Dois anos depois do sucesso de “Comer, Rezar e Amar”, Elizabeth Gilbert se viu com a missão de escrever outro livro que agradasse seus leitores. Aliás, é com este propósito que abre “Comprometida”, concebido a partir do dilema: casar ou não casar novamente?
Para quem não leu o primeiro livro, trata-se de um relato de uma mulher na casa dos trinta anos que resolve mudar, em parte, a vida que tem. Para isso, rompe um casamento e se lança para a Itália, onde aprecia belos e deliciosos pratos. Conhece os cafés de Roma e faz alguns bons amigos. Depois, ruma em direção à Índia onde espera ter um momento só seu. Passa os dias a meditar, a livrar-se de mosquitos e a limpar o chão. Tudo sem perder de vista sua vida moderna, bem-sucedida e capitalista no Ocidente. Na sequência, parte para a terceira parte projetada de sua viagem: a Indonésia. Lá, conhece um brasileiro pelo qual se apaixona e com o qual encerra a história, feliz (ops, será que não deveria ter contado isso?). Enfim, na leitura, que é gostosa e vale pelas dicas de viagem e fatos históricos, fica a sensação de que ela é uma mulher de sorte. Poucos poderiam se aventurar assim sem se preocupar com o que o futuro iria lhes reservar na volta. No caso de Gilbert, ele já estava traçado quando recebeu da editora um valor adiantado pelo livro que seria escrito. Ganhou, como bônus, um namorado dedicado.
O livro trata do dilema de várias mulheres. Casar? Ter filhos? Mudar de carreira? Viajar sem destino? Discutir o relacionamento? Mas, afinal, o que queremos? Com o que somos "comprometidas"? Não é à toa que os chamados chick lits, categoria na qual não pretendo encaixar a leitura de “Comer, Rezar e Amar”, viraram best-sellers e fazem várias escritoras terem uma conta bancária bem melhor que a nossa. Vejamos o caso de Marian Keys, de Melancia e seus desdobramentos, e a saga de Helen Fielding com sua Bridge Jones. Sim, dilemas femininos podem ser lucrativos e oportunos em algum momento de nossas vidas. Isso sem falar em Sex And The City ou simplesmente SATC. Duas amigas e eu costumávamos usar essa sigla para agendar encontros para debatermos, entre cafés e pedaços de bolo, digamos, nossas questões existenciais. Leia-se: “Casar? Ter filhos? Mudar de carreira? Viajar sem destino? Discutir o relacionamento?” Parece engraçado, mas é exatamente o que passa na cabeça das mulheres modernas, pós-graduadas e emancipadas. Claro que há exceções. Mas, são exceções.
Li recentemente que é justamente a liberdade de expressão e de escolhas que dão origem as “neuras” que nos dominam. Transportando isso para o universo feminino, parece fazer sentido. Antigamente, tudo parecia ser mais simples: alfabetização, leituras de romances franceses, bordados, casamento arranjado, filhos e mais bordados. Hoje, não. Felizmente, podemos mudar o roteiro de acordo com nossas preferências. O problema é que sempre ficamos com a sensação de que poderíamos ter escolhido outro caminho. Contudo, as cobranças existem e também passam a nos atormentar. Além da questão campeã em audiência “quando você vai casar?”, somos cobradas por uma casa própria, por reservas financeiras, por uma profissão, por um salário melhor, por andar na moda, por uma barriga reta, pernas duras e férias (sim, até ela pode estressar, porque se não viajamos, não são férias “de verdade”). Ufa.
No meio de tudo, é natural que deixemos de lado a pergunta número um. Pois tudo parece muito mais importante. Mas será que isso realmente acontece?
Gilbert coloca em “Comprometida” justamente a questão do casamento: “casar para quê?”, se pergunta. Puxa vida, e o romantismo? E a história que ela mesma conta de Zeus, que por inveja da felicidade aqui na terra onde todos viviam saltitante e felizes com duas cabeças, quatro pernas, quatro braços, lança um feitiço que separa brutalmente cada ser em dois, fazendo com que a humanidade fique para todo o sempre em busca de sua outra metade? Como fica tudo isso?
Desconfio, ainda, quando ela põe a mulher numa posição inferior. São sempre as fêmeas que abdicam de seus interesses em prol de um casamento e de uma família. Mesmo? O homem também não tem que abrir mão de gostos pessoais e não fica com o peso de ter que sustentar esposa e filhos? Não sou machista, muito menos feminista. Acredito que se lutamos tanto por direitos iguais, temos que pensar de maneira equivalente. Durante seu discurso, a autora lança mão de estatísticas que mostram que o casamento é uma instituição falida. Fala por sua experiência, pois protagonizou uma história com final infeliz. Mas ao mesmo tempo parece o tempo inteiro buscar conselhos e números que venham ao encontro do que, secretamente, quer ouvir: “no fundo, vale muito a pena casar-se.”
