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sábado, 30 de julho de 2016

a rainha da neve


“O universo só pisca para aqueles
no quais ninguém acredita.”

O inverno começou bem frio este ano, ao contrário dos últimos anos. Se bem que as temperaturas baixas não duraram muito. Este fator, pelo menos para mim, é a grande desvantagem de quem vive nos trópicos. Paisagens de neve sempre me fascinaram. E, de repente, as livrarias trouxeram vários títulos com neve na capa. Queria todos. Eu já tinha "Neve", de Orhan Pamuk, que ainda não li. Decidi começar por outros dois. Um ganhei. Outro emprestei. "A rainha da neve", de Michael Cunningham, autor de "As horas", e "A menina da neve", de Eowin Ivey. Ambos trazem referências a contos de fadas. Neste post vou falar do romance de Cunningham.

"A rainha da neve" tem o título tirado do conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, que também inspirou "Frozen", animação da Disney. No lugar de florestas encantadas, temos o Central Park, em Nova York, como cenário fantástico. E é ali, no meio do parque, que Barrett Meeks, que acaba de receber um SMS do namorado terminando a relação, vê uma luz celestial durante sua caminhada ao dentista. Aquilo o atinge de tal forma que o faz refletir sobre sua vida e, principalmente, sobre seus fracassos.

Ele mora com o irmão, Tyler, e a cunhada, Beth. Trabalha na loja da amiga Liz. Em comum, todos os personagens carregam a letargia. Eles têm sonhos, interesses, mas são incapazes de reagir aos obstáculos. Simplesmente deixam o tempo passar. Quando despertam, percebem que acumularam apenas frustrações. 

Tyler queria ser um astro do rock. Mas passa boa parte da vida consumindo drogas, sem nada produzir. Agora só quer escrever uma música que seja inesquecível, presente para a esposa que está morrendo. Beth tem câncer. Fraca, vaga pela casa como um espectro. Fantasma adorado pelos dois irmãos e que vai ressuscitar após a visão de Barrett. Para ele, um sinal de que tudo vai ser diferente e melhor. Liz coleciona namorados mais jovens e desinteressantes. Amores sem compromisso, sem riscos, sem ardor.

Tudo se passa entre 2004 e 2008, o que permite debates em torno da reeleição de Bush, em 2004, e a possibilidade de novo governo, com Obama, em 2008. Mesmo com a passagem de tempo, percebemos que nada muda na vida deles. Barrett também anseia por sua grande obra. Rascunha mentalmente o projeto recheado de aleatórias reflexões culturais, a Síntese de Absurdos, que nunca sairá do mundo das intenções. Aliás, há uma mudança. De casa. É nesse momento que descobrimos segredos e somos levados a outro patamar de dúvidas. Quem sabe este não seja o início que tanto almejam os personagens? Ainda não decidi se gostei ou não do romance. Fiquei empolgada com alguns trechos, mas de um modo geral foi uma leitura arrastada. Talvez a realidade, escancarada nesta suposta fábula moderna, seja mesmo difícil de engolir.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

adeus às armas


Esperava mais deste livro por conta do que eu já tinha lido sobre ele. O fim é comovente e é o que me fez gostar (um pouco) dele. Ao terminar a leitura, fiquei  a pensar nas outras possibilidades que havia para os personagens. Mas o desfecho não poderia ter sido outro, dada a sequência da narrativa.

Ambientado durante a primeira Guerra Mundial, “Adeus às Armas” (1929), de Ernest Hemingway, é tido como um relato autobiográfico do autor, que, assim como o protagonista, alistou-se no exército italiano, mesmo sendo norte-americano.

Frederic Henry é motorista de ambulância e é ferido logo na sua primeira missão em terras italianas. Antes do ataque, ele conhece, por meio do seu colega de quarto, Rinaldi, a enfermeira britânica Catherine Barkley. Logo de cara ela mostra que quer ficar com ele. Joga-se apaixonada na relação. Ele, porém, só quer se divertir. Até sente uma ponta de remorso por dizer que a ama. Ela era noiva de um combatente que havia morrido há pouco tempo. Talvez tenha depositado em Frederic a possibilidade da união que ela não queria abrir mão.

