No começo da leitura de "Vermelho amargo", do mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, achei que estava diante de outra versão da epifania de Proust a partir de sua madeleine. Mas não. O livro me remeteu, e muito, a "Éramos Seis" (1943), de Maria José Dupré, o mais triste que já li.
Isso porque, logo no início, o narrador em primeira pessoa fala da fatia fina de tomate que a madrasta diariamente coloca nos pratos dos enteados. A mãe morreu e deixou seis filhos. Eram oito, junto com o pai e a nova mulher. Um tomate tem que servir a todos. Aos poucos, os filhos saem de casa e as fatias vão ficando mais grossas. São sete, seis, cinco, o autor pontua a cada perda. Até que um tomate é suficiente para as duas refeições dos que ficaram. E é essa fruta que sucinta todas as lembranças de sua infância. Ele fala muito da mãe, da saudade dos poucos anos que passou com ela, dos pequenos cuidados diários, pois são neles que residem o que mais sentimos falta. É lindo e doloroso quando ele diz "se um de nós caía, a dor doía ligeiro. Um beijo seu curava a cabeça batida na terra, o dedo espremido na dobradiça da porta, o pé tropeçado no degrau da escada, o braço torcido no galho da árvore. Seu beijo de mãe era um santo remédio. Ao machucar, pedia-se: mãe, beija aqui! Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor."
Fala ainda das manias dos irmãos, que assim como ele precisavam encontrar formas para lidar com a ausência materna. Tinha um que comia vidros, outra que só tricotava. Remói a indiferença do pai e, claro, a existência dos tomates. Bem vermelhos, mas amargos em suas recordações.
O livro veio em uma bela edição, que somada à prosa poética possibilita bons momentos de melancolia. Mas aquela melancolia necessária para acalmar, suspirar e pensar. Pode-se dizer que trata-se de uma autobiografia poética, nas palavras do próprio autor, que morreu em 2012 aos 67 anos, um ano depois de lançar a obra: "o livro foi feito do que vivi e do que inventei." Não é assim, afinal, nossa própria vida?
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