tag:blogger.com,1999:blog-13653226729614527682024-03-26T16:53:06.732-03:00livros e motivosKátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.comBlogger380125tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-44415892313200743422023-12-30T15:34:00.002-03:002024-01-30T15:39:57.913-03:00holidays romance<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW1-ngidWCuM2KlAu6ATtaD0ilPoE4qPala5qVbgKmtnaIk-SW_9YPY3tnF7A17YfKNqw14PtIt5FVDG36y8pPz1L1wiFR7v5Oc97_H8k5jiWWSWe6yzgjayOLFcURfFJmeaJoaDb6vG7rSbd21qvQBBnoAgho1TLnzvYnWZXzCs2_EREQATr66Rgo6cA/s1500/holidaysromance.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="977" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiW1-ngidWCuM2KlAu6ATtaD0ilPoE4qPala5qVbgKmtnaIk-SW_9YPY3tnF7A17YfKNqw14PtIt5FVDG36y8pPz1L1wiFR7v5Oc97_H8k5jiWWSWe6yzgjayOLFcURfFJmeaJoaDb6vG7rSbd21qvQBBnoAgho1TLnzvYnWZXzCs2_EREQATr66Rgo6cA/w416-h640/holidaysromance.jpg" width="416" /></a></div><br /><p></p><p style="text-align: right;"><span style="color: #cc0000; font-size: large;"><b><i>"Mesmo que não saia exatamente como planejado, o destino tem uma maneira de resolver as coisas no final."</i></b></span></p><div><br /></div>Para fechar o ano, como costumo fazer, escolhi um romance que traz o clima das festas de fim de ano, especialmente o Natal. Esse foi o mote de "Holidays Romance", chick-lit da irlandesa Catherine Walsh. A história é leve e previsível, com alguns momentos divertidos, mas não tanto quanto outras narrativas irlandesas do mesmo estilo, como a série da família Walsh de Marian Keyes, sua conterrânea. A coincidência do sobrenome da autora de "Holidays Romance" me fez lembrar da série de Keyes, que a cada livro traz um personagem. E nossa Walsh aqui fez o mesmo. Vi que já há outro volume com a história dos irmãos dos protagonistas.<br /><br />O romance, porém, é um pouco cansativo. Entendo que poderia ser reduzido pela metade, pois é bem repetitivo em muitos momentos. Vale destacar que é estável. Quando digo estável, quero dizer que não há reviravoltas ou vilões. O que temos é a vida simples, sem grandes complicações, seguindo as narrativas que vemos em filmes natalinos. Claro, há dúvidas e dilemas, mas o foco é em duas pessoas que querem apenas passar as festas de fim de ano com suas famílias na Irlanda. Andrew e Molly moram em Chicago; ela é advogada em um grande escritório, mora em um apartamento bacana, mas está sobrecarregada e questionando sua carreira. Ele é um fotógrafo que sonhava em trabalhar para a National Geographic, mas mudou seus planos para ganhar mais dinheiro com eventos sociais.<div><br /></div><div>Eles se conhecem através de uma amiga de Molly, que namora Andrew, mas planeja terminar. Molly fica revoltada com o descaso da amiga. Coincidentemente, eles se encontram no avião rumo à Irlanda, bem no momento em que a amiga está ligando para contar seus planos de terminar o namoro. Molly, impulsivamente, tira o telefone das mãos dele, e assim surge uma amizade de voo. Dez anos depois, eles continuam combinando de se encontrar no aeroporto para ir juntos à Irlanda. Acompanhamos cada um desses momentos, alternando com o presente, quando uma tempestade os impede de entrar no décimo voo. Eles decidem embarcar em uma odisséia de escalas para desviar da tempestade e alcançar seu destino. Claro que se apaixonam, descobrindo que sempre tiveram sentimentos além da amizade. A jornada passa pela Argentina, Inglaterra e País de Gales, algo impensável do ponto de vista racional, mas que faz todo o sentido no contexto do Natal e da família de ambos. Há momentos divertidos aqui e ali, mas o livro não é inesquecível, como "Melancia" foi para mim. Mas, confesso, deu um quentinho lá no fundo do coração.<br /><br /></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-35671282384244500642023-12-27T22:30:00.001-03:002024-01-30T15:31:14.301-03:00antes que o café esfrie 3<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWWhErVk7u7krGBftN4UOD_TVHKksFfRMuwn0vv-PGMWG7TOQ8-H_VlA47Tx-gKIHhlrDd0zorV9w9lX8fl9SOLwHbv6o3q00THPZuVMP33ya8Xd-skmXyd5tGR7O9yVcwKwYUiaPtxA1rl4Mex7eQJZivCVaYUskEcd0wUICvUp5yiTzlOFYmbu-Gqw0/s1500/antesqueocafeesfrie3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1000" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWWhErVk7u7krGBftN4UOD_TVHKksFfRMuwn0vv-PGMWG7TOQ8-H_VlA47Tx-gKIHhlrDd0zorV9w9lX8fl9SOLwHbv6o3q00THPZuVMP33ya8Xd-skmXyd5tGR7O9yVcwKwYUiaPtxA1rl4Mex7eQJZivCVaYUskEcd0wUICvUp5yiTzlOFYmbu-Gqw0/w426-h640/antesqueocafeesfrie3.jpg" width="426" /></a></div><br /><br /><div style="text-align: right;"><br /></div>E assim, sem parar, cheguei ao terceiro volume, que, particularmente, foi o melhor e mais bonito, emocionalmente falando. Não estamos mais no Funiculà Funiculà, cenário dos dois primeiros volumes. Agora estamos no Donna Donna, em Hokkaido, estabelecimento da mãe de Nagare, localizado precisamente aos pés do Monte Hakodate. <br /><br /><br /><b>Imaginei algo assim para a bela vista descrita do café: </b><br /><br /><a href="https://www.flickr.com/photos/vinchel/16734689132" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="948" data-original-width="1420" height="429" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfpqVHMOiHHnztFvyo-HcaeZXy7SZ3xpSr2K6DochhfbHkrh9zjuatMvK5Qq7Ct-zVHb-i55_cWfmQ3gV-_X1KunAPElj52-cm3cqJgIIImdD1XjlVLYRb3ONX_rY9JJCklF8OCR335zVUpteaAOuX10jW2mCKhCRG9X1djJakuv4MNwsZ6OsSyQoBqR4/w640-h429/Screenshot%202024-01-30%20at%2015.14.31.png" width="640" /></a><p></p><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><i style="color: #660000; text-align: left;">"O outono chegou à grande janela do Donna Donna, de onde se avistam um céu azulzinho e o Porto de Hakodate. As folhagens, que se exibem em diferentes tons de vermelho, conferem um toque de romantismo ao ambiente interno do café."</i></div><p><br />Yukari Tokita é a mãe de Nagare, pessoa bastante excêntrica. Ela guarda um enigma em torno de si, sabendo conectar pessoas, independentemente do momento em que estejam. Ela se mudou para os Estados Unidos para ajudar um rapaz e pediu ao filho que desse uma olhada no seu café. E com ele vieram Kazu e sua filha, agora com sete anos, ou seja, apta a servir o café que leva as pessoas para o passado e o futuro. Ah, algo importante que eu não mencionei antes é que a pessoa só pode viajar no tempo uma única vez, portanto, é preciso muita prudência na escolha do momento certo. Contudo, conforme lemos as histórias, o momento é que nos escolhe.<br /><br />Todas as histórias são entrecortadas com o bate-papo que ocorre no café, principalmente em torno de um livro que os personagens fixos estão lendo. Quando digo "fixo", quero dizer Nagare; Kazu; sua filha Sachi, que acaba de completar sete anos; Saki, médica frequentadora do local; Nakano, universitária que também está sempre por lá, e Reiji, que trabalha meio período no local, mas sonha em ser um comediante famoso.<br /><br />Juntos, e muitas vezes puxados pela menina, que se mostra uma leitora assídua, eles respondem às 100 perguntas sobre o que fariam se o mundo acabasse amanhã. São perguntas simples e até bobas, mas que servem de base para as viagens que acontecerão.<br /><br />A primeira traz a jovem que quer voltar ao passado para conhecer os pais que morreram quando ela ainda era pequena. Ela os culpa por todas as dificuldades que passou na vida, mudando de casa em casa e de família em família, sem nunca ter tido carinho e afeto.<br /><br />Temos ainda o famoso comediante que volta ao passado para reencontrar a esposa que morreu. Ela, que sempre apoiou sua carreira, adoraria saber que agora ele está consagrado na profissão. Contudo, a intenção do homem é nunca retornar dessa viagem. Caberá aos personagens ajudarem a mudar sua opinião.<br /><br />Em outro momento, uma mulher surge no café procurando pela irmã que lá trabalhou em alguns períodos. Ocorre que ela morreu e custa muito para a outra aceitar a perda. Neste caso, teremos uma visita do passado para consertar as coisas.<br /><br />Reiji também volta ao passado (bem) recente para reencontrar Nakano. E esta, senhoras e senhores, é a parte mais triste e bonita da série até agora. Há um <a href="https://www.youtube.com/watch?v=3zbok_QVifw">filme</a> baseado no café produzido no Japão. Em breve, teremos outras versões pelo mundo. Sei que já temos o quinto volume. Mas decidi parar por aqui. E digo que valeu muito a experiência.</p><p style="text-align: center;"><i style="color: #660000; font-size: x-large; font-weight: 700; text-align: right;">"O verão em Hakodate é breve. Quando se imagina que as folhas das árvores já começaram a cair, o Monte Hakodate, num piscar de olhos, se tinge de vermelho outonal como se ardesse em chamas."