De qualquer forma, o amor realmente surge entre ambos depois que ele é ferido e vai para um hospital em Milão. Catherine acaba sendo transferida para lá também. E ambos se descobrem verdadeiramente apaixonados. E aí começa o nhenhenhém. Sobretudo da moça. “Faço tudo o que você quiser. Vou onde quiser. Você é minha luz, minha vida.” Claro que não são exatamente com esses termos, mas é próximo disso os diálogos que ela tem com ele. Chega a ser chato ter que ler frases como “oh, querido, eu tanto desejava igualar-me a você…”. É muita dependência de uma mulher em relação a um homem. Muito mais emocionantes são os trechos que relatam os combates e, particularmente, a fuga de Frederic durante uma retirada italiana. Também são interessantes os bate-papos dos soldados durante os jantares nos alojamentos, momentos em que esquecem que estão em guerra. Lá na última parte, contudo, certa afeição surge em relação ao casal piegas. Talvez o clima e a paisagem suíça, muito bem descritos, tenham ajudado. No mais, leitura arrastada. Sem muitas recomendações.

Algumas frases salvam o livro. Gosto muito desta: “Vocês se envaidecem muito dos próprios defeitos.”

Abaixo, outras:

“Em setembro, chegaram as primeiras noites geladas, e depois os dias frios; as folhas do parque começaram a amarelecer e nos demos conta de que o verão acabara.”

“- Como vai conseguir isso? – Não sei, mas darei um jeito. – Você é admirável, Cat. – Não sou, mas é fácil arrumar a vida quando a gente não tem nada a perder. – Como assim? – Nada. Estava pensando nos pequenos obstáculos, que às vezes nos parecem tão grandes.”

“Sei que à noite o mundo não é o mesmo que de dia. Que as coisas que pertencem à noite não podem ser explicadas durante o dia, porque de dia não existem – a noite se torna ameaçadora para pessoas solitárias, essas que já de começo conhece a solidão.”

“É uma ilusão a sabedoria dos velhos. A sabedoria não cresce com a idade. O que cresce é a cautela.”

segunda-feira, 30 de maio de 2016

por que maltratamos tanto os animais?



De longe avistei o caminhão. Pensei em virar o rosto. Fingir que nada via. Já fiz isso outras vezes. Sempre vejo um cavalo preso em uma esquina do litoral paulista. Faça frio. Faça sol. Ou debaixo de chuva. Inevitavelmente, está lá. Amarrado. Com a cabeça baixa. O que passa dentro dela, nunca saberemos. Quando chego perto desse lugar, muitas vezes, fecho os olhos. Não é porque não vejo que não acontece. Poupo minha dor sem poupar a dele. Volto ao caminhão. Tratava-se de um veículo que transportava frangos em caixas, como aquelas dos supermercados. Cada uma deveria ter vários deles. Amontados. Encarei. E vi os olhos dos animais. Algumas asas saindo para fora das grades. Estavam quietos. Apáticos sob o sol escaldante que fazia naquele dia em São Paulo. 

Odeio cruzar com este tipo de ‘carga’. Sinto um aperto no peito. Mas isso não salva nenhuma vida. Não diminui a dor de quem não escolheu e não merece ser carregado de um lado para outro desta forma. Não vai impedir que esses animais sejam levados para outro lugar para serem submetido a luzes fortes para que fiquem confusos em relação aos dias e às noites. Por que fazemos isso com eles?

No ano passado um fato chocou os internautas e ganhou repercussão na mídia tradicional. Um caminhão que transportava porcos tombou no Rodoanel. Fotos e vídeos dos animais agonizando circularam pela rede. Protestos, indignação correram por comentários e posts. Mas cessaram. Outros porcos continuam sendo transportados com a mesma falta de segurança. Tratamos os animais como se fossem objetos. Mais que isso, como objetos que nem mesmo merecem o adesivo ‘frágil’. 

Vi uma reportagem que diz que agora podemos nos voluntariar para passear com os cães nos fins de semana no Centro de Zoonose de São Paulo. É pouco. Mas é o mínimo, talvez. Se estão lá é porque nós causamos isso. Comprando. Abandonando. Ignorando. Bichos são escolhidos como se fossem uma bolsa, um brinquedo. E descartados quando o interesse diminui. Quando não são atropelados na rua, são capturados. Em que condições? Não sabemos, pois nossos olhos estão sempre fechados. Alguns porque não querem ver: “não aguentam ver isso, vão sofrer”. Outros, porque simplesmente não enxergam mesmo. Há ainda os que, de fato, não se importam. Mas até quando?

quinta-feira, 12 de maio de 2016

americanah


Assim que li a sinopse, tive a certeza de que iria gostar de “Americanah”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. E não me enganei. Dela eu já havia lido o ensaio “Sejamos todos feministas”, baseado em uma palestra que deu. Gostei, sobretudo, pela identificação com alguns momentos da história. Literatura é isso. É poder resolver alguns de nossos dilemas por meio da experiência de outras pessoas, mesmo que sejam fictícias. 

