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sábado, 15 de abril de 2023

por favor, cuidem da mamãe



"Há momentos em que a pessoa só pensa no assunto depois que algo acontece, sobretudo depois que algo ruim acontece."


Concluí a leitura de "Por favor, cuidem da mamãe", da autora coreana Kyung-Sook Shin, e me senti profundamente tocada. Pensei na minha mãe, no meu pai (que já não está mais aqui), nos meus irmãos, na minha filha e em todas as pessoas queridas às quais, frequentemente, não dedicamos a atenção merecida, ocupados com coisas que, no fim, pouco importam.

A narrativa se desenrola através de múltiplas perspectivas, quase como se nós, os leitores, estivéssemos dialogando com nossas próprias consciências. Os personagens centrais são Chi-hon, uma escritora emergente; seu irmão mais velho, Hyong-chol; e seus pais. Dois outros irmãos também fazem aparições, mas de forma mais secundária na trama.

A figura materna, conhecida como "Mamãe", desaparece. Ela se perde na agitada estação de trem em Seul enquanto estava a caminho de visitar o filho mais velho. O pai não percebe que ela não está atrás dele ao entrar no vagão e só se dá conta da ausência da esposa quando já é tarde demais.

De modo semelhante, os outros personagens também percebem tardiamente o que poderiam ter dito a Mamãe, o que poderiam ter feito por ela e o que poderiam ter ouvido dela.

"Quando tinha sido a última vez que você conversara com Mamãe sobre algo que lhe acontecera?"

Cartazes e anúncios são criados com suas informações. A primeira dúvida diz respeito ao ano em que nasceu: seria 1938 ou 1936? Curiosamente, ela nasceu no mesmo dia que eu, 24 de julho. O pai explica que, como muitas crianças morriam antes de completar três anos, era comum esperar um tempo antes de registrá-las. Por isso, a confusão das datas. Mas, naquele momento, isso é irrelevante, apenas um detalhe diante da angústia predominante: Mamãe sumiu.

Meses se passam e não há sinal dela. A vida, de certa forma, continua, mas o vazio e a culpa pelo tempo perdido se acentuam.

Os personagens, alternadamente, recordam conversas e pedidos de Mamãe que foram ignorados ou esquecidos. Chi-hon, por exemplo, lembra que sua mãe gostava de ouvir sobre suas viagens, mas nunca encontrava tempo para compartilhar essas experiências. Reconhece, com pesar, que sempre via sua mãe apenas como "Mamãe", sem nunca questionar os sonhos e desejos que ela pode ter sacrificado para assumir esse papel. E agora, em sua ausência, todos refletem e se arrependem.

"Para você, Mamãe era sempre Mamãe. Jamais lhe ocorrera que ela tivesse um dia dado seus primeiros passos ou que uma vez tivesse tido 3, 12 ou 20 anos de idade. Mamãe era Mamãe. Já tinha nascido Mamãe."

"…como poderíamos ter pensado em Mamãe como Mamãe a vida inteira? Embora eu seja mãe, tenho muitos sonhos que são só meus e lembro-me de coisas da minha infância, de quando eu ainda era menina, depois uma mulher jovem, e não me esqueci de nada. Então por que pensamos em Mamãe como uma mãe desde o início? Mamãe não teve a oportunidade de perseguir seus sonhos e, inteiramente sozinha, enfrentou tudo o que a época lhe infligiu, pobreza e tristeza, sem nada poder fazer com relação a não ter tido sorte na vida, a não ser sofrer, superar os problemas e viver sua vida da melhor maneira que conseguisse, entregando-se de corpo e alma. Por que nunca levei em conta os sonhos de Mamãe?"

Inclusive o pai, que, embora gentil com todos ao redor, era duro com Mamãe. Frequentemente a menosprezava, apesar dos incessantes esforços dela para tornar sua vida mais confortável. Mesmo quando ele saiu de casa para viver com outra mulher, Mamãe mantinha uma sopa quente à espera dele na mesa. Ele se lembra, com muito arrependimento, de ver a esposa curvada de dor e de não fazer nada por ela. Mamãe estava bastante doente e já não seguia os rituais que tanto valorizava. Confundia-se com as frases e pensamentos.

"O hábito pode ser algo assustador. Você falava educadamente com outras pessoas, mas suas palavras se tornavam ásperas quando dirigidas a sua esposa. Às vezes até a xingava. Agia como se tivesse sido decretado que não podia tratá-la com delicadeza. Era o que você fazia."

"Quando você adoecia, sua esposa colocava a mão na sua testa, massageava sua barriga, ia à farmácia comprar remédio e preparava seu mingau de feijão-da-china, mas quando ela não se sentia bem, você apenas a mandava tomar algum remédio."

Em uma das últimas conversas, a filha lembra-se de Mamãe pedindo que lhe trouxesse contas de rosário rosa se algum dia fosse ao menor país do mundo. No fim, talvez essa seja a única coisa que poderá fazer por ela, mesmo que seja tarde demais.

"Passei a vida sem falar com sua mãe. Ou perdi a chance, ou deduzi que ela saberia. Agora sinto que eu poderia dizer qualquer coisa e todas as coisas, mas não há ninguém para me escutar. Chi-hon? — Sim? — Por favor… por favor, cuide de sua mãe."


Trechos

"O livro que você escolheu enquanto Mamãe esperava do lado de fora da livraria foi Humano, demasiado humano. Mamãe, prestes a pagar pela primeira vez na vida por um livro que não era um livro didático, olhou com atenção o que você escolheu. — É um livro de que você precisa? Você logo fez um gesto afirmativo com a cabeça, preocupada que ela pudesse mudar de ideia. Na verdade, você não sabia que livro era aquele. Dizia na capa que tinha sido escrito por Nietzsche, mas você não sabia quem ele era. Escolhera aquele apenas porque gostara de como o título soava."

"Como é possível alguém fazer só o que gosta? Há coisas que a gente precisa fazer quer goste, quer não. — Sua mãe olhava para você com uma expressão que dizia: “Que tipo de pergunta é essa?” E resmungou: — Se fizer apenas o que gosta, quem vai fazer o que você não gosta?"

"Você foi meu primeiro filho. Essa não é a única coisa que você me forçou a fazer pela primeira vez. Tudo o que você faz abre um novo mundo para mim. Você me forçou a fazer tudo pela primeira vez."

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