</i></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://hokkaido-treasure.com/column/082/" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;" target="_blank"><img border="0" data-original-height="716" data-original-width="1224" height="374" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEitTKLW9aFyI61Pcdyo4qjbO7X7ZfXe8cvZ_OXNdyIbC9GtHt3WxvlF_bo3ycfd_uAP7Dao-D0i0a8B52dp3TMJjh8VJDw2VHvnuBZz5K4UHpuV7MQYcAj9lA0WziHm5NeUE5yJSXr2mMQxffZJOFk8zOD8FNm6ya7BrMQGPjKHs9flrrkQwwvy7zWKQuw/w640-h374/Screenshot%202024-01-30%20at%2015.24.35.png" width="640" /></a></div><b><br />Trechos</b><p></p><p><span style="color: #660000;"><i>"Eis o que penso. A morte jamais deveria causar infelicidade. O destino de todos nós é morrer um dia. A razão deste meu pensamento é simples: se a morte de uma pessoa for motivo de infelicidade, isso significa que nós, seres humanos, nascemos para ser infelizes. Muito pelo contrário, isto está longe de ser verdade. As pessoas sempre nascem para ser felizes. Sempre."</i></span><br /><br /><i><span style="color: #660000;">"Dizem que é bom a gente oferecer o que se tem de mais precioso a alguém que está se esforçando para realizar seus sonhos. Porque haverá com certeza momentos em que essa pessoa se sentirá sem forças para prosseguir. Será difícil, doloroso e ela terá que colocar numa balança seus sonhos e a realidade, e fazer uma escolha. Nesse momento, a pessoa que recebeu esse presente tão valioso vai se convencer de que ela pode se empenhar um pouco mais. Porque ela perceberá que no final das contas não está sozinha. Ganhará ainda mais coragem por saber que há alguém torcendo por ela."</span></i><br /><br /><span style="color: #660000;"><i>"Dentre as muitas paisagens, a Ladeira Daisan é um dos famosos pontos turísticos devido à beleza de seu pavimento de pedras e ao exotismo das muitas tonalidades de vermelho das folhagens dos freixos ladeando o caminho imprimindo à paisagem ares de país estrangeiro."<br /><br />"O mais difícil é viver sem mentir", escreveu Fiodor Dostoiévski. Mente-se por diversas razões. Para parecer melhor do que se é ou com o intuito de ludibriar. Certas mentiras ferem, outras salvam. Na maioria dos casos, no entanto, quem mente se arrepende."</i></span><br /></p>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-64969467878787349582023-12-23T14:55:00.022-03:002024-01-30T15:03:34.587-03:00antes que o café esfrie 2<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7zyShPiisl-1hl6evtrtHfrQBKmgI03TzWb7fMQP72oOEzmM8D7Ad6uVvwCb6al9syAhkAjHnQS87ZgUuY2QFGAfSxV2Def_FK6Z08ukU8LIl36IUl6ynU434jGioC_ShoXC6JZYqNFs94JfCkWr2NFCEopLKx_V4Bj6eirLs0IbBNW0HJSbYydLFRXw/s1500/antesqueocafeesfrie2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1000" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg7zyShPiisl-1hl6evtrtHfrQBKmgI03TzWb7fMQP72oOEzmM8D7Ad6uVvwCb6al9syAhkAjHnQS87ZgUuY2QFGAfSxV2Def_FK6Z08ukU8LIl36IUl6ynU434jGioC_ShoXC6JZYqNFs94JfCkWr2NFCEopLKx_V4Bj6eirLs0IbBNW0HJSbYydLFRXw/w426-h640/antesqueocafeesfrie2.jpg" width="426" /></a></div><br /><p></p><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #660000; font-size: x-large;"><i>"Ver a alegria estampada no rosto da outra pessoa. Essa é a emoção natural de quem oferece um presente. O tempo passa rápido quando se escolhe algo com a intenção de alegrar a outra pessoa, imaginando sua reação ao recebê-lo."</i></b></div><br />E cheguei no segundo volume da série japonesa "Antes que o café esfrie". Aqui reencontramos Nagare e Kazu. Kei, a esposa de Nagare, já não está mais presente. Mas conhecemos a filha do casal, Miki, de sete anos. Outros clientes habituais do café são apresentados, como Kyoko, que passou a frequentar o estabelecimento por conta da sua mãe, que também é professora de Kazu, mas que está doente e acaba morrendo. Aliás, a história dela é tema de um dos capítulos. Lembrando que cada capítulo diz respeito a uma viagem ao tempo. Claro que no meio de tudo isso, conhecemos um pouco mais sobre os personagens principais, sempre presentes na cafeteria.<br /><br />E assim ficamos sabendo que apenas as mulheres da família Tokida são aptas a servir o café. Mas isso somente até engravidarem. E quando dão à luz uma menina, o "poder" é automaticamente transferido para a nova garota quando ela completar sete anos. Exatamente o que acontece lá pelas tantas, já que Kazu engravida, perdendo seus poderes.<br /><br />Voltando aos personagens viajantes, começamos com um homem que mentiu para a filha. Na verdade, ela não é sua filha, e sim de seu amigo, que morreu junto com a esposa em um acidente. Mas agora chegou o momento de esclarecer a situação e ele não sabe exatamente como agir, por isso, decide voltar ao passado para rever o amigo e pedir conselhos. Na sequência, o irmão de Kyoko surge no café, após a morte da mãe, para se despedir, já que diversas circunstâncias (e fracassos da vida) o impediram de participar, inclusive, do funeral.<br /><br />Em outro momento, um homem surge na cadeira vindo direto do passado. Ele quer se encontrar com a namorada. Ao que tudo indica, ele morrerá e quer se certificar de que ela seguirá a vida feliz. Vale dizer que ele é amigo de outra pessoa que usou a mesma cadeira no volume um. Aliás, nesse sentido, o livro é bem prolixo, resumindo todas as histórias anteriores aqui. E, claro, nem preciso dizer das regras, relembradas a todo momento. Um pouco chato isso, devo dizer.<br /><br />Por fim, temos um detetive aposentado que traz um presente para sua esposa. No entanto, faz anos que ela morreu sem que ele tivesse tido a oportunidade de lhe dar um presente de aniversário. O remorso o acompanhou durante todo este tempo, até que resolve, finalmente, viajar para resolver o mal entendido, mesmo sabendo que seja lá o que fale ou faça no passado, não poderá mudar o fato de que ela morreu em um assalto. <div><br /></div><div>Em paralelo a estas histórias, também acompanhamos o dilema de Kazu, que serviu café para a mulher de branco, Kaname, sua mãe. Ela deixou o café esfriar e não retornou da viagem, ficando condenada a passar os dias sentada na cadeira. Como distração ou seja lá o que for, ela sempre está lendo um livro. O MESMO LIVRO. Até que um dia Kazu resolve dar outro romance para ela. Depois disso, sempre está a buscar livros que a mãe, mesmo sendo um fantasma, possa gostar. Aliás, esta mulher também é bem caricata. Sempre mal humorada, quando encontra alguém na sua cadeira, grita: "Sai daí!", além de ter o poder de fazer o intruso congelar. Contudo, lá pelas tantas, descobrimos que ela não era bem assim. Ainda é um mistério o que de fato aconteceu com ela, por que vai ao banheiro uma vez por dia, o que acontece quando surge alguém do futuro na cadeira. Temos muitas coisas para descobrir. Vou para o terceiro volume, do que percebi ser uma série. Até lá.</div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-41863098794118652862023-12-10T14:47:00.015-03:002024-01-30T14:55:48.871-03:00antes que o café esfrie<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_m_uA76kuRKKU8IyypOURZ6JnsSggsyF0HtHTnK45nqHBD0KwruwpKa2zotDK_bbhhxORBc6Sax9LUwrc3OG1oijtkRJsc-_Jho81slmAplzMYe1e1K3H5EK4HRu7xyDJqpQDnqOvHxJHCpfcoCs7zzKDhKwy8R7m2jpVgtXnY8Ou5k5WI-fhADJ7yS4/s1500/antesqueocafeesfrie.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1000" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh_m_uA76kuRKKU8IyypOURZ6JnsSggsyF0HtHTnK45nqHBD0KwruwpKa2zotDK_bbhhxORBc6Sax9LUwrc3OG1oijtkRJsc-_Jho81slmAplzMYe1e1K3H5EK4HRu7xyDJqpQDnqOvHxJHCpfcoCs7zzKDhKwy8R7m2jpVgtXnY8Ou5k5WI-fhADJ7yS4/w426-h640/antesqueocafeesfrie.jpg" width="426" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p></p><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #660000; font-size: x-large;"><i>"O presente não tinha mudado - mas essas duas pessoas tinham. Tanto Hirai quanto Kohtake voltaram para o presente de coração mudado, prontas para seguir em frente."</i></b></div><br />Comecei a ler este livro sem expectativas. Aliás, faz tempo que o vi aqui e ali, mas sem chamar muita atenção a ponto de comprá-lo. Mas eis que começou a aparecer com frequência (olha o que é uma boa distribuição). Gosto de café quente e resolvi entrar, mesmo que num romance, nesta cafetaria escondida em Tóquio, cenário da história criada por Toshikazu Kawaguchi, originalmente uma peça de teatro.