A narrativa é em terceira pessoa, de forma onipresente e onisciente. Começamos com Ifemelu indo trançar os cabelos. Ela já está há 13 anos nos Estados Unidos e se prepara para retornar para ‘casa’. A partir daí inicia-se uma série de lembranças da sua infância e adolescência em Lagos, maior cidade da Nigéria. Foi lá que conheceu Obinze. Apaixonados, eles vivem um conto de fadas, que é interrompido com a ida de Ifemelu para a “América”. As dificuldades financeiras a levam a tomar uma atitude que culmina com a decisão de cortar relações com o namorado. Sem entender os motivos, ele toca sua vida e vai para a Inglaterra. Seu sonho sempre foi ir para os Estados Unidos, mas nunca conseguiu o visto. Isso vamos descobrindo ao longo da história, que sempre intercala momentos presentes com o passado. Ora tendo Ifemelu como foco, ora (menos vezes), Obinze. 

Destaque para o sucesso do blog que ela cria para tratar de questões raciais. Foi nos Estados Unidos que se descobriu negra, e as consequência que isso traz. Acompanhamos ainda seus relacionamentos com um branco e com um negro norte-americano. Cada qual com sua importância. E entre um pensamento e outro, sempre a presença de Obinze. Já ele, não tem a mesma sorte no estrangeiro e acaba sendo deportado. Inesperadamente, a sorte (ou não) surge e ele torna-se um rico empresário, casado e com uma filha. 

Há ironia ao tratar dos nigerianos abastados. A necessidade de sempre querer ter mais, pagar mais por qualquer coisa. Confortos desnecessários e a fixa ideia de que tudo e todos podem ser comprados (será que é só na Nigéria?). 

Nos Estados Unidos, a discussão é sobre o branco e sua relação com os que não têm a mesma cor. Uns finge, outros são diretos, outros tentam compensar o racismo sendo extremamente bajuladores. Como a patroa rica que tenta de todas as formas mostrar que não vê diferença entre brancos e negros. A todo momento procura elogiar negros, até que ouve de Ifemelu que nem toda negra é bonita. É aquele sensação de não querer dar margens para que pessoas a achem racista ou pior: por pena, sempre tenta agradar. 

Do outro lado, há o branco pobre que vai tratar Ifemelu com desconfiança quando supõe que ela seja a dona da casa rica que o chamou para limpar os carpetes. Mas ao descobrir que ela é apenas a baba, age com camaradagem. Recortes das cenas reais que atestam que a cor da pele ainda é motivo para julgamentos e ataques. 

A única parte que me entediou foi quando ela vai ao encontro de pessoas que voltaram do exterior. Muito chato. Cansativo. Bla bla bla. Não sei se essa foi a intenção da autora. Lá temos todos os estereótipos desses filhos regressos: esnobes, saudosos das facilidades da Europa ou Estados Unidos, implicantes com a morosidade da Nigéria. Há até uma que lamenta a falta de restaurantes vegetarianos. Só não gostei da jeito com que a moça é descrita: magra e de olhos fundos. Não somos assim, Chimamanda ;-) “Ela vai voltar uma tremenda Americanah”, diz determinada personagem no início do livro ao referir-se à menina que vai aos Estados Unidos. Referência às inevitáveis mudanças que tal viagem fará. Leitura rápida e fácil. Não chega a levantar polêmicas nem propor soluções. Mas mostra situações que talvez você nunca tenha imaginado. Vale muito a leitura.

"Ifemelu se lamentava por isso, pela perda do que poderia ter sido."

"Aquele era o presente que se dava toda semana; ir à livraria, comprar um café caro demais, ler o máximo que pudesse de graça e se tornar Obinze de novo."

terça-feira, 19 de abril de 2016

joyland



"Nada estraga tanto a memória quanto a repetição."

