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segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

o quebra-nozes, de alexandre dumas


Eu já tinha assistido ao espetáculo de balé com a companhia Cisne Negro, mas nunca havia lido a versão adaptada por Alexandre Dumas. 

Essa versão de O quebra-nozes, escrita em 1844, é uma adaptação da obra de E.T.A. Hoffmann e serviu de base para o famoso balé de Tchaikovsky. A narrativa começa com um homem que chega a uma festa de Natal e se oferece para contar uma história às crianças. A partir daí, somos levados ao universo de dois irmãos: Marie (ou Clara, na adaptação do balé) e Fritz, que esperam ansiosamente pelos presentes de Natal. Eles são ricos, criados com conforto e cercados de brinquedos. Mas o momento mais aguardado é sempre a chegada do padrinho Drosselmeyer, inventor excêntrico que traz presentes únicos e quase mágicos.

Os brinquedos, porém, não são acessíveis. Ficam guardados em armários altos, protegidos por vidro, quase como obras de arte, e não objetos feitos para brincar.

É Marie quem rompe essa barreira. Literalmente. Ao quebrar o vidro para alcançar o Quebra-Nozes, ela atravessa não só o obstáculo físico que a separava dos presentes, mas também o limite entre o mundo real e o imaginário.

O que torna esse gesto ainda mais simbólico é o afeto imediato que ela desenvolve pelo boneco. O Quebra-Nozes não é o mais bonito, nem o mais novo. Está torto, tem dentes grandes e depois acaba quebrado. Ainda assim, é ele que Marie escolhe. Ela o protege, cuida, se emociona. Chega a desalojar uma boneca de sua cama para que o boneco possa repousar. Seu carinho vem de um vínculo mais profundo.

Na mesma noite em que o vidro do armário se rompe, começa a transformação. Os brinquedos ganham vida, o Quebra-Nozes se ergue como líder de um exército e enfrenta uma batalha contra o temido Rei dos Camundongos e suas tropas. Marie participa ativamente da defesa, chegando a jogar seu sapatinho para salvá-lo. No dia seguinte, ela chega a adoecer.

É então que a história se desdobra em outras camadas. Dentro da narrativa que o misterioso contador compartilha com as crianças na festa, Drosselmeyer surge como narrador de outra história: a da princesa Pirlipat, amaldiçoada pela Rainha dos Camundongos e transformada em uma criatura grotesca. Para curá-la, era preciso encontrar uma noz especial e alguém capaz de quebrá-la com os dentes. Quem cumpre essa missão é o próprio sobrinho de Drosselmeyer. Ao fazê-lo, ele mesmo acaba enfeitiçado e se transforma no Quebra-Nozes.

A guerra contra o Rei dos Camundongos, portanto, é consequência direta dessa antiga maldição.

O que se segue é uma viagem pelo Reino dos Doces, pela Terra da Neve e por outros recantos encantados que só existem no mundo dos sonhos. E o padrinho surge como o elo entre esses mundos.

Leitura rápida, cheia de simbologias, que dá vontade de revisitar o balé, a música e o próprio olhar de encantamento, tão natural nas crianças e tão facilmente esquecido por nós, adultos.

domingo, 29 de dezembro de 2024

último natal em paris


"E os animais, Alice? Você vê os cavalos e os cachorros? Eu odeio pensar que estejam sofrendo, mas ouço relatos dos mais terríveis sobre cavalos se afogando na lama grossa. É verdade? Os campos estão muito vazios aqui. É quase possível esquecer quantas belas criaturas corriam livremente por esta terra. Todos se foram, exceto os que eram velhos e mancos demais para ser úteis. Eu me pergunto o que aconteceu com os amados cavalos de Will, Hamlet e Shylock. Nem gosto de pensar."

Lá se foi o tempo em que a troca de cartas era a principal forma de manter contato com amigos ou familiares distantes. Hoje temos videochamadas, áudios, mensagens instantâneas. Até mesmo o e-mail, que já foi tão usado, parece obsoleto. Com isso, perdemos um pouco dos detalhes e da emoção que as antigas missivas carregavam.

É justamente isso que o livro Último Natal em Paris, de Hazel Gaynor e Heather Webb, recupera. Confesso que, nas primeiras páginas, ainda não tinha me convencido, mas logo meu interesse despertou. Comprei sem ler muito sobre ele; apenas vi que falava de Natal e da Primeira Guerra Mundial.

O que temos aqui é uma história quase inteiramente contada por meio de cartas — trocas entre amigos, irmãos, pais e, principalmente, entre Thomas Harding e Evie Elliott, que protagonizam a narrativa.