<br /><br />Lá, podemos voltar ao passado e reencontrar pessoas com as quais temos questões pendentes. Mas não é tão simples assim. Há várias regras que precisam ser entendidas e aceitas. A principal delas é que somente é possível encontrar quem já esteve naquele café. Outra importante: independentemente do que se fale ou faça nessa viagem ao tempo, o presente não será alterado. Há vários fatores que farão com que ele permaneça exatamente igual. Ou seja, se voltarmos para encontrar alguém que já morreu, não adianta dizer para a pessoa ficar em casa para evitar um acidente de carro. O destino fará com que ela morra de qualquer jeito. A pessoa também só pode voltar ao passado ao se sentar em determinada cadeira. O problema é que lá está uma mulher vestida de branco lendo, bem concentrada, seu livro. E ela só se levanta de lá uma vez por dia. Logo, descobrimos que é um fantasma, mais uma curiosidade deste local mágico. Enfim, a viagem começa quando o café é servido ao viajante e só dura até que ele esfrie. Portanto, o tempo é curto e precisa ser aproveitado da melhor forma possível.<br /><br />Esses são os principais requisitos. E logo conhecemos pessoas que se encaixam super bem nessas regras. A primeira é uma moça que acabou de levar um fora do namorado. Ela quer voltar exatamente para o momento em que tiveram a conversa final, na expectativa de dizer coisas que ficaram presas em sua garganta. Temos ainda a enfermeira que quer voltar ao passado para falar com o marido que hoje tem Alzheimer e não a reconhece mais. Outra a sentar-se naquela cadeira é uma frequentadora do café, que deixou escapar a chance de atender ao pedido de sua única irmã, morta num acidente de carro. Por fim, conhecemos a proprietária do café que também resolve viajar no tempo para encontrar a filha que talvez jamais chegue a conhecer. O bacana do livro é que parecem vários contos interligados pelo café mágico.<br /><br />Logo de cara, nossa atenção é atraída pelos personagens, muitas vezes caricatos, que frequentam o Funiculà Funiculà, nome do café. Temos Naguro, o proprietário; Kazu, sua prima enigmática - a única apta a servir o café que permite a tal viagem; Key, esposa de Naguro; a mulher de vestido branco, que mais tarde descobrimos ser a mãe de Kazu, além dos clientes habituais da cafeteria.<br /><br />Vou seguir com o volume dois, pois realmente me empolguei com as histórias, apesar de ser repetitivo - especialmente em relação às regras, como se estivéssemos chegando na história junto com a pessoa disposta a viajar no tempo. É tudo bem previsível, ainda assim, gostoso de ler. Literatura fantástica que mostra a importância das relações. Até o próximo post.Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-81442442682628886152023-11-04T15:51:00.005-03:002024-01-11T15:58:29.469-03:00entre cabras e ovelhas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgne70-OjEPIyZCYmGwpkhlLXPpaFEDB26PFsQBCGY3H9Uv1fDrtbxqTAVdc6N8SVsYgIay_vcfsICLbphdqCRIpz9A5qQ2z3Or7GRj6hLLBGdbvA2qxT3GQBN_1YIEchyphenhyphenHAjq7WhMPKiYJDyes4_qGWKUCLHjRZyE-yt-ZlnRx9Y95he3dVqNJZrvcwko/s1447/entrecabraseovelhas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1447" data-original-width="945" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgne70-OjEPIyZCYmGwpkhlLXPpaFEDB26PFsQBCGY3H9Uv1fDrtbxqTAVdc6N8SVsYgIay_vcfsICLbphdqCRIpz9A5qQ2z3Or7GRj6hLLBGdbvA2qxT3GQBN_1YIEchyphenhyphenHAjq7WhMPKiYJDyes4_qGWKUCLHjRZyE-yt-ZlnRx9Y95he3dVqNJZrvcwko/w418-h640/entrecabraseovelhas.jpg" width="418" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #0b5394; font-size: x-large;"><i>"Minha mãe diz que o calor faz <br />as pessoas terem comportamentos estranhos."</i></b></div><div style="text-align: right;"><br /></div><div><br /></div>Toda a história de "<i>Entre cabras e ovelhas</i>", de Joanna Cannon, se passa durante o verão escaldante na Inglaterra de 1976. E este é o motivo dado para o desaparecimento da Sra. Creasy, mistério que vai permear toda a trama. O cenário é uma vila bem peculiar. Logo, imaginei uma espécie de condomínio com uma rua larga e várias casas dispostas em cada lado. Lá, todos se conhecem e se intrometem uns na vida dos outros. Eu me lembrei da vila do seriado mexicano Chaves, talvez porque as casas sejam todas numeradas e assim referenciadas quando falamos dos personagens que lá habitam. Quem não se lembra da "bruxa do 71", por exemplo? Na narrativa de Cannon, temos Walter Bishop, que mora no número 11, residência mostrada como sinistra e que levanta várias suspeitas. As crianças cresceram sendo orientadas a passarem longe daquele lugar.<br /><br />A narrativa é, principalmente, sob o ponto de vista de Grace, que tem 10 anos. Enquanto os adultos estão perdidos em fofocas e conjecturas, ela e sua melhor amiga, Lilly, decidem começar sua própria investigação para descobrir onde a Sra. Creasy foi parar. Com o sol brilhando incansável no céu, batem de porta em porta atrás de pistas. O pretexto para abordar as pessoas é Deus, já que a religião está bem presente entre os moradores. Mas, conforme a leitura avança, percebemos que é, na verdade, fachada para esconder suas verdadeiras motivações. Após assistirem a uma missa, as meninas se questionam sobre Deus, e querem descobrir se ele mora na vizinhança, afinal, é o único que poderia saber do paradeiro da desaparecida. <br /><br /><i><span style="color: #0b5394;">"Olhei fixamente para a grande cruz dourada no altar. Ela refletia todos nós: os piedosos e os imorais, os oportunistas e os devotos. Cada um de nós tinha sua razão para estar ali, silenciosos, expectantes e ocultos entre as páginas de um hinário. Como Deus conseguiria ouvir a todos nós?"</span></i><br /><br />Mas o que encontram são histórias, mágoas e remorsos. Somos apresentados a vários personagens, seus segredos e relações com a Sra. Creasy. Ao que tudo indica, ela era uma espécie de conselheira na comunidade e, por isso, conhecia profundamente as mazelas que lá pairavam. Portanto, seu sumiço poderia interessar a muitos. Não sabemos o quanto das mensagens as duas garotas conseguem apreender por conta da idade e da inocência. <br /><br />Contudo, à medida que a trama avança, as meninas começam a questionar os julgamentos que, de acordo com a metáfora bíblica, rotulam as pessoas como cabras ou ovelhas (bem e mal, respectivamente). E, frequentemente, essas categorizações são feitas com base em mal-entendidos ou informações incompletas, como vemos nas fake news. Até mesmo Grace se depara com um momento de julgamento ao roubar a atenção de sua amiga, que está gravemente doente, durante um "encontro" com Jesus. Sim, Jesus também faz uma aparição marcante no romance, contribuindo para reunir os vizinhos e aliviar algumas tensões. Entretanto, como sempre acontece, basta outro acontecimento para que os olhares e as atenções se desviem. <br /><br />No final, não sabemos por onde andou a Sra. Creasy, mas somos levados a supor que seu desaparecimento esteja ligado a uma tentativa de expor as questões não resolvidas entre os moradores e, assim, buscar uma reconciliação com o passado. Isso nos leva a uma profunda reflexão sobre a natureza da comunidade e como todos são, ao mesmo tempo, cabras e ovelhas.<div><br /><br /><b>O calor é real</b><br /><br />Ah, sim, o verão de 1976 na Inglaterra é historicamente conhecido por ter sido excepcionalmente quente. Ele é frequentemente referido como o "Verão da Seca" porque, além das temperaturas elevadas, não chovia.<br /><br />Joanna Cannon utilizou esse cenário real para criar a atmosfera opressiva e tensionada de "Entre Cabras e Ovelhas". O calor intenso e a seca não são apenas pano de fundo para a história, mas também amplificam a sensação de desconforto e tensão na comunidade retratada no livro. A situação climática excepcional serve como metáfora para os sentimentos reprimidos e os segredos escondidos pelos personagens.</div><div><br /><br /><b>Cabras e ovelhas</b><br /><br />Vale também falar sobre a metáfora utilizada utilizando cabras e bodes. No Novo Testamento da Bíblia, há uma parábola contada por Jesus sobre o Julgamento Final em que as pessoas são separadas como "ovelhas" e "cabras". De acordo com Mateus 25:31-46, no dia do julgamento, Jesus separará as pessoas, assim como um pastor separa as ovelhas das cabras. As ovelhas, à sua direita, serão abençoadas e entrarão no Reino dos Céus, enquanto as cabras, à sua esquerda, serão amaldiçoadas e enviadas ao "fogo eterno".<br /><br /><span style="color: #0b5394;"><i>"Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado de todos os anjos, então se assentará em seu trono glorioso. Todos os povos da terra serão reunidos diante dele, e ele separará uns dos outros, assim como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. E colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: 'Venham vocês, que são abençoados por meu Pai. Recebam como herança o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criação do mundo. <br /><br />…..