Joyland” é fofo. Tem assassinato. Tem sangue. Tem fantasmas. Tem violência. Mas ainda assim é um livro delicado. De Stephen King, foi o que mais me trouxe sentimentos bons. A história é narrada pelo protagonista, Devin Jones, cerca de quarenta anos depois dos eventos que marcaram sua vida. Em 1973 ele tinha 21 anos, era universitário e namorava uma garota que já não estava mais tão interessada nele. E é a partir desta rejeição que ele encontrou motivos para arriscar. Para fazer algo que, não fosse o rompimento, não teria feito. Como ele próprio diz, foi o melhor e pior ano de sua vida. Passou aquele verão trabalhando em um parque de diversões, Joyland, no litoral da Carolina do Norte. Lá fez amizades duradouras, aprendeu a operar uma roda gigante, fantasiou-se de cachorro e fez a alegria de várias crianças, em especial de Mike, que tinha visões (eu não deixava de lembrar daquela frase clássica 'I see dead people', sabem?) e um grave problema de saúde. E é com esse garoto que temos os momentos mais lindos do livro, sobretudo quando Joyland, já fechado, proporciona um dia especial somente para ele. Sua mãe também tem papel importante na vida de Devin. Quando o parque está cheio, no auge do verão, vemos a correria dos trabalhadores temporários, incluindo o nosso protagonista. Há ironia na descrição dos visitantes, que são tratados como ‘caipiras’ e todo um vocabulário próprio dos parques nos é apresentado. Aliás, SK comenta sobre isso nas notas do autor, já respondendo a eventuais críticas.

Devin não se intimidou com as histórias sobre o fantasma de uma garota que havia sido assassinada em um dos brinquedos (adivinhem qual!!) anos antes. O assassino ainda estava impune. Quando a temporada acabou, resolveu deixar a faculdade e continuar trabalhando por lá. Aproveitou para desvendar o crime. Mas isso, como em todo bom romance policial, vai lhe trazer sérias confusões. O desfecho é previsível, consideradas as pistas. Basta ir somando todos os fatos.

Gosto da nostalgia que a literatura permite. Sempre há situações que nos levam a boas lembranças, cenas importantes de nossas vidas. Eu revivi a época em que frequentava parques de diversões, alguns dos brinquedos favoritos. Há ainda situações pelas quais nunca transitamos fisicamente, mas que ainda assim sentimos saudades. Eu, por exemplo, tenho saudades dos invernos congelantes do Maine, mesmo sem nunca ter estado lá, presente em grande parte dos livros de Stephen King. Embora aqui o cenário seja Carolina do Norte, é do Maine que vem Devin. Também bate uma saudade de quanto a agitação costumeira dos dias comuns é substituída por períodos de recesso. E isso é comum em seus romances: lugares que ficam agitados na alta temporada e viram pontos solitários no inverno, como em “O Iluminado”. Mesmo sem surpresas, leitura bem agradável.  

domingo, 20 de março de 2016

os cães nunca deixam de amar


Antes de mais nada, tenho que dizer que Seamus, o protagonista, é um fofo. A editora que trouxe o livro para o Brasil bem que poderia ter mantido a capa com a foto dele, como na versão norte-americana. Assim como poderia ter caprichado mais na tradução e revisão. Para começar, o título "Os cães nunca deixam de amar", apesar de verdadeiro em sua essência, pouco tem a ver com o livro. O título original seria algo como "O cão sobreviveu (e eu também sobreviverei)", o que entrega tudo, mas não tem importância, já que trata-se de autobiografia.

Teresa J. Rhyne é advogada e apaixonada por livros, café, vinhos e cachorros, em especial os beagles. Já teve vários. O mais recente é Seamus, adotado logo após seu segundo divórcio. Ele recebe muito amor, carinho e toda a atenção do mundo. Eu morri de rir com as peripécias dele. Bagunceiro, esfomeado, barulhento e ciumento. Ele só aceitou o novo namorado de Teresa, Chris, depois que o associou à comida. Outro ponto interessante é a voz dele. A autora traduziu cada latido e uivo de forma bem divertida.

Tudo estava bem até que descobrem que o cachorrinho tem câncer. E em toda a primeira parte do livro, Teresa nos conta como correu para salvá-lo. Gastou tudo o que tinha. Brigou com veterinários que não davam a atenção necessária. Perdeu dias de trabalho. Ao acompanhar, eu só tinha uma certeza: teria feito o mesmo. Daí vem a segunda parte da história. Ela também está com câncer. De mama. Murchei. Fujo desse tipo de literatura. Não gosto de ler sobre pessoas que se curaram de determinada doença. Isso não quer dizer que eu não me preocupe com elas. Mas estou falando de literatura e, inevitavelmente, a narrativa tem sempre os mesmos apelos e fatos.

