Se eu procurava tensão, encontrei em “O jantar”, do holandês Herman Kock. Dois adolescentes fazem algo terrível e seus pais marcam um jantar em badalado restaurante de Amsterdã para decidir o que deve ser feito. A questão não é exatamente o que os rapazes fizeram, mas como os pais vão lidar com isso e o quanto, de certa forma, são corresponsáveis pelo ato.
A narrativa, em primeira pessoa por um dos pais, é acelerada, sem muitos detalhes. Chega a ser seca. Segue o estilo desse personagem narrador, Paul, que logo de cara percebemos ser bem intolerante. E tudo ao seu redor parece contribuir ainda mais com seu mau-humor, como o gerente do restaurante e seu mindinho a apontar cada elemento dos pratos. Até eu fiquei irritada. Os capítulos do livro seguem as etapas do jantar: aperitivo, entrada, prato principal, sobremesa e digestivo. Embora linear, o enredo é quebrado com lembranças de momentos anteriores ao que aconteceu.
O narrador também despeja comentários sarcásticos e irônicos sobre os demais personagens e sobre a sociedade rica holandesa. Sabia que a barba é termômetro de interesse em um encontro? Quer mostrar que se importa, faça-a. Caso contrário, é só chegar barbudo e todos vão entender seu desprezo. E por aí vão suas impressões.
Só ficamos sabendo o que os meninos fizeram durante o prato principal. Se o fato fosse no Brasil e não na Holanda, talvez o injustificado fosse mais justificável. Pelo menos é o que sugerido, “era a Holanda. Não era o Bronx, não estávamos nas favelas de Joanesburgo ou nas do Rio de Janeiro.” Entendemos, por fim, que tudo é contexto e aparência. Por isso, o digestivo para encerrar.
Lançado em 2009, é o livro holandês mais traduzido. Ganhou versão cinematográfica local e outra está sendo produzida em Hollywood. Estou curiosa para ver sobretudo o filme europeu. É muito fácil imaginar o roteiro de cinema ao ler as páginas do romance. Fica muito a dica.
Trechos
“Íamos sair para jantar. Não vou dizer em qual restaurante, porque da próxima vez pode ser que o lugar esteja cheio de gente que foi para ver se estamos lá. Serge fez a reserva. É sempre ele quem cuida disso: a reserva. Esse restaurante em especial é um daqueles que precisa ser reservado com três meses de antecedência – ou seis, ou oito, sei lá. Pessoalmente, não gosto de saber com três meses de antecedência onde vou jantar em determinada noite, mas parece que algumas pessoas não se importam. Daqui a alguns séculos, quando os historiadores quiserem saber que tipo de pessoas malucas viviam no começo do século XXI, só terão de olhar os arquivos digitais dos ditos ‘grandes’ restaurantes.”
“Mesmo quando você age como se nada estivesse acontecendo, algo acontece, não sei explicar isso com mais clareza. É como passar direto por um acidente porque você não gosta de ver sangue, ou não, vamos colocar de outro jeito: como um animal que foi atropelado e está caído morto ao lado da estrada, você sabe, já viu o animal morto, mas não olha mais para ele. Você não quer ver o sangue e as tripas para fora. Então olha para outra coisa, o céu, por exemplo, ou um arbusto florido no campo mais adiante – para qualquer coisa, menos para o acostamento.”
“Era um pouco como certos óculos de grife, óculos que não acrescentam nada à personalidade da pessoa que os usa; pelo contrário, chamam atenção primeiro e acima de tudo para eles mesmos: sou um par de óculos, e nunca se esqueça disso!”
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