<br /><br />Depois o Rei dirá aos que estiverem à sua esquerda: 'Afastem-se de mim, malditos. Vão para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque eu estava com fome, e vocês não me deram de comer; eu estava com sede, e não me deram de beber; eu era estrangeiro, e vocês não me receberam em casa; eu estava sem roupa, e não me vestiram; eu estava doente e na prisão, e vocês não me foram visitar'. Também estes responderão: 'Senhor, quando foi que te vimos com fome, ou com sede, como estrangeiro, ou sem roupa, doente ou preso, e não te servimos?' Então o Rei responderá a esses: 'Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês não fizerem isso a um desses pequeninos, foi a mim que não fizeram'. Portanto, estes irão para o castigo eterno, enquanto os justos irão para a vida eterna." <br /></i></span><br />Nesta parábola, as ovelhas representam os justos, aqueles que ajudaram os necessitados, enquanto as cabras representam aqueles que os negligenciaram. <br /><br /><span style="color: #0b5394;"><i>"Como é que Deus pode saber quais pessoas são cabras e quais são ovelhas. Olhei para Eric Lamb e para o sr. Forbes, que arrumava o hinário da sra. Forbes para ela. Olhei para a sra. Roper esfregando os pés, para o garçom do bar da Legião, para os dois velhos, que ainda estavam de cabeça baixa e sussurravam para si mesmos. E depois olhei para o pároco, que nos olhava do alto do seu pequeno lance de escadas. — Acho que é aí que está o problema — retruquei. — Nem sempre é fácil saber a diferença."</i></span><br /><br />As cabras e bodes são frequentemente percebidos de forma mais negativa em comparação às ovelhas, e isso pode ser atribuído a diversas razões. Uma delas é sua natureza física e comportamental. Eles têm uma reputação de serem teimosos e independentes. Em contraste, as ovelhas são muitas vezes vistas como criaturas dóceis e mais fáceis de serem 'gerenciadas'. <br /><br />No Antigo Testamento, temos o ritual do "bode expiatório". Os pecados da comunidade eram simbolicamente colocados sobre um bode que era mandado para o deserto, carregando esses pecados. Esse ritual, ao longo do tempo, solidificou a conotação negativa para o bode, como algo que carrega o mal ou o pecado.<br /><br />A prática do "bode expiatório" é descrita no livro de Levítico, especificamente no capítulo 16. Esta passagem detalha o ritual do Dia da Expiação, em que dois bodes eram selecionados: um para ser sacrificado e o outro para ser enviado ao deserto. A prática simbolizava a purificação dos pecados do povo e o restabelecimento de seu relacionamento com Deus. O bode que era enviado ao deserto carregava consigo os pecados da comunidade, simbolizando a remoção do pecado do meio do povo.<br /><span style="color: #0b5394;"><i><br />"Depois de oferecer o bezerro como sacrifício pelo seu próprio pecado, e de ter feito a expiação por si mesmo e pela sua família, Aarão pegará os dois bodes e os apresentará diante de Javé, na entrada da tenda da reunião. Tirará a sorte sobre os dois bodes: um será de Javé e o outro de Azazel, pegará o que foi sorteado para Javé e o oferecerá como sacrifício pelo pecado. Quanto ao bode que foi sorteado para Azazel, será colocado vivo diante de Javé, para fazer a expiação, e depois será mandado para Azazel no deserto. Aarão oferecerá o bezerro do sacrifício pelo seu próprio pecado. Em seguida fará o rito de expiação por si mesmo e por sua família, e imolará o bezerro."</i></span><br /><br />No livro de Joanna Cannon, o título serve como uma metáfora para julgamento, pertencimento e compreensão. Certamente, é um excelente ponto de partida para uma análise sobre animais na literatura e suas conexões simbólicas e metafóricas.<br /></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-84326317543873768982023-10-20T23:27:00.000-03:002023-10-20T23:27:32.476-03:00trança<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4jXXTC90gl5wxRb0xlK5Yke3qZ6QGhl3vRrJ2u8S7JbbnAzcJuBxLKkdAFe0is4XIdiqLGPMSkzOfX_sR3jwv9Ll7TBhoedyreYHVJFulGJf-x-ZJPxFXuOkwHLExj6RHtXBdJB37yzhSO005vhINmx-E1TfYm5UpyQNSFCI4thtKUudDg8HwgWNemM8/s1500/tranca.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1001" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4jXXTC90gl5wxRb0xlK5Yke3qZ6QGhl3vRrJ2u8S7JbbnAzcJuBxLKkdAFe0is4XIdiqLGPMSkzOfX_sR3jwv9Ll7TBhoedyreYHVJFulGJf-x-ZJPxFXuOkwHLExj6RHtXBdJB37yzhSO005vhINmx-E1TfYm5UpyQNSFCI4thtKUudDg8HwgWNemM8/w428-h640/tranca.jpg" width="428" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #7f6000; font-size: x-large;"><i><br /></i></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #7f6000; font-size: x-large;"><i>"Como milhares de mulheres país afora, Sarah Cohen era partida em duas. Era uma bomba prestes a explodir."</i></b></div><span style="color: #7f6000; font-size: large;"><i><div style="text-align: right;"><span style="font-weight: 700;"><br /></span></div><div style="text-align: right;"><i><span style="font-weight: bold;">"A menininha, de repente, parece perdida, tão frágil que Smita tem vontade de pegá-la no colo e nunca mais largá-la."</span></i></div><div style="text-align: right;"><i><span style="font-weight: bold;"><br /></span></i></div><div style="text-align: right;"><span style="font-weight: bold;">"Giulia então lê, durante horas, poesia, prosa, romance. Chegou minha vez de ler histórias para ele, pensa. Ele leu tantas para mim. E ela sabe que, lá onde está, seu papa está ouvindo."</span></div></i></span><br /><br />Essa foi a indicação de uma amiga. Imediatamente, me apaixonei pela edição linda, em especial a capa e as páginas douradas. O romance de estreia da francesa Laetitia Colombani nos apresenta três mulheres em três diferentes países. A primeira é Smita, indiana da casta mais baixa. Ela é recolhedora, ofício transmitido de mãe para filha. Em poucas palavras, ela recolhe diariamente a merda das castas mais altas. Casada, tem uma filha de seis anos. Seu sonho é que Lalita não tenha que sentir o nojo desse trabalho, e que ela possa estudar e ter outras oportunidades. Para isso, consegue economizar para que a filha possa ir para a escola, porém, as coisas não saem como planejado e elas precisam fugir. Na Itália, encontramos Giulia, que segue os passos do pai. Ela trabalha no estúdio dele, um lugar super especializado na produção de perucas a partir de cabelos naturais das sicilianas. Ocorre que ele sofre um acidente e com isso vem à tona que o lugar, passado de geração em geração, está afundado em dívidas. Caberá a Giulia a decisão de fechar as portas considerando a tradição da região em que vive ou enfrentar os preconceitos e partir para mudanças que possam garantir a sobrevivência do seu ofício. Por fim, somos apresentados à Sarah, advogada canadense. Ambiciosa, ela não mede esforços para ascender na carreira. Está prestes a assumir o posto mais alto da firma que trabalha quando é detida por uma doença. Ela até tenta disfarçar e seguir adiante, sabendo que não pode se mostrar fraca, mas o ambiente corporativo tem outras prioridades e, aos poucos, a descarta. Isso faz com ela repense sua vida e o relacionamento com os três filhos, que sempre ficaram em segundo plano. Tudo é contato de um jeito tão leve, sucinto e tocante. No fim, as três vão, de algum modo, se encontrar. Ou melhor, se entrelaçar, mostrando a força que as nossas escolhas têm para mudar destinos até então tidos como certos. Basta dar o primeiro passo e não olhar para trás. Até pode, desde que isso não lhe impeça de recuar. Recomendo e já quero ler mais de Colombani.<div><br /></div><div><b><br /></b></div><div style="text-align: center;"><b><a href="https://www.veenaworld.com/blog/tirupati-balaji-temple-a-complete-travel-guide">Templo de Tirupati</a>, Índia</b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9xxL_G_3lG6QuaNrAckY-fOfEWME6H7UVUeJZxjxpgZ_rDgiMIUA4bTrA9ZCQpxlDu8Bo6mcTSWY2u_FU_iiBErh36ITrAbxzQNTCEoHwuCZUwZ-lvz7DkGoc2VWh_tinhhjW6J0GYjmACWrEpBz-gTLKhNalUTN5phmimWgGzmvIgayCJwjJi_HCXLk/s1280/Tirupati-Balaji-Temple-A-Complete-Travel-Guide.