Esse livro surgiu a partir de um blog que Teresa criou. Sua intenção, segundo o que disse, foi atualizar as pessoas sobre seu estado. Enfim. Foi muito bom para ela, que, antes da doença, vinha fazendo cursos sobre escrita. E vem outro por aí. Eu já tinha decidido não ler mais nada dela até que, fuçando no seu blog mais recente, vi que tornou-se vegana. Ponto positivo. O novo título fala sobre como a reincidência do câncer em Seamus a levou a mudar seus hábitos alimentares (dela e dele). Mais que isso, em como passou a não ver coerência em amar um animal e comer outro. Sei que não haverá surpresas. Contudo, não posso ignorar alguém que está ajudando a mostrar ao mundo os sentimentos dos animais. Que venham outros. Epa! Posso ouvir Seamus, "agoooraaaa chegaaaaaaaa, querooooo comidaaaaaaa. Auuuuuuuuuuuuu" :-)

Seamus. Foto do blog, que vale a pena conferir
"Geralmente, Seamus me segue pela casa e fica próximo o suficiente para que eu imagine que qualquer barulho que não seja meu seja dele, e isso me ajuda a dormir de noite. Além disso, eu gosto dos seus barulhinhos - o som das suas placas de identificação de alumínio barato batendo uma na outra quando ele está se movimentando e ainda mais rápido quando ele está coçando a sua orelha com a pata traseira, os pequenos gemidos e barulhos quando ele dorme, a circulação e os arranhões para arrumar todos os cobertores e almofadas antes de deitar, o farejar incessante do ar para qualquer sinal de torradas, suas unhas sapateando pelo chão de madeira conforme ele trota em direção ao lado de fora e, em seguida, o barulho da porta para cachorro. Um cachorro é uma presença em uma casa."



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Para descontrair, compartilho aqui uma máxima que todas as moças que ficam esperando ligações, mensagens, curtidas de pretendentes devem saber. Mais que isso, que ficam dando desculpas para si mesmas quando não há sinal de vida dos rapazes. O diálogo está no livro, lá no começo, quando Teresa vai para a Irlanda e está num jantar com os primos. A desesperada é sua prima.

"- Eu só acho que ele não consegue encontrar o lugar. Ele não cresceu aqui, é tarde e ele provavelmente está cansado, você não acha? Eu sei que ele queria estar aqui. Ele disse isso ontem à noite.

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- Priminha! Se um bosta de um homem quer achar uma mulher, ele vai achar, porra!"

 Que não haja desperdício de tempo com ilusões desnecessárias ;-)

quarta-feira, 16 de março de 2016

a irmã da tempestade


“Alguns segredos realmente deveriam permanecer secretos, não acha, meu bem?”
Nem preciso dizer que “A irmã da Tempestade” é bem previsível. Lucinda Riley sempre dá as pistas exatas do que vai acontecer nas próximas páginas. Pouca ou nenhuma surpresa nos é dada. Contudo, eu ainda gosto dos livros dessa autora. Por quê? Simplesmente porque por meio deles consigo viajar, conhecer lugares que talvez eu nunca vá estar fisicamente. Posso dar um pulo no passado e ter uma pitada de fatos históricos, mesmo que superficialmente. Neste segundo volume da série “As sete irmãs”, ao todo serão sete, eu fui para os fiordes noruegueses e até cheguei a acompanhar a criação, os ensaios e a estreia da peça teatral Peer Gynt, de Edvard Grieg (1843-1907), um dos mais renomados compositores noruegueses. São esses pequenos prazeres que seus livros me proporciona. Sim, eu realmente me transporto durante a leitura. Eu ouvia a voz da cantora que aparece, o som do piano. Cheguei até a sentir os cheiros que eles descrevem.