O ponto de partida é a viagem de Thomas, já idoso, saindo da Inglaterra em direção a Paris. É a cidade que, por muitos anos, simbolizou o sonho adiado dele com Evie. Sempre diziam que, quando a guerra terminasse, iriam juntos para lá. Agora, com a saúde frágil e acompanhado por sua cuidadora, ele leva consigo um pacote de cartas que marcaram os anos em que esteve a serviço militar.

Essas cartas começam no dia em que ele parte com seu melhor amigo, Will, para a primeira missão, em 1914. A partir daí, inicia-se a troca de mensagens com Evie, irmã de Will. É por meio delas que acompanhamos o nascimento do afeto entre os dois, além de conhecermos um pouco da vida nas trincheiras, das transformações sociais e dos impactos da guerra no cotidiano.

Mas não lemos apenas as cartas entre Thomas e Evie. Há também bilhetes, telegramas e mensagens trocadas entre outros personagens, o que enriquece o enredo e amplia a perspectiva da época.

Um ponto particularmente interessante é a presença dos animais ao longo da narrativa. Evie começa a desenhar pássaros e vai aperfeiçoando seus traços com o tempo. Os pássaros tornam-se símbolo de liberdade, em contraste com o confinamento da guerra. Já os animais usados para alimentação aparecem de forma triste e realista, como na falta que fazem na ceia de Natal. E os ratos, como sempre, como horripilantes. 

"As analogias com pássaros são bastante úteis, sabe? A carriça insufla seu pequeno peito para ter coragem e força, a cotovia dá sorte, e que tal o pavão, com seu imponente peito turquesa e sua bela cauda de penas coloridas? Você é como um pássaro. Uma águia, destinada a voar alto, mas sem nunca perder a visão aguçada. Você não é uma mulher de gaiola, é? Um dia, você não poderá conter o fogo que tem dentro de si e sairá por aí, irrefreável. Sua coluna é o início perfeito."

"Em outras notícias, temos uma infestação de ratos. Eu os ouço correr por trás das paredes e pela chaminé. Estremeço ao ouvir o arranhar das horríveis patinhas deles. Mills colocou armadilhas, e posso dizer que não há nada mais desagradável do que o paf e o crac que elas fazem ao serem acionadas. É de revirar o estômago. Tanto assim que estou em busca de um bom caçador de ratos. Não gosto muito de gatos, mas deve ser preferível a esse som terrível."

Há ainda uma cena marcante envolvendo cavalos. Descobrimos como também foram convocados para o esforço de guerra e acompanhamos a angústia do irmão de Evie, preocupado com seus animais.

"Falando em casa, seus cavalos foram levados para algum lugar? Will se preocupa com Shylock e Hamlet. Vimos as cargas partir – centenas deles, ou milhares, na verdade. Fomos informados de que estão confiscando todos os cavalos e os enviando ao front. Seu irmão cometerá traição se levarem os cavalos dele. Você sabe como ele os ama. Se forem para a batalha… Bem, não vamos falar disso. Faça o que puder."

Último Natal em Paris é emocionante. Para quem gosta de histórias de amor em tempos de guerra, é uma ótima escolha, cheia de emoção, memórias e reflexões sobre o poder das cartas.

"Você conhece minha paixão por Shakespeare, é claro. Você sabia que ele usou imagens de pássaros em sua obra mais do que qualquer outro? O poema mais obscuro dele é o complemento ao texto de outro escritor e se chama (agora, pois incialmente foi publicado sem título) “A Fênix e a Tartaruga”. Fala de um par de pássaros, uma fênix e uma pomba (a pomba-tartaruga), cujo amor cria uma união tão perfeita que desafia o sentido concreto e a lógica terrena e supera qualquer obstáculo. Mostrarei para você quando eu voltar. Tenho uma cópia entre minhas coisas da escola."


domingo, 22 de dezembro de 2024

casamento em dezembro


"Sentiu uma dor bem lá no fundo. Por um momento, imaginou uma vida diferente. Uma vida equilibrada e variada. Em vez de voltar para casa morta de exaustão, sem nada a oferecer, voltar para casa para alguém que se importava com ela."

Casamento em dezembro, da britânica Sarah Morgan, reúne tudo o que se espera de um romance natalino: paisagens cobertas de neve, lareira acesa, família reunida em uma cabana e reconciliações.

Maggie tem duas filhas e vive para a família, em uma casa no interior da Inglaterra, cercada por campos verdes e paisagens tranquilas. Sua época favorita do ano é o Natal, com tudo o que ele representa. Ela decora a casa com cuidado, prepara inúmeros pratos e guarda com carinho os enfeites que as meninas fizeram quando ainda eram crianças.

Mas, desta vez, tudo será diferente.

