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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

o segredo de joe gould

Este livro, que é da minha irmã, estava comigo há tempos. Mas só agora resolvi lê-lo. E o fiz em poucas horas, arrependida por não ter me debruçado sobre ele antes. "O segredo de Joe Gould" é fascinante. Não sei dizer se pela história de vida do homem do título ou pelas palavras de quem a traduziu tão bem, o jornalista Joseph Mitchell.

São dois textos publicados em datas distintas na revista The New Yorker, que ainda hoje segue com o estilo do qual é uma das responsáveis, o jornalismo literário, que, entre outros, também destacou Tom Wolfe, Gay Talese e Truman Capote.

Joe é um andarilho, vive nas ruas e nos albergues de Nova York. Carece de recursos, de bons dentes, de comida. Mas tem amigos que conquistou com sua prosa, muitas vezes prolixa, e pela grande obra que está a escrever, um livro que se propõe a contar a história oral da humanidade. Por meio dessas pessoas, ele mantém o Fundo Joe Gould, esmolas que o ajudam a sobreviver e a manter o vício pela bebida. Formado em Harvard, abandonou casa e estabilidade para seguir com seu ambicioso projeto. Mesmo assim, e maltrapilho, não deixou de frequentar as festas da alta sociedade. Vez ou outra solta algum pensamento filosófico, como "Eu consideraria o mais são dos homens aquele que melhor compreende o trágico isolamento da humanidade e prossegue calmamente na busca de seus propósitos essenciais." 

Tal figura atraiu a atenção do jovem jornalista, na época, Joseph Mitchell, que durante meses seguiu os passos de Joe, sentando com ele em bares nas madrugadas nova-iorquinas para ouvir o que ele tinha a dizer. O resultado foi um belo perfil publicado em 1942, "O professor gaivota", já que Joe se dizia interprete dessa ave. Anos depois, em 1964, Mitchell decide publicar outro texto, ainda mais profundo, que seria o seu derradeiro.

A edição que li traz posfácio de João Moreira Salles, "O homem que escutava", no qual o brasileiro faz o perfil daquele que viveu para fazer perfis. Nele descobrimos que Joseph Mitchell poderia levar meses, e até anos, para terminar um artigo, sem ser pressionado pela revista. Aliás, depois do último texto, continuou a frequentar a redação da revista e a receber seu salário sem publicar uma linha. Enfim, o livro todo é uma aula de jornalismo e das características que fazem o bom jornalista: curiosidade, não ignorar o que parece ser pequeno, ir além da notícia e ter paciência. No caso de Mitchell, "dom que se traduzirá numa obra construída em torno da escuta atenta e constante." Para entender. Para tornar extraordinário o que aparentemente é banal. Leitura obrigatória.

Trecho

"Gould empurrou as revistas e os cadernos em minha direção. 'Leve e leia', disse.
Lá fora, na calçada, combinamos nos encontrar novamente no sábado à noite. 'Mas não no restaurante', Gould advertiu. 'Sempre me dei bem com os balconistas e as garçonetes. Eles brincavam comigo, e eu brincava com eles. Mas parece que viraram a cara para mim.' Seu rosto assumiu uma expressão de profunda preocupação, um ar aflito, e por alguns instantes ficou em silêncio, pensativo. Depois encolheu os ombros, como se com isso tirasse o assunto da cabeça, mas evidentemente o assunto não se deixou tirar, pois em seguida ele o retomou. 'Nos últimos anos muita gente tem virado a cara para mim', falou".

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