“Como sempre acontecia, o ar limpo e gelado estava revigorante. Sentada em seu banco favorito, ela ficou olhando para o fiorde e para a água prateada cintilando à luz do dia em que já se esvaía.”
A história segue paralela ao que é narrado no primeiro livro da saga. Também começamos com a morte de Pa Salt, que adotou seis garotas e que deu a elas nomes que remetem à Constelação das Plêiades. Aqui quem narra os fatos é Ally, Alcione, a segunda irmã. Ela é velejadora profissional e está prestes a disputar as eliminatórias para as Olimpíadas de Pequim, em 2008. Em um dos campeonatos que participa conhece Theo, outro velejador. Eles se apaixonam e têm dias de contos de fadas. Até que recebem a notícia da morte do pai de Ally. Pouco depois, outra tragédia vai marcar a vida da moça, que resolve ir atrás de suas origens, lá na Noruega. Por meio de relatos e leituras, ela conhece seus tataravós, importantes músicos. Neste ponto do livro há interações com personagens reais, como Grieg. Há ainda uma passagem pela década de quarenta e a segunda guerra mundial, que traz a vida de seus avós, também músicos. Aliás, todo mundo toca ou compõe na família biológica de Ally, inclusive ela própria, que de uma hora para outra acaba num grande concerto. Extremamente forçado.

O que mais me chamou a atenção, porém, na história foi a relação de Anna, a tataravó, com os animais. Em especial com uma vaca. Antes de tornar-se uma famosa cantora, ela morava nos campos noruegueses e cantava para os bichos. Tinha afeição especial por Rosa, uma da vacas. Quando partiu, sua maior preocupação foi deixá-la, sabendo que dificilmente a veria novamente. Infelizmente, nem Anna nem a autora tocaram mais no assunto. Mas deixo aqui dois trechos muito bonitos:

“Ninguém parecia saber exatamente quantos anos a vaca tinha, mas ela com certeza não era muito mais jovem do que Anna, que tinha 18. Pensar que ela não estaria mais ali para cumprimentá-la com o que gostava de interpretar como uma expressão agradecida nos suaves olhos cor de âmbar deixou os olhos da menina marejados de lágrimas.”

“Anna se levantou quando Rosa enfim alcançou o local onde ela estava. Enquanto acariciava as orelhas sedosas da vaca e em seguida beijava a estrela branca no centro de sua testa, não pôde deixar de reparar nos pelos grisalhos em volta da boca macia e rosada do animal.  – Por favor, esteja aqui no versão que vem – murmurou suavemente ao bicho.”

terça-feira, 15 de março de 2016

flush


Sinceramente, não sei o quanto Virginia Woolf gostava de animais. Mas o modo com que ela descreve os pensamentos de Flush é surpreendente. Quem tem cães, vai entender. Livro que merece ser relido no original. O mais bacana é que o cão existiu, embora ela não o tenha conhecido. Seu contato com ele se deu por meio de cartas trocadas entre os poetas Elizabeth Barrett (1806-1861) e Robert Browning (1812-1889). Poemas escritos por Elizabeth também serviram de inspiração.

Flush” foi escrito em 1933, mas retrata a época em que o cãozinho viveu. Interessante observar a crítica em relação à vida nas grandes cidades já naquela época. O comércio de animais de raça e suas consequências também estão presentes, como o roubo de cães, da qual nosso protagonista foi vítima. A descrição do que ele passou enquanto esteve preso é de partir o coração. Flush odiava Londres e todos os seus cheiros. Amava o campo. Lá ele podia correr, sentir o vento nas orelhas, ficar livre da coleira e da guia. No campo ele voltava a ser apenas um cachorro feliz. Não um cocker spaniel legítimo.