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="853" data-original-width="1280" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9xxL_G_3lG6QuaNrAckY-fOfEWME6H7UVUeJZxjxpgZ_rDgiMIUA4bTrA9ZCQpxlDu8Bo6mcTSWY2u_FU_iiBErh36ITrAbxzQNTCEoHwuCZUwZ-lvz7DkGoc2VWh_tinhhjW6J0GYjmACWrEpBz-gTLKhNalUTN5phmimWgGzmvIgayCJwjJi_HCXLk/w640-h426/Tirupati-Balaji-Temple-A-Complete-Travel-Guide.webp" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div><br /></div><div style="text-align: center;"><b><a href="https://pottergod.com/europa/italia/primer-dia-palermo-paseo-puerto/">Palermo</a>, Itália</b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizosQv-stsC58_mc47liU4moS0WoX-5qLJzCKupdh_NafGFCH-O8sGFojfO1zhUVKE0RL21pHnxjHsaFXvQIHh2XT7HIigT83kUWz0nuAjoDBEcrHSQjHq40z-V613WMqncJWWyModAcMh01P9GMKx-9XIEOTReAWdlM9Qm7n0FhyphenhyphengXLJAmD3NADKVl4E/s2560/palermo.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1536" data-original-width="2560" height="384" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizosQv-stsC58_mc47liU4moS0WoX-5qLJzCKupdh_NafGFCH-O8sGFojfO1zhUVKE0RL21pHnxjHsaFXvQIHh2XT7HIigT83kUWz0nuAjoDBEcrHSQjHq40z-V613WMqncJWWyModAcMh01P9GMKx-9XIEOTReAWdlM9Qm7n0FhyphenhyphengXLJAmD3NADKVl4E/w640-h384/palermo.jpeg" width="640" /></a></div><br /><div><br /></div><div style="text-align: center;"><b><a href="https://www.afar.com/magazine/a-weekend-getaway-guide-to-montreal">Montreal</a>, Canadá </b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe-Xn32e02wbjvUjo_Cj1OgxlRhvf4eFgAebq3Vvjldo2ERE1w0nUwWU-KFSKF45HwjGtpQVDGtjRYHdEIJIQfOvaajDG9FnA9Wdgotj8FmDzAck5yXAhy8ykqSRwIeu-JNycFqb351OvUJ_3OirTcF2qVGZjZjtpO-8LilLelQ8pHEqzxXv6qNB48ItI/s1440/montreal.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="720" data-original-width="1440" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhe-Xn32e02wbjvUjo_Cj1OgxlRhvf4eFgAebq3Vvjldo2ERE1w0nUwWU-KFSKF45HwjGtpQVDGtjRYHdEIJIQfOvaajDG9FnA9Wdgotj8FmDzAck5yXAhy8ykqSRwIeu-JNycFqb351OvUJ_3OirTcF2qVGZjZjtpO-8LilLelQ8pHEqzxXv6qNB48ItI/w640-h320/montreal.jpeg" width="640" /></a></div><br /><div><br /></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-48031058427029503792023-10-12T23:36:00.027-03:002023-10-20T23:43:33.653-03:00relatos de um gato viajante<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqXefm8JuhHJfpBK9Q-_mhV0Lyyb7XI5rBe1QHHHh5-4COIh-tPb5QFPcZ2ydxn8KkgyHYl6rATMCTjCBUHBXDVAgaTZ6gsmq50CnW5gtYtphmN1REtepkk3VJ6MUv3yz1VSz0-5ORulDEuVDK2xJNnhbWQMf2CTtFv-LMfi8M-rCelZITT9JZqopoP0I/s1500/relatosdeumgatoviajante.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="960" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqXefm8JuhHJfpBK9Q-_mhV0Lyyb7XI5rBe1QHHHh5-4COIh-tPb5QFPcZ2ydxn8KkgyHYl6rATMCTjCBUHBXDVAgaTZ6gsmq50CnW5gtYtphmN1REtepkk3VJ6MUv3yz1VSz0-5ORulDEuVDK2xJNnhbWQMf2CTtFv-LMfi8M-rCelZITT9JZqopoP0I/w410-h640/relatosdeumgatoviajante.jpg" width="410" /></a></div><br />Por conta da leitura de "O gato que amava livros", de Sosuke Natsukawa, cheguei até "Relatos de um gato viajante", romance lindo de chorar da escritora japonesa Hiro Arikawa. A maior parte da narrativa é feita por Nana, gato que ganhou este nome por conta de seu rabo em formato de sete. Nana é sete em japonês. A associação foi feita por Satoru Miyawaki, que foi quem salvou o gatinho após ele ser atropelado. Antes disso, a relação entre ambos já existia, uma vez que Nana dormia em cima da van de Satoru. Ao se acidentar, o felino não teve dúvidas a quem pedir ajuda. Resultado: foram cinco anos juntos. Cada um respeitando o espaço do outro, como pede um bom gato de rua, nas palavras do próprio Nana. <br /><br />Até que um dia, Satoru disse que precisavam encontrar outro lar para Nana. Algo irreversível impedia que os dois continuassem juntos. "Não precisa dizer mais nada. Sou um gato muito sagaz, já entendi tudo." Sim, de fato ele sabia como vamos descobrir mais tarde.<br /><br />E, dessa forma, sem mais explicações, partem na van para uma viagem pelo Japão. A cada parada, Nana é apresentado ao seu suposto novo lar e tutores, enquanto Saturo revê amigos e relembra sua própria história. Temos ainda as divertidas impressões de Nana sobre o que está acontecendo e sobre sua relação com o seu humano, por quem tem grande respeito e amor.<div><br /></div><div style="text-align: center;"><b><a href="https://www.qualviagem.com.br/5-locais-incriveis-para-ver-fotografar-e-se-apaixonar-pelo-monte-fuji/">Monte Fuji</a>: paisagem que encantou Nana</b></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHABAzt-_kuDq0683ia4rxHPz3mCwpKCWcNheZW1wzj0ih1wQPAw0PZKgfkhH8OAe854U6hcjjLfR0FWAhNRTVILPIvYcTKqx2F1eAG7dqXL202iVjzMy8d59RQEKTrnxYffVHIccSc304DvJahT7BUrQnSr0MhMzoF2H9zuCiUjTALRqe8OoFZOTSzYQ/s724/montefunji.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="483" data-original-width="724" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHABAzt-_kuDq0683ia4rxHPz3mCwpKCWcNheZW1wzj0ih1wQPAw0PZKgfkhH8OAe854U6hcjjLfR0FWAhNRTVILPIvYcTKqx2F1eAG7dqXL202iVjzMy8d59RQEKTrnxYffVHIccSc304DvJahT7BUrQnSr0MhMzoF2H9zuCiUjTALRqe8OoFZOTSzYQ/w640-h426/montefunji.jpeg" width="640" /></a></div><div><div><br />Nana, mesmo tendo traços humanizados e estereotipados comumente atribuídos aos gatos - orgulho, sagacidade, uma pitada de arrogância -, destila para o leitor o coração emocional de um gato: são companheiros leais, afetuosos e incrivelmente perspicazes. Não tenho dúvida sobre o que Nana disse sobre os gatos serem verdadeiramente poliglotas, compreendendo todos os idiomas, enquanto nós, humanos, muitas vezes falhamos em decifrar a linguagem dos animais. Jornada emocionante e sem apelos, mesmo quando descobrimos os motivos da viagem. O livro toca temas profundos como o luto, amizade e a beleza efêmera dos momentos cotidianos. Fiquei inspirada para explorar lugares como o Monte Fuji e Hokkaido, tão bem retratados na obra. Virou filme no Japão. Já gostei do trailler.</div><div><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><iframe allowfullscreen="" class="BLOG_video_class" height="266" src="https://www.youtube.com/embed/8skYdDpoGqY" width="320" youtube-src-id="8skYdDpoGqY"></iframe></div></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-76674376660026957782023-09-30T15:30:00.000-03:002023-10-22T23:25:40.414-03:00o gato que amava livros<span id="docs-internal-guid-e52d7253-7fff-64f2-ee28-2c33c8788e7d"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2WcmkcSBO4eEC2lHQ0zpVr8X8osIcgtwjDTp7f3SsDuxMMVaAl61TwYdCAVetAOdDnRB8bFUdunFJ0APxCVga4g6wQi6LApIL2D7eM8tdLxVbr9zZBDEwBuWwRBGTUl6ItORMcLsaUOMqtJ0J-d0kYJ6MfqhaFxIBjp_JKW_uHjvHFXkLvA7TYI12Cag/s1500/ogatoqueamavalivros.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="971" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg2WcmkcSBO4eEC2lHQ0zpVr8X8osIcgtwjDTp7f3SsDuxMMVaAl61TwYdCAVetAOdDnRB8bFUdunFJ0APxCVga4g6wQi6LApIL2D7eM8tdLxVbr9zZBDEwBuWwRBGTUl6ItORMcLsaUOMqtJ0J-d0kYJ6MfqhaFxIBjp_JKW_uHjvHFXkLvA7TYI12Cag/w414-h640/ogatoqueamavalivros.jpg" width="414" /></a></div></span><br /><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #c27ba0;"><i><span style="font-size: x-large;">"Livros têm alma. <br />Um livro querido sempre terá uma alma.</span></i></b></div><span style="color: #c27ba0; font-size: x-large;"><div style="text-align: right;"><b><i>Voltará para ajudar o leitor em tempos de crise."</i></b></div></span><br /><br />Em "<i>O gato que amava os livros</i>", o escritor japonês Sosuke Natsukawa nos apresenta a literatura fantástica japonesa voltada ao público jovem adulto. Leitura rápida e instigante, conta a história de Rintaro Natsuki, garoto do ensino médico bastante recluso, que passa a maior parte do tempo na livraria do avô. Leitor assíduo, conhece, com riqueza de detalhes, grandes obras literárias e filosóficas, especialmente as do ocidente. <br /><br />Seu avô acaba de morrer, e ele terá que abandonar a livraria para morar com uma tia distante. Diante desse cenário, sua introspecção intensifica-se, chegando ao ponto de se recusar a ir à escola. Ele é um hikikomori, palavra japonesa para definir jovens totalmente avessos ao convívio social.<br /><br />Eis que surge Sayo, amiga de sala que insiste que ele saia de casa (ou da livraria) e volte às aulas. Mas quem realmente vai movimentar a vida do rapaz é um gato falante, claramente inspirado no gato de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, um dos pseudônimos do escritor britânico Charles Lutwidge Dodgson. O felino aparece para pedir que o rapaz o ajude a resgatar livros que estão em perigo. A partir daí, partem para aventuras em labirintos no fundo da loja. Juntos, enfrentarão quatro situações bem curiosas. <br /><br />No primeiro labirinto, os livros estão condenados a ficarem sempre guardados a sete chaves após terem sido lidos uma única vez. No segundo, os livros são destinados a perder todos os seus detalhes e características que os fizeram grandes obras, pois a ideia ali é resumi-los ao máximo possível (alguns em apenas uma linha), para que mais pessoas possam ter acesso a eles. Na terceira empreitada, vão parar na maior editora do mundo. Lá, os livros literalmente despencam das grandes torres. A premissa é que se deve escrever apenas o que vende. Caso contrário, os livros perecerão, já que a demanda é por autoajuda e temas de consumo rápido. Cabe a Rintaro convencer os responsáveis por cada local a mudar de ideia, reforçando a importância da leitura.