Em “As Intermitências da Morte”, do escritor português José Saramago, não foi o mundo que “não se acabou”, mas a morte que não chegou. Motivo: cansou de ser odiada pelos humanos e resolveu mostrar o quanto é importante. Logo no primeiro parágrafo do livro, Saramago nos explica a situação:
“No dia seguinte ninguém morreu.”
“Passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada. Nem sequer um daqueles acidentes de automóvel tão frequentes em ocasiões festivas, quando a alegre irresponsabilidade e o excesso de álcool se desafiam mutuamente nas estradas para decidir sobre quem vai conseguir chegar à morte em primeiro lugar.”
Todos celebram num ímpeto. Afinal, sobrevivem a acidentes, doenças crônicas e demais males que teriam levado o cidadão desta para melhor. Contudo, o que parecia ser uma dádiva, passa a incomodar. Os enfermos se multiplicam, lotam hospitais, estorvam os familiares e, claro, sofrem. Como não há morte, a dor torna-se eterna.
Governo e igreja confabulam. Enquanto uns pensam no que será feito da previdência social, outros discutem que não há mais vida após a morte. Assim sendo, qual seria a razão da religião? Filósofos e economistas também lançam seus pensamentos diante da grave situação. Enquanto isso, as funerárias padecem com o desaparecimento de seu público-alvo.
Passado algum tempo, descobre-se que a greve atinge apenas aquele país. Do outro lado da fronteira, é possível morrer. É só atravessá-la para que a pessoa possa, enfim, descansar em paz. Como tudo o que é fácil pode ser complicado, a burocracia dificulta a vida (ou morte) dos moribundos. Eis que surgem as brechas, os oportunistas e a máfia, que passa a dominar o esquema da travessia. Neste trecho temos grande ironia de Saramago em relação à política e à sociedade. Aliás, como em todas as suas obras, há trechos hilariantes. Você “morre de tanto rir”.
Do outro lado, a morte assiste a tudo de camarote. Até que muda de estratégia e pede para que uma carta sua seja lida em rede nacional de televisão. O país para e ouve o que ela tem a dizer. O que ela não previu é que se apaixonaria por um humano. E ninguém morre enquanto a morte sofre por amor. Li o livro há mais de seis anos, mas ele ainda está muito presente na minha mente. Imperdível.
E o mundo não se acabou, na voz de Adriana Calcanhotto
olá Kátia, que leitura boa, e que curiosidade deste livro, assim que eu puder farei de tudo pra lê-lo. Abraço fraterno. Aline Marques
ResponderExcluirEstá na lista dos meus favoritos. É sensacional! Abraços!
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