Sua história começa em um chalé inglês, onde nasceu. Passou os primeiros meses correndo de um lado para outro junto com outros animais, até ser doado, por sua dona, a poeta Mary Russell Mitford, para Elizabeth. Mesmo precisando de dinheiro e já tendo vendido outros cães, a Mitford não conseguiu fazer o mesmo com Flush.
"Vender Flush era impensável. Ele fazia parte daquela rara ordem de objetos que não se pode associar a dinheiro. Será que ele não era de um tipo mais raro ainda que, por incorporar tudo o que é espiritual e que se encontra além do preço, transforma-se em um símbolo perfeito para o desinteresse da amizade; e pode ser oferecido, sob este pretexto, para uma amiga que seja mais como uma filha do eu como uma amiga, se é que alguém tem sorte bastante para ter uma pessoa assim."
(Não, Flush nunca foi objeto). No dia em que é deixado na nova casa, ele se desespera ao ouvir os passos da dona se afastando. 
"As vozes cessaram. Uma porta fechou-se. Por um instante, ele parou, desnorteado, nervoso. Então, com a brutalidade do ataque de um tigre com as garras para fora, uma lembrança veio à sua mente. Sentiu-se sozinho - abandonado. Correu até a porta. Estava fechada. Arranhou-a com a pata, esperou. Ouviu passos que desciam. Sabia que eram os passos de sua dona. Pararam. Não - logo recomeçaram, e seguiram, escada abaixo. A Senhorita Mitford descia as escadas lentamente, com relutância, com pesar. E, à medida que avançava, à medida que o som ia ficando mais fraco, o pânico abateu-se sobre ele. Era uma porta sendo fechada depois da outra em sua cara à medida que a Senhorita Mitford descia as escadas; fechavam-se para os campos, para a liberdade, para as lebres; para a grama; para a sua adorada e venerada dona - aquela senhora tão querida que o banhara, que o repreendera com tapas, que o alimentara com comida de seu próprio prato, apesar de ela mesma não ter muito o que comer -, para tudo que ele conhecida como alegria, amor e bondade humana! Pronto! A porta da frente fechou-se em um estrondo. Ela o abandonara."
Rapidamente, ele entende que seu lugar é junto com Elizabeth, que na época vivia confinada em seu quarto por conta de uma doença. São raras as vezes em que sai de casa, ou mesmo desse cômodo. Por consequência, Flush tem que adaptar-se ao sofá, onde passa os dias. Ele aprendeu a amá-la e ela fez de tudo para retribuir este amor. Eram inseparáveis. E eu diria que fisicamente parecidos. Vi uma foto dela e seus cachos lembravam as orelhas de Flush. O livro é totalmente do ponto de vista do cachorro, sabemos apenas o que ele vê e sente. Nos poucos passeios que faz pelas ruas de Londres, tudo ele observa. São hilárias as comparações feitas com os outros cães.
"Logo Flush descobriu que os cães de Londres estão estritamente divididos em classes distintas. Alguns são cães com coleira; alguns andam soltos. Alguns saem para passear em carruagens e bebem água em potes vermelhos; outros não são tratados, não têm coleira e tiram seu sustento da sarjeta."
Quando Robert passa a visitar Elizabeth, ele se rebela, pois deixa de ser o centro das atenções. Mas é justamente esse relacionamento que vai levá-lo aos seus melhores dias. Eles fogem para a Itália. Lá Flush tem a liberdade de passear sozinho, de fazer amizades, de namorar. Aliás, ele tinha várias namoradinhas. E uma grande paixão, que conheceu durante uma manifestação. Passa ainda por outra crise de ciúme com a chegada de um bebê. Nas palavras de Elizabeth "... durante uma quinzena inteira, afundou-se em uma profunda melancolia e mostrou-se avesso a qualquer atenção que lhe fosse dispensada." Passou, porém, e Flush descobriu que ambos tinham muito em comum. O fim não poderia ser mais lindo.

Elizabeth Barrett Browning and her cocker spaniel Flush, por James Edwin McConnell

Recomendo muito essa leitura. E aproveito para dizer: jamais compre animais. Isso aumenta o abandono. Querer um cachorro porque ele é de tal raça é egoísmo. É acreditar que os animais são produtos. Você pode até amar o cachorro, gato ou passarinho que comprou. Mas entenda que contribuiu para esse terrível negócio, que muitas vezes termina com os animais sendo seriamente machucados. Basta dar uma olhada nas ruas e nos abrigos. Reflita. Adote. Ame menos suas vontades e mais a vida de todos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

os catadores de conchas


"Foi tudo muito bom, em cada sentido da palavra. E, nesta vida, nada que seja bom é realmente perdido. Fica fazendo parte de uma pessoa, torna-se parte de sua personalidade."


"Os catadores de conchas", de Rosamunde Pilcher, entrou para a lista dos meus livros favoritos da vida. Não só pela narrativa, que é linda, tranquilizante. Mas por citar vários locais no Reino Unido: Gloucestershire, Carn Cottage, Cheltenham, Porthkerris, Cornualha, Londres. E, principalmente, pelos detalhes, que provam que a literatura sempre dá as respostas que precisamos. Eu acredito que a melhor leitura é quando o livro se ajusta perfeitamente ao momento em que estamos, aos nossos próprios questionamentos. Foi o que aconteceu com esse romance. Como diz a resenha do Sunday Express, esse livro é "um bálsamo muito bem-vindo para acalmar a mente agitada."   

