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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

histórias de paris

"O caráter dos franceses, os problemas de documentação, os compatriotas e o gueto, a solidão não é a mesma aqui e lá, a saudade como detergente, a saudade como corrosão, a saudade como consolo."

"- Como nos arrebentaram.
- É.
- Nos quebraram.
- É.
- Você está decidida?
- Estou.
- Eu não sei, não sei.
- Por quê?"


Mário Benedetti foi um dos exilados durante a ditadura uruguaia nas décadas de setenta e oitenta. E é essa experiência que inspira os quatro contos de "Histórias de Paris", que embora tenham sido publicados em anos e livros distintos se complementam nesta edição que li, ilustrada pelo argentino Antonio Seguí. Teria sido melhor ler sem os desenhos, que deram um tom cômico que não combinou com o texto. 

A narrativa é objetiva, dura. Talvez reflexo do medo, da opressão, da solidão. Mas ao mesmo tempo nos leva a sentir a mesma nostalgia que os personagens, todos fictícios. Os contos mostram que muitas vezes a saudade dos planos, que nunca aconteceram, pode ser ainda maior do que o que foi vivido.

No primeiro, "Geografias", dois amigos disputam um jogo que consiste em ver quem mais se lembra dos detalhes de Montevidéu, cidade natal de ambos. Enquanto discutem sobre determinado monumento, reencontram a ex-namorada de um deles. Mas o que poderia ser alegre, apenas os lembra de que não há mais esperanças.

O que mais gostei foi o segundo, "Cinco anos", que tem um pé no realismo fantástico. Ou apenas sugere que tudo é tão rápido que quando nos damos conta já acabou. Principalmente quando estamos a sonhar. O texto traz um casal que se conhece no metrô parisiense. Os dois entram no último trem e ao desembarcarem não conseguem cruzar o portão da estação antes que ele fosse fechado. Perdem a última saída e varam a noite em um banco na plataforma. Talvez seja a história que ele, Raúl, busca para o livro que quer escrever. Cinco anos se passam e nos supreendemos com o desfecho.

O próximo, "O hotelzinho da rue Blomet", traz outro casal que não se acostumou à aparente liberdade, e que resolve se reencontrar no mesmo hotel que ficou anos antes. Em uma época em que ambos eram descomprometidos. Com a política e com outras pessoas. A incerteza dá o tom ao sucinto diálogo entre eles.

O último, "Só por distração", é o único que não tem Paris como cenário. Fala de um exilado que não se vê como tal e por causa da sua distração sempre se espanta com os lugares em que vai parar. Chega a ser engraçado. Aí, sim, se encaixa as ilustrações de Seguí. "Enquanto mastigava com fruição notou que estava escostado numa coluna que lembrava as colunas de mármore pantélico que vira em alguma foto do Paternon e, claro, a partir dessa associação percebeu que de fato estava na Acrópole. Sim, era terrivelmente distraído." Fiquei com vontade de ler mais sobre a ditadura em nosso continente. Pesquisa já ;-)

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