"Pode-se sentir a nostalgia daquilo que não aconteceu?"
Quando terminei a leitura de “A caderneta vermelha”, do francês Antoine Laurain, a primeira coisa que me veio foi a de que contos de fadas são possíveis. Basta estarmos atentos aos detalhes que a vida nos mostra diariamente. Muitos dos quais passam despercebidos. Impedindo, talvez, uma boa história de amor que, parafraseando o poeta Vinicius de Moraes, seja "infinita enquanto dure". Quem sabe?
E foi o que aconteceu ao livreiro Laurent Letellier. Durante uma caminhada ele vê uma bolsa feminina lilás em cima da lata de lixo em uma das calçadas de Paris. Com certo receio, resolve pegar o objeto e levá-lo à polícia para que a dona fosse encontrada. Mas na delegacia as coisas se mostram morosas e ele decide investigar o caso sozinho. Vai para a casa e começa a analisar tudo o que tem dentro da bolsa. Nada, porém, que o levasse aos dados da mulher que a perdeu. Chama sua atenção a caderneta vermelha com anotações pessoais, que trazem percepções da qual compartilha.
Do outro lado, temos Laure, que levou uma pancada na cabeça durante um assalto na porta de sua casa. Nem preciso dizer o que vai acabar acontecer. Tudo se mostra previsível. Mas de forma gostosa e interessante. Outros personagens, como o amigo de Laure, a filha de Laurent e um gato, surgem como fadas madrinhas que vão trabalhar para o que o final seja feliz. Sem contar as boas referências literárias. Inclusive, autores entram como personagens, como o Nobel de Literatura, Patrick Modiano.
E assim, sem nenhuma discussão profunda, sem suspense, temos um romance que nos faz sorrir. Leitura rápida para aqueles dias em que tudo o que precisamos é um suspiro apaixonado.
Frases
"Quantas coisas nos sentimos obrigados a fazer por princípio, por conveniência, por educação, que nos pesam e não mudam nada no curso dos acontecimentos?"
"Em outra prateleira exibiam-se os romances. Laurent encontrou ali muitos Modiano, tanto de bolso quanto em brochura. Só para verificar, tirou vários, e constatou que nenhum tinha dedicatória. Havia também livros policiais, ingleses, suecos, islandeses. Romances de Amélie Nothomb, vários Stendhal, dois Houellebecq, três Echenoz, dois Chardonne, quatro Marcel Aymé, Apollinaire inteiro, Nadja, de Breton, em edição antiga, O príncipe, de Maquiavel, em livro de bolso, e ainda uns Le Clézio, uns dez Simenon, três Murakami, mangás de Jiro Taniguchi. A ordem era totalmente aleatória, Poésis, de Jean Cocteau, era vizinho de Saga, de Toninho Benacquista, que, por sua vez, se encontrava junto de O banheiro, de Jean-Philippe Toussaint."
"Assim que pôs os pés na sala, experimentou aquela sensação que nos invade quando voltamos para casa após uma longa ausência. Os locais familiares estão como que restaurados do hábito que temos de olhá-lo e, em suma, de não mais os ver. Tudo parece intenso, à maneira de uma fotografia que tivesse recuperado as cores e os contrates originais."
Interessantíssimo.
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