<br /><br />Já no quarto labirinto, é recebido por uma mulher misteriosa e, aparentemente, sem emoção, que vai colocar na balança todos os prós e contras do que foi visto antes. Seria ela a voz da razão mostrando que, afinal de contas, o que estava acontecendo nos ambientes anteriormente visitados refletem a realidade do mundo editorial? E que mais do que se prender ao passado, é preciso explorar outras possibilidades para garantir a sobrevivência dos livros? Ou indo além? A tradição é importante, porém, precisamos nos abrir ao novo.<br /><br />Rintaro está preso à tradição e aos costumes, especialmente os passados pelo avô, a quem muito admira e respeita. Durante seus argumentos contra os que "destruíram" os livros (guardando-os para que ninguém os visse, cortando-os para resumir ou aceitando o supérfluo), as lembranças do avô sempre emergiram, dando a ele respostas para reverter as situações e salvar as obras. Em dois dos labirintos, ele é acompanhado pela amiga Sayo. Segundo o gato, apenas algumas pessoas especiais conseguem vê-lo e ela é uma delas, consequentemente está apta a visitar esses lugares mágicos. <br /><br />A mitologia grega apresenta o<i><a href="https://www.infoescola.com/mitologia-grega/labirinto-de-creta/"> Labirinto de Creta</a></i>, não apenas como um espaço para confinar o Minotauro, uma figura indesejada pela sociedade, mas também como um caminho tortuoso de desafios e autodescoberta. Neste romance, os labirintos não apenas guardam os livros, eles representam a jornada interior de Rintaro, refletindo sua evolução e crescimento ao longo da narrativa.<br /><br />Interessante a figura do gato. Sarcástico, some e aparece sem dar satisfações, age como se fosse a própria consciência de Rintaro trabalhando para que ele possa dar conta de seus dilemas. Com a morte do avô, ele precisa deixar a livraria, local onde estão todas suas memórias afetivas. Apesar de não ser o que quer, sabe que para um garoto de ensino médio não é viável ficar sozinho. Ao mesmo tempo há as obrigações da idade, como a escola. Em contraponto, tem Sayo, por quem começa a ter sentimentos que vão além da amizade. No meio de tudo, chama a atenção outro personagem, o cara mais popular da escola, que contrariando as expectativas de Rintaro e Sayo, admira o nosso hikikomori e tem nele e na livraria Natsuki a inspiração para ler grandes clássicos. Importante observar que, em japonês, natsu significa verão. E ki significa esperança ou raro. Portanto, uma tradução aproximada do nome poderia ser "Esperança de Verão" ou "Raridade de Verão". <br /><br />Há esperança para a literatura? "<i>O gato que amava os livros</i>" mostra que sim, principalmente ao apontar o quanto perdemos ao deixar de lado livros considerados difíceis, por exemplo. Lá pelas tantas, Rintaro provoca a amiga ao lhe indicar Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques. Ela diz que está com dificuldades na leitura e ele afirma que isso é bom, pois o livro está lhe mostrando outras perspectivas. Quando a leitura é fácil, é porque tudo o que está ali já foi visto e aceito. É linda a passagem em que o protagonista relembra um diálogo com o avô, que compara a leitura com uma escalada? <div><br /></div><div><i><span style="color: #c27ba0;">" Se você vai escalar, escale uma montanha alta. A vista do topo será muito melhor."<br /></span></i><br />Há outros trechos bem instigantes sobre como temos nos livros amigos fiéis, que sempre nos darão as respostas que precisamos.<br /><br /><span style="color: #c27ba0;"><i>"Existem histórias atemporais, poderosas o suficiente para sobreviverem ao longo dos anos. Leia muitos desses livros; serão como amigos para você. Eles vão te inspirar e dar apoio." </i></span><br /><br />Contudo, sabemos as dificuldades que os livros enfrentam, o quanto os grandes clássicos são ignorados em prol de leituras mais fáceis e vendáveis. Mas não será isso que vai nos fazer desistir de uma boa história ;-)</div><div> <br /><br /><b>Trechos</b><br /><br />"Os livros têm um poder extraordinário. Esse era o mantra de seu avô. Para dizer a verdade, o velho não era muito falante, mas, quando o assunto eram livros, de repente ele se enchia de vida. Os olhos quase cerrados abriam caminho para um sorriso largo, e as palavras voavam da boca com uma energia extasiada: — Existem histórias atemporais, poderosas o suficiente para sobreviverem ao longo dos anos. Leia muitos desses livros; serão como amigos para você. Eles vão te inspirar e dar apoio."<br /><br /><br />"Ler um livro é muito parecido com escalar uma montanha."<br /><br />"Ler não é só um prazer ou entretenimento. Às vezes, você precisa examinar as mesmas linhas a fundo, ler as mesmas frases várias e várias vezes. Às vezes, você fica lá sentado com a cabeça nas mãos e só progride em um ritmo árduo e lento. E o resultado de todo esse trabalho duro e desse estudo cuidadoso é que, de repente, seu campo de visão se expande. É como encontrar uma bela vista ao final de uma longa escalada. Sob a luz da lâmpada antiquada, o avô de Rintaro tomou um gole de chá, calmo e confiante, parecendo um velho mago sábio de algum romance de fantasia. — Ler pode ser exaustivo. Os olhos do velho cintilaram por trás dos óculos de leitura. — Claro que é bom ter prazer em ler. Mas as vistas que se pode ter em caminhadas leves e agradáveis são limitadas. Não condene a montanha pelas trilhas íngremes. Também é uma parte valiosa e agradável da escalada o esforço de subir uma montanha passo a passo. Ele esticou a mão fina e ossuda e a colocou sobre a cabeça do garoto. — Se você vai escalar, escale uma montanha alta. A vista do topo será muito melhor. Apressar-se implica perder muitas coisas. Andar de trem pode levar ao longe, mas é um equívoco pensar que isso permitirá ver mais coisas. Flores na sebe e pássaros no topo das árvores são acessíveis apenas a quem vai caminhando com os próprios pés. Rintaro ponderou tudo isso antes de se aproximar do estudioso."<br /></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-10667105354813422632023-09-07T15:29:00.009-03:002023-10-20T15:48:34.250-03:00de repente, nas profundezas do bosque<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-my9GDMzKZLs-b24InxK79t0FfeJvZJa_nbhpwRkUqKK1BGeWL6u4v7Uo3QAO40xmfxg28CDyScX9icPtaYJOEZRT3-jxX9jlG6hnSesEghh3Ai7Y0gbXg3F0frYfeq98u094XLLDlRBgFRykfH5_1iVwGTEyCLVs0aOmM-2Y6gFkAG2PDAZkwJdP9-Y/s1500/derepentenasprofundezasdobosque.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1062" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-my9GDMzKZLs-b24InxK79t0FfeJvZJa_nbhpwRkUqKK1BGeWL6u4v7Uo3QAO40xmfxg28CDyScX9icPtaYJOEZRT3-jxX9jlG6hnSesEghh3Ai7Y0gbXg3F0frYfeq98u094XLLDlRBgFRykfH5_1iVwGTEyCLVs0aOmM-2Y6gFkAG2PDAZkwJdP9-Y/w454-h640/derepentenasprofundezasdobosque.jpg" width="454" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #38761d; font-size: x-large;"><i><br /></i></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #38761d; font-size: x-large;"><i>"A professora Emanuela explicou à classe como é um urso, como os peixes respiram e que sons a hiena produz à noite. Ela também pendurou na sala gravuras de animais e aves. Quase todos os alunos debocharam dela, porque nunca na vida tinham visto um animal sequer. E muitos deles não acreditaram que existissem no mundo tais criaturas. Pelo menos nas redondezas."</i></b></div><br /><br /><i>(Esta é uma leitura, à luz da literatura animalista, de um livro lido há bastante tempo. Inclusive com menção <a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2013/11/de-repente-nas-profundezas-do-bosque.html">aqui neste blog</a>.)</i><br /><br /><br />"<i>De repente, nas profundezas do bosque</i>", do israelense Amós Oz, beira a literatura fantástica. É uma fábula sobre como nos relacionamos com o diferente por meio de uma alegoria animalista.