Eu já tinha assistido ao espetáculo de balé com a companhia Cisne Negro, mas nunca havia lido a versão adaptada por Alexandre Dumas.
Essa versão de O quebra-nozes, escrita em 1844, é uma adaptação da obra de E.T.A. Hoffmann e serviu de base para o famoso balé de Tchaikovsky. A narrativa começa com um homem que chega a uma festa de Natal e se oferece para contar uma história às crianças. A partir daí, somos levados ao universo de dois irmãos: Marie (ou Clara, na adaptação do balé) e Fritz, que esperam ansiosamente pelos presentes de Natal. Eles são ricos, criados com conforto e cercados de brinquedos. Mas o momento mais aguardado é sempre a chegada do padrinho Drosselmeyer, inventor excêntrico que traz presentes únicos e quase mágicos.
Os brinquedos, porém, não são acessíveis. Ficam guardados em armários altos, protegidos por vidro, quase como obras de arte, e não objetos feitos para brincar.
É Marie quem rompe essa barreira. Literalmente. Ao quebrar o vidro para alcançar o Quebra-Nozes, ela atravessa não só o obstáculo físico que a separava dos presentes, mas também o limite entre o mundo real e o imaginário.
O que torna esse gesto ainda mais simbólico é o afeto imediato que ela desenvolve pelo boneco. O Quebra-Nozes não é o mais bonito, nem o mais novo. Está torto, tem dentes grandes e depois acaba quebrado. Ainda assim, é ele que Marie escolhe. Ela o protege, cuida, se emociona. Chega a desalojar uma boneca de sua cama para que o boneco possa repousar. Seu carinho vem de um vínculo mais profundo.
Na mesma noite em que o vidro do armário se rompe, começa a transformação. Os brinquedos ganham vida, o Quebra-Nozes se ergue como líder de um exército e enfrenta uma batalha contra o temido Rei dos Camundongos e suas tropas. Marie participa ativamente da defesa, chegando a jogar seu sapatinho para salvá-lo. No dia seguinte, ela chega a adoecer.
É então que a história se desdobra em outras camadas. Dentro da narrativa que o misterioso contador compartilha com as crianças na festa, Drosselmeyer surge como narrador de outra história: a da princesa Pirlipat, amaldiçoada pela Rainha dos Camundongos e transformada em uma criatura grotesca. Para curá-la, era preciso encontrar uma noz especial e alguém capaz de quebrá-la com os dentes. Quem cumpre essa missão é o próprio sobrinho de Drosselmeyer. Ao fazê-lo, ele mesmo acaba enfeitiçado e se transforma no Quebra-Nozes.
A guerra contra o Rei dos Camundongos, portanto, é consequência direta dessa antiga maldição.
O que se segue é uma viagem pelo Reino dos Doces, pela Terra da Neve e por outros recantos encantados que só existem no mundo dos sonhos. E o padrinho surge como o elo entre esses mundos.
Leitura rápida, cheia de simbologias, que dá vontade de revisitar o balé, a música e o próprio olhar de encantamento, tão natural nas crianças e tão facilmente esquecido por nós, adultos.
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