quinta-feira, 19 de novembro de 2015
escuridão total sem estrelas
Quando eu era criança/adolescente costumava ler a coluna, de contos curtíssimos, de Voltaire de Souza (pseudônimo de Marcelo Coelho) no Notícias Populares. Aquele jornal que “se espremer sai sangue”, como diziam, e que teve sua última edição em 2001, depois de quase quarenta anos nas bancas. Há um livro que relembra toda a história do periódico, “Nada mais que a verdade”, escrito por Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima, e que merece uma resenha. Mas voltemos aos textos de Voltaire de Souza. Outro dia me deparei com um deles no jornal Agora São Paulo. Estava lá o mesmo espírito irônico. Mas não tão ‘violento’ quanto antes. A lembrança veio por conta do que encontrei em “Escuridão total sem estrelas”, coletânea de quatro contos de Stephen King. Eu buscava algo para me deixar com medo. Mas medo do sobrenatural, de assombração. E o que vi foi o fundo do poço do ser humano. Até temos um toque mais fantástico no terceiro conto, no mais o que predomina é a violência. Tanto que se espremer, jorra sangue para todo lado. Aliás, nunca vi tanto sangue em um livro.
No primeiro conto, “1922”, tem que ter estomago para aguentar as passagens em que uma mulher é brutalmente morta pelo marido. O pior é que ele acaba envolvendo o filho. Mostra em detalhes como o homem fica cego pela ganância e pela inflexibilidade. Como lemos tudo sob o ponto de vista do assassino, a esposa é tratada como fútil e egoísta. Nunca saberemos os motivos dela, que foi calada com requintes de crueldade. Se antes eu já não gostava de palhaço, agora menos. Não posso mais ver um palhaço que lembro desse conto. Final inesperado e que me lembrou “A metamorfose”, de Franz Kafka. Fiquei com pena dos ratos que apareciam aqui e ali e que tanto atormentaram o protagonista em suas alucinações. Esses animais são sempre vistos como coisa ruim e quase sempre representados de forma a aterrorizar as pessoas. Também muito me comoveu uma vaca que teve uma de suas tetas arrancadas por um desses bichinhos. Será mesmo? Depois que vocês lerem “1922”, entenderão minha dúvida. Recordo-me, agora, de outros dois ratinhos, simpáticos e que todos gostam: o ‘cozinheiro’ do filme Ratatouille e o famoso Mickey Mouse. Daria uma boa análise.
Na sequência, temos “Gigante do volante”. Aqui eu fiquei com raiva, mas com muita raiva da protagonista. Ela é escritora e vai dar uma palestra em uma cidadezinha nos Estados Unidos. Na volta, por indicação da anfitriã, pega um atalho e acaba sendo estuprada e espancada. Mas ela consegue escapar e tem a oportunidade de denunciar o fdp. Mas não. Ela se cala! Fica pensando que não pegaria bem aparecer nos jornais como vítima dessa violência. Contudo, planeja sozinha sua própria vingança. Só que tudo começa a dar errado. E aí é só tensão. Xinguei muito a Tess, esse é o nome dela. Seus conselheiros são seu gato e o GPS, com quem bate altos papos. Não vou falar mais nada para não estragar a leitura. Apesar do ódio que senti, gostei da história.
O terceiro é o mais curto, “Extensão justa”. Neste há uma pegada mais sobrenatural, direto do inferno. David tem câncer terminal e uma vida mais ou menos. Não casou com seu primeiro amor, seu emprego não é o de seus sonhos, seus filhos não são os melhores da escola, a casa é simples. Enfim, até aí nada diferente da maioria da população. Contudo, a doença o deixou ainda mais deprimido. Até que ele encontra um vendedor ambulante que promete a cura para tudo. Inclusive para o câncer e suas frustrações pessoais. Basta ele indicar alguém que ele tenha muita raiva (ou muita inveja, no caso dele). Depois desse episódio, as coisas começam a melhorar. Rapidamente e muito. Chega a ser piegas a forma com que a trama segue. Terminei não acreditando no que lia. O mais fraco dos contos.
Por fim, “O bom casamento”. Na minha opinião, o melhor. Principalmente pela forma com que King vai nos envolvendo na história. Começa falando sobre casamento, as pequenas coisas do dia a dia, o quanto cada um conhece de seu cônjuge, os momentos felizes, os planos feitos juntos. Detalhes que fazem a relação ser boa (ou não). E é assim com Darcy, casada há anos com Bob. Com ele, construiu uma bela casa, tem dois filhos, o rapaz está tendo sucesso em sua empresa, a moça está prestes a se casar. Darcy está com 46 anos. Bob com 49. Ela pensa que sabe tudo sobre o marido. Apenas pensa. Por causa de duas pilhas para o controle remoto da TV, ela descobre um esconderijo e um segredo que vai destruir qualquer boa lembrança que ela possa vir a ter.
No posfácio, Stephen King nos conta um pouco sobre o processo criativo para essas histórias. Fotos, reportagens e viagem pelas estradas norte-americanas lhe serviram como inspiração para o livro que já se tornou o meu favorito dele.
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