Logo nas primeiras páginas entramos em outro mundo, o de Penelope Keeling. Universo cheio de jardins floridos, boa música, arte, casas no campo, no litoral e muita inspiração. A história se passa no início da década de 80, quando Penelope está com 64 anos. Lembranças nos levam à sua infância, juventude e ao período que cobre as duas guerras mundiais. Filha de um artista plástico, ela cresceu com conforto e liberdade. Mas com a segunda guerra, tudo mudou. Ainda assim, no meio dos conflitos, ela sempre soube encontrar motivos para seguir adiante. E é bem esse o espírito da personagem. "Mais tarde fará sol. Devo dizer isso a papai, pensou ela. Então, esse lhe pareceu um meio tão bom como qualquer outro de reiniciar o resto da vida que tinha pela frente." Mais que chorar por perdas, mortes e derrotas, o importante é acreditar que sempre é possível recomeçar. Não à toa, “O sol também se levanta”, título de Hemingway, é um dos livros citados e lidos pela protagonista. Aliás, o livro é cheio de referências literárias e musicais. Guardei algumas que vou atrás, como “Vidas Privadas”, de Noel Coward, e a poesia “Diário de outono”, de Louis MacNeice.

Há outro motivo que fez com que eu gostasse dela. Quando diz, que "jamais acalentara a ideia de usar uma peça confeccionada com uma pilha de animaizinhos mortos."

Além de sua trajetória, acompanhamos seus filhos Nancy, Olivia e Noel. A primeira é casada, tem dois filhos e almeja status social no condado em que mora. A segunda é a editora de uma famosa revista feminina, independente e totalmente despreocupada com relacionamentos amorosos. É a mais parecida com a mãe, de alguma forma. Já o caçula é ambicioso, gosta de estar com pessoas ricas e não se importa muito com a família. Bem parecido com o pai, que aparece pouco.

Há ainda o Richard, a grande paixão de Penepole. O trecho mais lindo do livro é quando ela conversa com uma amiga, a Doris, e diz que uma parte dele sempre ficou com ela. Já adianto que nenhum de seus filhos é dele, mas a delicadeza da percepção de nossa heroína nos faz refletir sobre tudo o que nos molda.

O título do livro vem do nome de um quadro de seu pai, Lawrence Stern. Depois de vários anos de sua morte, seus trabalhos, de uma hora para outra, passam a ser valorizados. Penelope tem três deles em sua casa, incluindo "O catador de conchas". Quando leilões envolvendo o nome de Stern surgem, Nancy e Noel entusiasmam-se, sem considerar que milhares de libras não compram o que as obras representam para a mãe.

Interessante também foi ler sobre autora, que escreveu esse livro quando tinha 60 anos após um desafio feito por seu editor. Ele pediu que Rosamunde escrevesse um romance para ser devorado e que explorasse as experiências de sua geração. Ela tinha três ideias iniciais: vida boêmia, herança e seu poder para desagregar e a época anterior à segunda guerra, que foram unidas após ela assistir ao documentário 'Pintando o calor do sol' na TV sobre os pintores de West Penwith, na Cornualha. Outras referências de sua vida também estão presentes, como Ibiza e o contato com artistas. Entender o processo criativo é sempre gratificante quando nos deparamos com algo que gostamos muito. Quando o livro tornou-se best seller, ela tomou uma dose de uísque com soda, 'solitária mas comemorativa’, e deu a notícia aos cachorros.' Nada mais Penelope.


Leitura com um clima bem inglês

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

patinhas

Patinhas unidas, juntinhas. Elas, desta forma, representavam o esforço para se livrar do engasgo. Assim estava meu cachorro e toda vez que olho para suas patinhas, volto àquele dia em que ele estava com elas apertadas, tossindo. Ofegante e sufocado, tentava se recuperar. Não pedia ajuda. Apenas foi para um canto da casa e as apertava cada vez mais enquanto tentava ‘desengasgar’, enquanto tentava sair daquele desconforto.

Mesmo agora, que 
só relembro aquele momento, sinto um aperto no peito. Pela angústia que passou.

A imagem ficou. A atitude de quem está em apuros, e que não espera ajuda. Sozinho e com suas forças. Dizem que os animais se afastam quando estão velhos e doentes.

Pela experiência, sei que é verdade. Eles se escondem.

Não preciso de nenhum estudo científico para acreditar que, mais que os seres humanos, eles sentem. Só que ao contrário de nós, que nunca estamos plenamente satisfeitos e que o mínimo de infortúnio é motivo para culparmos o outro. Eles, não. Apenas unem as patinhas. E esperam passar.