua saúde, Baudouin se rebela, dá um soco no chefe e parte para a África com Luc. Redescobre a música, sua antiga e verdadeira paixão, conhece uma garota e passa ótimos momentos com Luc. Até que algo inesperado acontece, mostrando o quanto ele estava errado em relação a tudo que sempre acreditou. Há vários capítulos com flashbacks, que são diferenciados pela cor e que nos dão uma ideia dos motivos que levaram às escolhas dos protagonistas. Os traços são simples, mas carregados de emoção. HQ maravilhosa <3


sábado, 5 de fevereiro de 2022

longa pétala de mar



"Sem ciência, indústria e técnica não há progresso possível, e sem música e arte não há alma."


Este é meu primeiro contato com a chilena Isabel Allende. E já quero mais. "Longa pétala de mar" é daqueles livros que não conseguimos largar. A narrativa começa durante a Guerra Civil Espanhola, confronto entre republicanos, ligados ao comunismo, e nacionalistas, alinhados com o fascismo e nazismo. Estima-se que tenha deixado mais de meio milhão de mortos entre 1936 e 1939, período em que os conflitos aconteceram.

É neste cenário que conhecemos o jovem médico do exército republicano Vitor Dalmau. Toda a sua dedicação à medicina começa quando salva um garoto que estava com o peito aberto e coração exposto. Com as próprias mãos consegue reanimar o órgão, devolvendo o rapaz à vida. Mas seu irmão, Guillen, não tem a mesma sorte e morre deixando a namorada, Roser Bruguera, grávida. Ela havia sido acolhida pelo pai deles, que viu na moça uma promissora pianista. E durante muito tempo cuidou de Guillen, quando ele retornou de uma das batalhas totalmente desenganado. Não demora e os dois se apaixonam. Mas Guillen volta ao combate e não resiste. Com o avanço dos inimigos e preocupado com a família, que já não tem mais o pai que também morreu, Vitor faz de tudo para tirar a mãe, Carme, e Rose da Espanha. Com a ajuda de um amigo, as duas seguem para França. Carme, porém, fica pelo caminho, pois não consegue deixar a terra natal e cheia de lembranças. Já Rose fica em um abrigo até reencontrar Vitor meses depois. É quando entra em cena o poeta chileno Pablo Neruda, que ajudou mais de dois mil espanhóis a buscarem exílio em seu país. Vitor vê no cargueiro Winnipeg a chance de sobreviver e salvar a cunhada e o sobrinho, que já nasceu. Porém, há algumas regras a serem obedecidas, e uma delas é que só quem é casado pode embarcar junto. Então, eles se casam e partem.

No Chile, ele prosperou na medicina e ela na música. Ele assume o filho do irmão, que o tem como seu pai. A relação de Vitor e Rose é baseada na amizade, o que deixa ambos livres para outros relacionamentos. Nessa, Vitor se envolve com a filha de uma tradicional família chilena, o que rende momentos dolorosos, principalmente para a moça. O livro está dividido em três momentos: guerra e êxodo, amores e desencontros, retornos e raízes. Lá pelas tantas, Vitor e Rose retornam à Espanha, mas apenas para descobrirem que o lugar deles está no Chile, a Pétala do Mar. Para escrever o romance, Allende se baseou em fatos e pessoas reais, como Vitor, um engenheiro que conheceu. O resgate feito por Neruda também aconteceu. Assim como o golpe de estado que derrubou o regime democrático em 1973 no Chile, assim como o presidente Salvador Allende, tio da escritora. E o fim? Quando parece que nada mais há de ser feito, surge algo que nos enche, novamente, de vida. Vale pelo romance. Vale pela aula de história.

domingo, 2 de janeiro de 2022

o clube de biscoitos



"Aprendi que, mesmo que você faça tudo como deve ser feito, as coisas podem dar terrivelmente errado; portanto, é melhor fazer o que seu coração mandar."


Comprei este livro pouco depois das festas de fim de ano de 2020 e deixei reservado para ler no natal seguinte. E, confesso, foi pela capa. O ginger bread brilhando me conquistou.

"O clube do biscoito", da norte-americana Ann Pearlman, é narrado em primeira pessoa por Marnie, que há anos organiza o tal clube do título, que se reúne uma vez por ano para trocar biscoitos, receitas e histórias, muitas histórias. Ela começa nos mostrando as regras, dentre as quais: somente doze mulheres podem participar. Nunca, jamais, never podem deixar de comparecer às reuniões, sob pena de perderem seu lugar. Cada uma deve preparar treze dúzias de biscoitos caseiros, sendo que uma para cada participante e a outra a ser doada para alguma instituição de caridade. Na sequência, acompanhamos Marnie com os preparativos para o grande dia. O encontro é sempre em sua casa e é muito gostoso ver o cuidado que ela dedica para receber as amigas, algumas de longas datas. Prepara o ambiente, arruma a árvore de Natal, a mesa com petiscos, abre um vinho, deixa a cama pronta para os inúmeros casacos que serão retirados. Estamos nos Estados Unidos e a temperatura está bem baixa. A sensação é de um ambiente bem aconchegante. Tenho vontade de ir para lá e me juntar ao que está por vir. Paralelamente, ela nos apresenta, por meio de lembranças, sua própria vida, suas filhas, namorado e dilemas. Aos poucos, as convidadas vão chegando, trazendo seus biscoitos, um prato para a noite, seus problemas e resoluções. Da mesma forma, suas histórias nos são contadas. Neste ponto, o livro começa a ficar enfadonho e repetitivo. O ritual consiste em uma rodada na qual todas devem apresentar seus biscoitos (lindamente embalados para presente e as mulheres são bem criativas neste ponto), como foram feitos e o que há por trás das receitas. Como são doze, imagine! Ainda assim, foi uma leitura leve e que me contaminou com o espírito natalino, principalmente por conta da bela amizade entre as personagens. Só não fiquei com vontade de testar as receitas dos biscoitos elaborados, todas muito bem descritas e bem complicadas (no meu entendimento). Mas arrisquei uma receita vegana que vi em outro lugar com minha filha. E foi super divertido! Ah, interessante também ler sobre a origem dos principais ingredientes utilizados, como o açúcar, nozes, alecrim, dentre outros, que abrem cada capítulo :-)

Feliz 2022.