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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

o homem que vive

Comprei “O homem que vive” por dois motivos. Primeiro, o autor fez parte do meu universo acadêmico. Li seus textos durante as aulas de Comunicação e Semiótica. Segundo, e talvez o mais importante, a neve. Toda a ambientação da narrativa se dá durante invernos rigorosos. Mas nem este tema, que muito me atrai, foi suficiente para eu gostar da leitura. 

Lembro que na faculdade eu tive que fazer o resumo de um de seus livros, “Semiótica, Informação e Comunicação”. Na ocasião, eu escrevi que Teixeira Coelho era um pouco confuso em suas definições. Ora dizendo uma coisa, ora outra. A professora ficou enfurecida. Mas eu sobrevivi e tenho a mesma opinião sobre este seu romance.

A narrativa, em terceira pessoa, transita pelos pensamentos de Buel. A exemplo do autor, que até pouco tempo foi curador do Masp, está envolvido com a arte. Tanto que suas reflexões estão sempre relacionadas a alguma exposição ou pintura. Começamos a acompanhá-lo quando chega a São Paulo em um dia bem atípico para nossos padrões tropicais. Estava nevando muito. A avenida Paulista estava toda branca. O curioso é que os paulistanos não encaravam isso com espanto. Apenas Buel parecia enxergar a anormalidade. Ele voltou para encontrar seu anjo, a Valéria. Enquanto está no hotel esperando o tal encontro, ele relembra várias passagens da vida. Sempre no inverno, e sempre com uma nevasca fora do comum, seja em Paris, Londres, Berlim, Munique ou outra cidade que morou ou visitou. Valéria aparece sempre como uma sombra. Ela não tem muitos diálogos e não sabemos o que pensa ou quem é exatamente. Aliás, todos os outros personagens são insignificantes diante do individualismo de Buel e seus devaneios em torno do significado de relacionamento, da arte e da sua própria felicidade.

Alguns excertos são bem interessantes, porém, o conjunto é monótono. Por vezes parecido com o estilo do cineasta centenário Manoel de Oliveira. Até consigo ver a adaptação para as telas. A leitura vale pelas referências. Pode agradar aos que se entusiasmam com a prosa poética. Frases curtas. Muita metáfora e digressões. Sabe quando utilizamos a escrita para tentar amenizar a dor? Quando rabiscamos palavras que somente para nós serão compreensíveis? Que somente para nós remeterão ao momento que queremos tirar do coração e deixar somente no papel? Pois é com esse sentimento que fiquei ao ler a vida de Buel. Contudo, concordo muito quando ele diz: “a neve torna tudo próximo, aconchegante. Nunca mudaria de opinião sobre a neve. Aconchegante." Valeu por esfriar um pouco o verão mais quente que já vivi.

Trechos

"Buel jamais conseguira dormir bem numa noite de verão, menos ainda ter um sonho numa noite de verão - sonho que, por ser sonhado numa noite de verão, supostamente é um sonho bom. Numa noite de inverno, sim, conseguia dormir bem. Mas, sempre diziam assim, sonho de uma noite de verão, como se fosse uma coisa boa."

"Valéria disse então, naquela sala, que gostaria de vê-lo sempre feliz, ela disse, a boa alma. O que Valéria poderia entender por felicidade? Talvez uma casa e duas pessoas morando dentro. Talvez tomar conta dele. Buel não queria que tomassem conta dele. Alone together, como diz o título da composição de Dexter Gordon. Alone together, Buel estava alone together naquele momento. Perfeito.

"Buel estava farto dos que pensavam no bem do povo e dos que defendiam os benefícios para o povo e em nome do povo. Lá como aqui." 

"Entre o cinza do céu e o cinza dos prédios da Avenida Paulista praticamente não havia diferença de tonalidade, e o céu baixo eliminava ainda mais toda a diferença ao abolir qualquer sensação de profundidade espacial. Parado na calçada, em meio à neblina, Buel não tinha horizontes. Lembrou-se de um artista dizendo que a arte é como uma neblina que desce sobre as pessoas e as envolve densamente, de modo que o significado que a obra possa ter é irrelevante e se materializará um dia, muito depois, se for o caso."

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