Seu casamento está praticamente acabado, embora ela e o marido ainda não tenham contado a ninguém. E, para completar, Maggie recebe uma ligação inesperada da filha caçula, Rosie, dizendo que decidiu se casar na véspera de Natal. Com um noivo que a família nem conhece. A notícia vira o centro da apreensão. Para piorar, a cerimônia será do outro lado do oceano, no Colorado, Estados Unidos.

Rosie sempre foi a filha mais frágil, com problemas de saúde desde pequena. Isso fez com que Katie, a mais velha, crescesse com um senso enorme de responsabilidade e acabasse escolhendo a medicina como profissão. Ela também estará presente neste Natal atípico, embora chegue esgotada, emocionalmente distante e pouco disposta a comemorar qualquer coisa. Sua principal motivação, na verdade, é tentar convencer a irmã a desistir da ideia repentina de casamento.

A narrativa alterna os pontos de vista entre as três mulheres. Vemos Maggie tentando manter a tradição, mesmo quando tudo ao redor parece desmoronar; Katie lidando com um trauma recente e fechada para qualquer tipo de emoção; e Rosie, determinada a mostrar que sua decisão é legítima e que Dan é, sim, o amor da sua vida.

Como era de esperar, a história às vezes se apoia em clichês. Algumas falas soam ensaiadas e certas atitudes são um tanto exageradas.

Ainda assim, Casamento em dezembro tem seus momentos. Pode ser uma boa pedida para quem busca uma leitura leve, com clima natalino e final feliz.

"Algumas pessoas tinham grandes sonhos e objetivos, mas Maggie apreciava as coisas pequenas. Os primeiros brotos na macieira, o raspar suave do lápis no papel enquanto Katie fazia o dever de casa na mesa da cozinha, o cheiro de roupa recém-lavada, a alegria da primeira xícara de café do dia e o puro prazer de um livro que a transportava para outra vida e outro lugar."

sábado, 21 de dezembro de 2024

dia de folga


“Esse era o problema dos dias de folga. Eles eram tão raros, e você esperava tanto por eles, mas, quando chegavam, seu corpo estava tão acostumado a se mover constantemente que era quase impossível relaxar.”

Dia de folga, de John Boyne, autor de O Menino do Pijama Listrado, se passa na véspera de Natal. Hawke, jovem soldado inglês, ganha uma trégua no meio do caos da Primeira Guerra Mundial. Essa folga, porém, não o tranquiliza. Enquanto o corpo está em constante movimento para se defender e revidar os ataques, a mente também se mantém ocupada. Ou seja, não há tempo para pensar no que se deixou para trás e nas consequências de suas escolhas. É justamente nesse breve momento de silêncio e contemplação que tudo se torna ainda mais pesado.

Hawke abre o presente enviado pela mãe: um par de meias quentes, limpas, feitas de lã. Considera um pequeno milagre tê-las recebido sem que fossem confiscadas. Ao colocá-las, percebe que não são tão confortáveis quanto as antigas, aquelas que já moldavam seus pés sujos, feridos, cheios de calos.

A metáfora é inevitável. O que era para aquecer e proteger se torna lembrança do que ficou para trás. O amor da mãe. A infância. As histórias com a babá. A morte do pai. A irmã, agora noiva. O irmão mais novo, querendo parecer mais velho para se alistar. O Natal sem mesa posta.

É nesse rebuliço interno que ele se vê caminhando floresta adentro, esperando encontrar o inimigo, fugindo de si, sentindo-se um desertor.

“A floresta está logo ali, e Hawke decide caminhar até ela. Coloca o capacete, pega o rifle. Caso os alemães que mataram Westman ainda estejam por perto. A rotina de guerra se impõe, até mesmo na trégua.”

Como num ciclo vicioso, ele retorna, sem ainda entender por onde andou. E é ali, no meio da lama, das ordens e das bombas, que se sente aliviado.

Em poucas páginas, Boyne nos oferece um conto sobre o que a guerra faz com o tempo, com a memória e com o corpo. Dia de folga reforça o quanto até uma trégua pode machucar. Porque parar, mesmo que por instantes, é lembrar. E lembrar dói. Hawke não volta à trincheira por dever. Volta porque entende que, depois de todas as feridas, ali é o seu único local possível.

“Era véspera de Natal e não haveria folga para os ímpios. Ele pegou seu rifle mais uma vez e ajeitou o capacete na cabeça. Precisava chegar à escada número cinco. Não havia tempo a perder. Bombas explodiam no céu sobre sua cabeça, um dos maiores shows de fogos no planeta. Melhor estar aqui do que numa floresta sozinho, ele pensou, quando pôs sua bota no degrau e começou a subir, sem hesitar enquanto se jogava para cima, ficava de pé e começava a atacar. É uma bela visão, ele pensou, enquanto o campo se acendia à sua frente como se fosse a entrada para outro mundo. A gente não vê esse tipo de coisa em casa.”