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sábado, 9 de janeiro de 2021

minha vida não tão perfeita




“Um dia minha vida vai ser tudo aquilo que eu posto no Instagram. Um dia ela vai ser!”


Está aí um romance que me apresentou uma nova forma de hospedagem, o glamping, espécie de acampamento de luxo. E se for como apresentado em “Minha vida não tão perfeita”, de Sophie Kinsella, eu topo. O cenário é o interior da Inglaterra, com todos os seus campos verdes e temperatura super refrescante. Leia-se: frio, frio!! Mas cá entre nós: até a cabana precisa ser glamourizada?

Embora o livro seja despretensioso, traz algo que permeia nossa vida: as aparências. As redes sociais acentuaram a necessidade das pessoas em mostrar um lado que não existe em suas vidas. Mas que almejam e que gostariam que fosse real. Basta um ângulo bacana para termos uma foto com apenas um pedacinho do nosso cotidiano, um recorte que vai iluminar nosso dia, nos garantindo, ao menos, algumas curtidas. O cenário verdadeiro é feio, bagunçado, sujo, mas desfocando aqui, colocando uma flor e um bom filtro temos a imagem perfeita. E é justamente isso que vamos postar.

A racionalidade neoliberalista que rege, mais que a economia, nosso comportamento, diz que não podemos ter nada menos que sucesso: profissional, vida pessoal, padrões de beleza, de consumo e, além de milhares de outras referências, que isso seja mostrado nas redes sociais. Afinal, algo só acontece se estiver em nosso perfil. Recomendo muito a leitura de um livro que nos mostra o desgaste mental desse comportamento: “A nova razão do mundo, dos franceses Pierre Dardot e Christian Laval. A leitura nos leva a refletir sobre como incorporamos, mesmo sem querer, os valores do neoliberalismo em nosso dia a dia. A lógica aplicada é a da concorrência a qualquer preço. Não importa o que seja feito, o importante é sempre sair na frente. E, claro, isso vale para as visualizações de tudo o que colocamos on-line.

Justamente por isso, nossa protagonista, cria uma vida paralela no Instagram. Sua vida real é uma pindaíba. Mora num quarto minúsculo, com uma rede acima da cama que serve de armário, atravessa todos os dias Londres em vagões lotados do metrô para chegar ao emprego, onde é colocada de escanteio pela equipe composta de panelinhas e chefes abusivos. Agora, nas redes sociais, joga fotos lindas de cafés (que não pode beber), de casas em tom pastel, da movimentação cultural da capital inglesa e tudo com aquela vibração de quem fez a escolha certa ao sair do interior para a Londres que sempre sonhou. Aliás, até muda seu nome, pois Kate parece pobre e sem estilo. Passa a assinar Cat Brenner.

“Tá bom, vou falar logo: eu vivo entrando em cafés caros à procura de fotos dignas de serem postadas no Instagram. Tem algum problema nisso? Não estou dizendo que bebi o chocolate quente. Estou falando que fiz assim: Olha, chocolate queeente! Se as pessoas acharam que era meu... Bom, aí é com elas.”

Enfim, Cat ou Katie, aos poucos, acaba vendo que não é a única a ter uma vida dupla. Por outro lado, é realmente persistente em relação à carreira. Ela é publicitária e está sempre tentando mostrar suas ideias para os diretores. Mesmo sendo constantemente ignorada, agarra-se a qualquer olhar que possa indicar que foi vista ou ouvida. Até que é demitida. Sem entender nada, volta para a casa do pai e da madrasta e lá se envolve com o novo negócio do casal: o tal do glamping. Apesar de parecer (e ser de fato) exagerado ter cabanas chiques, a ideia não é tão ruim e resgata a vida calma que um dia ela abandonou. O livro é divertido, nos oferece algumas horas de risos, leveza e até, na medida do possível, algumas reflexões sobre como lidamos com este universo das aparências. Mas é um chick-lit, portanto, há muitos clichês e final feliz. Será que de tanto imaginar, podemos mudar nossa realidade? 

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