"Estou aqui sozinha, meu
marido jaz morto no chão,
e eu algemada à cama. Posso gritar até ficar roxa
e não vai adiantar nada; ninguém vai ouvir."
e eu algemada à cama. Posso gritar até ficar roxa
e não vai adiantar nada; ninguém vai ouvir."
Bem
que me avisaram para terminar as últimas páginas de “Jogo Perigoso”, de Stephen
King, tomando chá de camomila. Cenas fortes, de fato, vieram. Se você não gosta
de sangue, cortes e vidros, talvez tenha alguma dificuldade para prosseguir a
leitura. De todo modo, junto com “Joyland” (que é fofo), esse livro entrou na
lista dos meus favoritos do autor.
O
enredo é tenso e curioso, e foi o que me levou a lê-lo. Mulher vai com
marido para uma casa no meio do nada no Maine (sempre o Maine). A ideia é fazer alguns jogos eróticos usando
algemas. Ele a amarra na cama e... cai morto. E aí? Como ela sairá desta?
"Esforçou-se par ampliar a oração e só lhe ocorreu uma coisa que Nora Callighan lhe ensinara, uma oração que hoje em dia andava na boca de todos os vigaristas de autoajuda e dos gurus de merda: - Deus, me dê serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar as coisas que posso e sabedoria para saber diferenciá-las. Amém. Nada mudou. Não sentiu serenidade, nem coragem, muito menos sabedoria. Continuava a ser apenas uma mulher com os braços inertes e um marido morto, algemada aos pilares da cama como um cão vadio acorrentado ao poste de um quintal e condenado a morrer, sem ninguém notar nem lamentar, enquanto o dono cachaceiro passa trinta dias no xadrez municipal por dirigir sem licença e alcoolizado."
Toda
a história é contada por um narrador onisciente e onipresente. Como
está sozinha, a moça, Jessie, conversa com várias vozes do seu passado e
presente. Uma amiga da universidade, sua versão da infância e também com um alter
ego. Todas dando conselhos do que seria possível fazer naquela situação angustiante.
Logo, vêm as cãibras, dores musculares, sede, fome, vontade de urinar, alucinações
(ou não). Horrível. O livro não é curto, o que faz com haja algumas
enrolações cá e lá para dar conta de todas as páginas. Para tanto, Jessie vai
recordar de toda sua infância, adolescência, casamento etc. Um segredo guardado
por toda a vida, e que sempre a atormentou, surge para tornar suas horas ainda
piores.
"Devia haver uma lei obrigando as pessoas a tirarem uma carteira, ou pelo menos uma licença de aprendizagem, antes de poderem falar. Até passarem no Teste de Conversa, teriam de ficar mudas. Isto resolveria um bocado de problemas."
Você
não vai querer largar a leitura até descobrir o desfecho desta encrenca em que
a protagonista se meteu. Se bem que o fim poderia ter sido um pouquinho melhor. Mas a leitura não deixa de ser eletrizante.
Ilustração encontrada no blog Blood on Wax |
Agora,
o que realmente mexeu comigo não foi nem tanto o sofrimento de Jessie. Okay,
fiquei com pena, sim. Mas há na história um cachorro abandonado que, de certa forma, passa a fazer companhia a ela. Não vou dizer aqui
exatamente como, pois estragaria as surpresas do livro. Ocorre
que tem um capítulo específico que vai detalhar a forma com que este cão foi
literalmente jogado fora e em que condições ele surge. É de partir o coração. Um
advogado o comprou por insistência da filha. Depois de algum tempo, a menina
enjoou do animal. Como não concordava com a taxa municipal/estadual que
precisaria pagar para manter sua guarda (parece que isso existe nos EUA), o pai aproveitou o desinteresse da
filha e deu fim ao Príncipe (nome do cão). Ele foi largado numa estrada. Pelo
retrovisor, o idiota do 'dono' ainda vê os olhos do animal acompanhando o carro. E tudo o que faz é assoviar, achando que o coitado do animal está melhor sendo livre. Resultado: em dois meses, o cachorro perde metade do peso, o vigor. Anda amedrontado e com
muita, muita fome.
Aqui estão alguns trechos que relatam a aparência dele. SK
também entra nos pensamentos do animal, nos dando uma visão perfeita do que está passando.
#nãocompre #adote #jamaisabandone
“O ódio e o medo do cachorro tinha desaparecido. Viu sua esqualidez e as bardanas presas no pelo embaraçado – uma pelagem fina demais para oferecer proteção contra o inverno que se aproximava. E, principalmente, viu a maneira com que ele se encolhia diante da luz, as orelhas caídas, o traseiro agachado. Não achei que fosse possível, pensou, mas acho que encontrei alguém ainda mais desgraçado do que eu.”
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