<br /><br />Imagine uma aldeia onde não existe bicho algum? Nada no ar, na terra ou no rio. Nem mesmo insetos ou vermes. Lá, a ideia do que é animal passa somente pela oralidade, pelos desenhos da professora Emanuela e pelas esculturas em madeira do ex-pescador Almon, que agora cuida do seu pomar e horta, já que não há mais peixes nos rios. <br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #38761d;">"Somente por essas estatuetas, bem como pelos desenhos feitos pela professora Emanuela na lousa, as crianças conheciam o aspecto de um cachorro, do gato, da borboleta, do peixe, do pintinho, do cabrito e do bezerro. A professora Emanuela também ensinou a algumas crianças as vozes dos animais, vozes que os adultos da aldeia com certeza ainda lembravam da infância, antes que as criaturas desaparecessem, mas as crianças jamais as ouvira em toda a vida." </i></div><br />Ninguém sabe dizer por que os animais desapareceram. O que se conta é que certa noite, há muito tempo, todos os animais saíram da aldeia seguindo o demônio Nehi, que habita o bosque vizinho. Há quem diga que tudo não passa de lenda, pois as pessoas têm certo desconforto em afirmar que já existiram outras formas de vida na aldeia. Ao mesmo tempo em que param para refletir sobre seus animais de estimação, pássaros etc, elas imediatamente sacodem a cabeça para espantar essas lembranças, envergonhadas. Seria culpa? Medo? Ou consciência coletiva da responsabilidade pelo sumiço inexplicável. <br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #38761d;">"Já fazia muitos anos que todos os animais dessa aldeia e das redondezas haviam desaparecido, vacas, cavalo e carneiros, gansos, gatos e canários, cachorros, aranhas domésticas e lebres. Nem mesmo um pintassilgo vivia lá. Nenhum peixe restara do rio. As cegonhas e os grous rodeavam os vales em suas jornadas errantes. Até mesmo os insetos e os vermes, até as abelhas, moscas, formigas, minhocas, mosquitos e traças não eram vistos havia muitos anos. Os adultos que ainda lembravam em geral preferiam calar-se. Negar. Fingir" </i></div><div style="text-align: right;"><br /></div>A professora Emanuela perdeu sua gatinha Tigresa que tinha acabado de ter três filhotes. Naquela fatídica noite, eles sumiram deixando apenas dois fios de bigode, a bolota de lã que brincavam e o cheirinho azedo das lambidas. Foram dias de sofrimento para a pequena Emanuela, na época com dez anos. Hoje, ela não é mais "tão nova". O fato de não ter conseguido o marido, apesar das aparentes tentativas, e sua insistência em retratar os bichos fazem com que seja ridicularizada. Fora da escola, está sempre sozinha.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">"Certa noite, noite de tempestade, desapareceram todos os animais da aldeia, mamíferos, aves, peixes, répteis e larvas, e no dia seguinte de manhã restaram apenas os habitantes e seus filhos. Emanuela, que naquele tempo tinha dez anos, chorou semanas e semanas de saudades da sua gata tigresa Tima, que teve três filhotes, dois listrados como a mãe, e um amarelinha e travesso, que gostava de se disfarçar de meia enrolada e se esconder dentro de uma bota. Naquela noite terrível desapareceram a gata e os filhotes, e deixaram para trás a gaveta de sapatos estofada vazia debaixo do armário de roupas." </span></i></div><br />O mesmo acontece com o pescador, ou ex-pescador, Almon, que distribui figuras de animais entalhadas na madeira para as crianças. Por rememorar de forma intensa os velhos tempos com animais, ele, que perdeu, além dos peixes dos rios, seu cachorro Zito, é tido como louco, principalmente porque fala muito e tem como confidente um espantalho, que fincou nas suas plantações.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #38761d;">"Almon discutia com o espantalho, às vezes longamente e com raiva. Ajeitava-o, repreendia-o, abandonava-o completamente, e logo voltava, trazendo uma velha cadeira; sentava-se diante do espantalho e tentava, com uma paciência infinita, convencê-lo, ou pelo menos fazê-lo alterar um pouco as suas opiniões inflexíveis."</i></div><div style="text-align: right;"><br /></div>Há ainda uma terceira pessoa que também acredita nos animais: Nimi, garoto desgrenhado, sujo, com roupas rasgadas, nariz escorrendo, e que vive falando sobre seus sonhos com os animais retratados pela professora, o suficiente para ser considerado excêntrico. Até que ele desaparece por dias e volta com a doença do relincho, nome dado à transformação de algumas pessoas em animais. No caso de Nimi, ele volta literalmente relinchando como um cavalo, mostrando seus dois dentes protuberantes e separados da frente, o que reforça o simbolismo da transformação, evocando a própria natureza humana e sua relação intrincada com a animalidade, o que aproxima essa passagem do romance "<i>A Metamorfose</i>" de Franz Kafka, no qual o protagonista acorda metamorfoseado em um inseto gigante. <br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #38761d;">"A turma ria dele quando chegava contando, logo pela manhã, como seus sapatos marrons, que durante a noite ficavam ao lado da sua cama, se transformava em dois ouriços que se arrastavam e examinavam o quarto a noite inteira, mas de manhã, quando ele abria os olhos, os ouriços voltavam de repente a ser um simples par de sapatos ao lado da cama." (p.8)</i></div><br />Os personagens são marginalizados não apenas por acreditarem na existência dos animais, mas também por outras características estigmatizadas: a solteirice, o ato de falar sozinho e o rótulo de "sujo". Esses elementos atuam como símbolos das normas sociais restritivas que promovem a conformidade e marginalizam o diferente. A solteirice questiona padrões sociais, falar sozinho pode representar a busca por uma voz autêntica, e o rótulo de "sujo" aponta para a visão preconceituosa que categoriza certos grupos como inferiores ou menos dignos de aceitação. Juntos, esses símbolos oferecem uma crítica à rigidez e à intolerância social.<br /><br />Outro que contraiu a doença do relincho foi Guinom, o pastor de ovelhas e marido de Solina, a costureira. Dizem que naquela noite ele saiu em busca de seus animais e voltou contaminado. Parou de falar, definhando aos poucos e passando a viver como um cabrito. Cabe à sua esposa cuidar dele como se fosse um bebê.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">"Solina, a costureira, passeava com o marido inválido pelas ruelas da aldeia. O homem inválido, Guinom, se curvou tanto com o passar dos anos que Solina podia, sem nenhuma dificuldade, acomodá-lo num velho carrinho de bebê para levá-lo até a margem do rio.</span></i></div><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;"><br /></span></i></div><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">…</span></i></div><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;"><br /></span></i></div><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">Durante o trajeto, tanto na ida como na volta, Guinom emitia um balido fino e choroso, porque a doença do esquecimento fez com que ele pensasse que era um cabrito." </span></i></div><br />A pequena comunidade tem ainda o jovem Danir, o consertador de telhados, que, no fim da tarde, encontra-se com os amigos para se divertir. Ele sempre diz que vai atrás dos animais com seus ajudantes, o que inevitavelmente acaba com a conversa, deixando os demais assombrados com suas palavras. Outra personagem que sente pelos animais é Lília, padeira e mãe de Maia, que insiste em jogar migalhas de pão para os peixes inexistentes do rio. <br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #38761d; font-style: italic;"><br /></span></div><span style="color: #38761d;"><div style="text-align: right;"><i>"... ele jurava que dali a pouco, uma semana, um mês, acompanhado de seus ajudantes ele haveria de descer os vales distantes, e dos vales não voltariam a pé, mas num comboio de carroças atreladas a cavalos e carregadas de cem tipos de aves, animais, peixes e insetos, e passariam de casa em casa, espalhando animais por toda parte e despejando peixes vivos no nosso rio. Assim a aldeia voltaria a ser exatamente como era antes daquela maldita noite, e pronto. Ao ouvir uma conversa como essa, o grupo se calava de tanto assombro: as palavras que Danir pronunciava não divertiam o grupo, mas cobriam a praça de uma sombra carregada e repentina." </i></div></span><div style="text-align: right;"><br /></div>A população cultiva crenças sobre o bosque, local proibido e temido. Lar do demônio Nehi, que toda noite volta para capturar os desprotegidos. Por isso, todas as portas são trancadas ao escurecer, e não sobra viva alma nas ruas. Durante o dia, todos seguem a rotina de casa, trabalho, escola e passeios em horários pré-definidos. A narrativa sugere que tudo na vila ocorre de forma automática. Cada um possui seu papel definido e realiza o esperado, como deve ser. O que se desvia disso é considerado errado, motivo de deboche.