Tudo porque o destino a coloca diante do serviço de imigração que põe em cheque os vários vistos de idas e vindas do namorado brasileiro nos Estados Unidos. Solução dada pelo próprio policial: “você não gosta dele? Case-se, então, assim ele consegue o green card.” Parece fácil e razoável. Todavia, não para uma divorciada que tem urticárias só de pensar numa outra união estável. Passa a relembrar da dor que sentiu na época da separação, do remorso que teve, das confusões no momento da partilha de bens. Aqui, vale ressaltar uma máxima chick-lit: sem dilemas femininos, sem best-seller. Então, é isso. Entre um documento e outro a ser encaminhado ao serviço de imigração, temos viagens ao Vietnã, ao Laos e outros países asiáticos a fim de colher depoimentos e histórias sobre a aliança entre homem e mulher. Por lá parece ser sempre a mesma coisa: casa-se por convenção. E por aqui? Tendo a acreditar que não é bem assim. Não há regras. Há os que casam porque querem, outros porque amam, outros porque não querem ficar sozinhos. Por outro lado, há os que não casam porque não querem, porque gostam da individualidade, porque ainda não encontraram alguém ou porque não deram “sorte no amor”. Frase triste mas que tem seu fundamento. Há os que casam e que se dão mal. Os que casam e que não se desgrudam. Os que levam o relacionamento sem ferir a individualidade. Tudo é possível numa sociedade democrática e cheia de opções. Ainda bem. Não ficamos restritas apenas ao casamento como fim, mas como uma alternativa entre tantas outras. A propósito, a "clássica versão brasileira de resolver conflitos", característica do namorado descrita por ela, igualmente não é ditada por regras. Se Elizabeth ou a família não falariam de forma "impulsiva" nem com um assaltante, a minha e eu muito menos. Apenas um parênteses.
Tudo porque o destino a coloca diante do serviço de imigração que põe em cheque os vários vistos de idas e vindas do namorado brasileiro nos Estados Unidos. Solução dada pelo próprio policial: “você não gosta dele? Case-se, então, assim ele consegue o green card.” Parece fácil e razoável. Todavia, não para uma divorciada que tem urticárias só de pensar numa outra união estável. Passa a relembrar da dor que sentiu na época da separação, do remorso que teve, das confusões no momento da partilha de bens. Aqui, vale ressaltar uma máxima chick-lit: sem dilemas femininos, sem best-seller. Então, é isso. Entre um documento e outro a ser encaminhado ao serviço de imigração, temos viagens ao Vietnã, ao Laos e outros países asiáticos a fim de colher depoimentos e histórias sobre a aliança entre homem e mulher. Por lá parece ser sempre a mesma coisa: casa-se por convenção. E por aqui? Tendo a acreditar que não é bem assim. Não há regras. Há os que casam porque querem, outros porque amam, outros porque não querem ficar sozinhos. Por outro lado, há os que não casam porque não querem, porque gostam da individualidade, porque ainda não encontraram alguém ou porque não deram “sorte no amor”. Frase triste mas que tem seu fundamento. Há os que casam e que se dão mal. Os que casam e que não se desgrudam. Os que levam o relacionamento sem ferir a individualidade. Tudo é possível numa sociedade democrática e cheia de opções. Ainda bem. Não ficamos restritas apenas ao casamento como fim, mas como uma alternativa entre tantas outras. A propósito, a "clássica versão brasileira de resolver conflitos", característica do namorado descrita por ela, igualmente não é ditada por regras. Se Elizabeth ou a família não falariam de forma "impulsiva" nem com um assaltante, a minha e eu muito menos. Apenas um parênteses.
Voltando ao Laos e à história que a norte-americana conta da moça de dezenove anos, Noi, e de seu marido Keo, de vinte e um anos, fica certa pretensão da autora que parece dizer entrelinhas: “ainda bem que não nasci neste lugar com tanques de rãs no quintal e aparente submissão feminina”. Sortuda, Gilbert. E, sobretudo, talentosa, ou não saberia usar todos os dilemas das garotas de trinta a seu favor. Ou seriam sortudos Noi e Keo que entre vários tanques de rãs nutrem uma admiração mútua onde o poder de escolhas individuais é o que menos importa? Como disse Manoel Bandeira, no poema A Arte de Amar, “Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”
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