"Mas faltava algo. Algo impreciso, algo intangível."
É esse o sentimento mais presente no terceiro romance da espanhola María Dueñas. Ao contrário dos outros dois que trazem protagonistas femininas, fortes e determinadas, “Destino La Templanza” traz um homem que conduz todo o enredo. Mas esse foi meu único estranhamento ao começar a leitura. No mais, estão presentes todas as características dos livros anteriores, “O tempo entre costuras” e “O melhor da história está por vir”: pessoa que se vê no fundo do poço, terras colonizadas pelos espanhóis (ou tentativas), muito trabalho para se reerguer, paixões e certo melodrama no final. Além de histórias paralelas, tão envolventes quanto a principal.
Mauro Larrea é espanhol, viúvo e com dois filhos. Sua vida nunca foi muito fácil, não conheceu o pai e foi abandonado pela mãe com quatro anos. Ainda jovem, como muitos compatriotas, vai para o México, o 'novo mundo'. Lá descobre as minas e a prata. Após anos trabalhando arduamente como minerador torna-se rico empresário do ramo.
Contudo, vê tudo ir por água abaixo ao fechar negócio com um norte-americano. Estamos por volta de 1861, quando explode a Guerra Civil Norte-Americana e com ela a fortuna de Mauro, que fica presa entre os dois extremos da nação em conflito.
Sem dar o braço a torcer, e sem querer mostrar à alta sociedade mexicana, da qual agora faz parte, que está falido, ele – contrariando todos os conselhos de seu amigo e procurador – vai buscar ajuda de um agiota, com o qual já tinha tido várias desavenças. Consegue sanar parte de suas dívidas e mudar-se para outro país, tentativa de buscar outros empreendimentos. O destino é Havana, em Cuba, sempre acompanhado do seu fiel escudeiro, Santos Huesos, índio que há anos está com ele. Chegam a ser comparados no texto com Dom Quixote e Sancho Pança.
Bem apessoado, ele atrai todos os olhares femininos. E são as mulheres que vão mudar o rumo de seus planos e testar seu caráter. Jogar sujo não é com ele. Mas em determinado momento uma proposta extremamente imoral parece ser a única oportunidade que tem. Ele sofre horrores com isso. E nós também. Será que vai sucumbir?
Enfim, depois de sua breve estadia em Cuba, a sorte o leva à Jerez de la Frontera, cidade espanhola. Lá, mais emoções, histórias cruzadas e um amor digno de dramalhão mexicano. Desnecessárias algumas passagens, assim como o ritmo acelerado das últimas páginas. Parecia que o tempo estava acabando e a autora ainda tinha que dar conta de explicar o que estava em aberto. Contudo, o livro é excelente. Leitura agradável com contexto histórico e até aula sobre vinhos. A narrativa, que mescla diálogos com pensamentos do que poderia ter sido dito e não foi, lembrou-me "Os enamoramentos", de outro escritor espanhol, Javier Marías. Interessante recurso que ressalta nossos próprios diálogos com o mundo.
Li praticamente sem pausas e sem parar de pensar que a insistência em ter o que consideramos ideal nos aprisiona. De repente, podemos mudar da prata para o vinho e ver que nada poderia ser mais prazeroso. Quem sabe.
Trechos
"Há muitos anos a vida vem me ensinando que o mais conveniente é que cada um cuide de seus próprios assuntos, sem intromissões."
"Dentro dos barris de carvalho acontece o milagre que aqui chamamos de a flor: uma camada natural de pequenos organismos que cresce sobre o vinho e o protege, o nutre e lhe dá fundamento. Graças a ela conseguimos os cinco efes, os requisitos que sempre se considerou os bons vinhos devem atender: fortia, formosa, fragantia, frígida et frisca. Devem ser encorpados, finos, perfumados, frescos e envelhecidos."
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