Dia de folga, de John Boyne, autor de O Menino do Pijama Listrado, se passa na véspera de Natal. Hawke, jovem soldado inglês, ganha uma trégua no meio do caos da Primeira Guerra Mundial. Essa folga, porém, não o tranquiliza. Enquanto o corpo está em constante movimento para se defender e revidar os ataques, a mente também se mantém ocupada. Ou seja, não há tempo para pensar no que se deixou para trás e nas consequências de suas escolhas. É justamente nesse breve momento de silêncio e contemplação que tudo se torna ainda mais pesado.
Hawke abre o presente enviado pela mãe: um par de meias quentes, limpas, feitas de lã. Considera um pequeno milagre tê-las recebido sem que fossem confiscadas. Ao colocá-las, percebe que não são tão confortáveis quanto as antigas, aquelas que já moldavam seus pés sujos, feridos, cheios de calos.
A metáfora é inevitável. O que era para aquecer e proteger se torna lembrança do que ficou para trás. O amor da mãe. A infância. As histórias com a babá. A morte do pai. A irmã, agora noiva. O irmão mais novo, querendo parecer mais velho para se alistar. O Natal sem mesa posta.
É nesse rebuliço interno que ele se vê caminhando floresta adentro, esperando encontrar o inimigo, fugindo de si, sentindo-se um desertor.
“A floresta está logo ali, e Hawke decide caminhar até ela. Coloca o capacete, pega o rifle. Caso os alemães que mataram Westman ainda estejam por perto. A rotina de guerra se impõe, até mesmo na trégua.”
Como num ciclo vicioso, ele retorna, sem ainda entender por onde andou. E é ali, no meio da lama, das ordens e das bombas, que se sente aliviado.
Em poucas páginas, Boyne nos oferece um conto sobre o que a guerra faz com o tempo, com a memória e com o corpo. Dia de folga reforça o quanto até uma trégua pode machucar. Porque parar, mesmo que por instantes, é lembrar. E lembrar dói. Hawke não volta à trincheira por dever. Volta porque entende que, depois de todas as feridas, ali é o seu único local possível.
“Era véspera de Natal e não haveria folga para os ímpios. Ele pegou seu rifle mais uma vez e ajeitou o capacete na cabeça. Precisava chegar à escada número cinco. Não havia tempo a perder. Bombas explodiam no céu sobre sua cabeça, um dos maiores shows de fogos no planeta. Melhor estar aqui do que numa floresta sozinho, ele pensou, quando pôs sua bota no degrau e começou a subir, sem hesitar enquanto se jogava para cima, ficava de pé e começava a atacar. É uma bela visão, ele pensou, enquanto o campo se acendia à sua frente como se fosse a entrada para outro mundo. A gente não vê esse tipo de coisa em casa.”
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