<br /><br />Observando e refletindo sobre esse cenário, temos duas crianças. A menina Maia e o menino Mati. Eles são amigos e planejam adentrar o bosque para investigar o que está por trás do desaparecimento dos animais, principalmente após se depararem com um peixe vivo que os encara, expondo-se e expondo-os, assim como o gato de Jacques Derrida, que nos leva a questionar o olhar do animal e a complexidade do seu mundo interior, como abordado em "<i>O Animal que Logo Sou</i>". Nesta obra, o pensador francês desafia os paradigmas tradicionais da filosofia ao se aprofundar na relação entre seres humanos e animais. Ele provoca reflexões sobre o olhar do animal, questionando se podemos verdadeiramente compreender a profundidade dos pensamentos e emoções que residem por trás dele. Derrida nos leva a considerar o "olhar do outro", especialmente o olhar do animal, como uma abertura para uma vastidão de significados e sentidos que escapam à nossa compreensão limitada. Assim como o gato que olha e é olhado por Derrida, Maia e Mati são confrontados com a mesma questão: o que será que reside no olhar desse peixe? Esta conexão intrincada entre a observação, a interpretação e a possibilidade de uma subjetividade animal mais profunda é uma linha de investigação que Derrida empreendeu, e que também ecoa nas explorações das crianças.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">"Que me dá a ver esse olhar sem fundo? Que me `diz`ele que manifesta em suma a verdade nua de todo olhar, quando essa verdade me dá ver nos olhos do outro, nos olhos vendo e não apenas visto pelo outro? Penso aqui nesses olhos que veem ou nesses olhos de vidente cuja cor seria preciso ao mesmo tempo ver e esquecer." </span></i></div><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">"Era um peixe pequeno, um peixinho, com comprimento de meio dedo, com escamas prateadas e nadadeiras delicadas, branqueadas, espelhadas e trêmulas. O olho de peixe redondo e arregalado ao máximo mirou os dois por um instante como se sugerisse a Maia e Mati que todos nós, todos os seres vivos sobre este planeta, pessoas e animais, aves, répteis, larvas e peixes, na realidade todos nós estamos bem próximos um dos outros, apesar de todas as muitas diferenças entre nós: pois quase todos temos olhos para ver formas, movimentos e cores, e quase todos nós ouvimos vozes e ecos, ou pelo menos sentimos a passagem da luz e da escuridão através da nossa pele. E todos nós captamos e classificamos sem parar cheiros, gostos e sensações." </span></i></div><div><br /></div>Eles cumprem a promessa, entram no bosque e, no caminho, encontram o esconderijo de Nimi. Para surpresa de ambos, ele não está relinchando. Fala normalmente e afirma que a doença foi uma desculpa para se ver livre da escola, dos pais, dos vizinhos e, especialmente, das zombarias. Assim, ele pode se refugiar na caverna sem ter que dar satisfação a ninguém. Mais um motivo para os dois amigos refletirem sobre seus próprios atos. Afinal, não teriam eles próprios debochado de Nimi?<br /><br />Seguindo o caminho, encontram o que procuram. Pássaros, peixes, vacas, ratazanas e todo tipo de bicho vivendo juntos com Nehi. O demônio que a vizinhança tanto temia é, na verdade, Neman, garoto que fora motivo de chacotas por ser diferente, esquisito. Apesar de seus esforços, jamais conseguiu ser como os demais, encontrando apenas nos animais o consolo que precisava. Rapidamente, aprendeu a falar cachorrês, gatês e outros idiomas que lhe permitiram se aproximar de todas as espécies. Até que decidiu partir. E junto com ele foram todos os animais. Hoje, bem mais velho, vive rodeado de todas as espécies, vivendo pacificamente.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #38761d;">"Mati ergueu os olhos em direção às copas das densas árvores, e viu e ouviu pela primeira vez na vida a tagarelada de multidões de pássaros, as variadas vozes que cantavam e pulavam, e o farfalhar das asas e o movimento inesperado daquelas criaturas que saltavam e pulavam de galho em galho. Às margens do riacho e nas piscinas naturais que se formavam, repousavam as aves aquáticas, com uma perna mergulhada na água e a outra dobrada, o bico cor-de-rosa a afundar de repente na água em busca de alimento. Uma profunda e suave calma encheu o peito de Mati, uma calma da qual não tinha lembrança em toda a sua vida, a não ser, talvez, na memória oculta e obscura, memória por trás de toda memória, memória que continha o sossego de um bebê de fraldas saciado, com os olhos fechados, envolvido em doçura, adormecendo junto ao peito da mãe enquanto ela murmurava com sua voz quente uma canção de ninar." (p 90/91)</span></i></div><br />Na sua jornada pela floresta, Nehi se depara com a carnemônia, planta cujo sabor se assemelha ao da carne. É essa descoberta que vai permitir que presas e predadores vivam juntos, sem um ter que matar o outro para sobreviver. Ao trazer esse tema à tona, Oz levanta os dilemas éticos presentes na alimentação humana. A organização Humane Society International (HSI) estima que o número de animais criados e abatidos para consumo por ano no mundo chegue a 88 bilhões. Essa preocupação ética ressoa com a obra de J.M. Coetzee, "<i>A Vida dos Animais"</i>, na qual a personagem Elizabeth Costello argumenta que "somos todos animais" e questiona o "túmulo humano que criamos para eles [os animais]" em nossas práticas alimentares. A descoberta da carnemônia por Nehi pode ser interpretada como intervenção literária nesse debate ético. Assim como Elizabeth Costello nos incita a repensar a dieta onívora, a introdução da planta na história de Oz desafia nossas justificativas habituais para práticas que resultam em abate em massa. A obra de ambos os autores nos convida a contemplar a possibilidade de um mundo onde alternativas à carne, e coexistência pacífica, sejam não apenas imagináveis, mas também viáveis.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #38761d;">"Muitos anos atrás, em um vale escondido, atrás de sete cordilheiras e depois de sete vales profundos, numa de suas excursões solitárias Nehi descobriu um pequeno arbusto que dava umas frutinhas brancas e roxas com sabor muito parecido com o da carne. Nehi denominou as frutas desse arbusto carnemônias. Ele plantou sementes de carnemônia por todo bosque, cultivando e disseminando os arbustos, porque entendeu que todos os animais carnívoros gostavam do sabor da carnemônia, e se alimentavam dela com gosto, e assim não precisavam mais abater criaturas mais fracas do que eles. E também não sentiam mais o desejo de abater. Assim Nehi conseguiu aos poucos habituar o tigre a se divertir com cabritos pequenos, e logo a cuidar de rebanhos de carneiros, e até adormecer entre eles, de modo que a lã macia lhe esquentasse o corpo nas noites frias. Assim nenhum animal nunca mais abateu outro em toda a extensão dessas matas, e animal nenhum nunca mais teve medo dos predadores. Mas não esqueceram completamente."</i></div><br />Lá nas profundezas do bosque, todos encontram um lugar onde são aceitos pelo que são. Não há mais sofrimento, zombarias, deboches e intolerância (até a questão da alimentação foi resolvida). Maia e Mati, porém, argumentam que ao tirar os animais de cena, Nehi também causou muita dor. A professora Emanuela sofreu. Almon sofreu. Não sentiria ele próprio saudades do convívio humano? Por um instante, Nehi reflete e afirma que sente falta das pessoas, do aconchego de um lar. Que vira e mexe ele volta à aldeia para ver como todos estão vivendo. Que ao observar as famílias reunidas, sente um aperto no coração. Mas que seu lugar é realmente ali no bosque. E que não voltará pelos animais, que muito padeceram nas mãos humanas. Ele não tem dúvida de que as pessoas ficarão felizes em receber seus cães, gatos e cavalos. Mas o que acontecerá com os ratos, insetos e vermes?<br /><br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #38761d;"><i>"Noite após noite Nehi, o demônio da montanha, desce de seu palácio negro atrás dos montes e dos bosques, visita as casas como um mau espírito, procura sinais de vida, e se por acaso encontra um grilo perdido, ou um único vaga-lume que veio parar aqui arrastado sabe-se lá de que distância pelos ventos do inverno, ou até mesmo um besouro ou uma formiga, imediatamente estende seu manto escuro, envolve e aprisiona toda criatura viva, e antes de o sol nascer retorna voando ao seu palácio assombrado, para além dos últimos bosques nas alturas dos montes eternamente cercados de nuvens." </i></span></div><br />Pode ser que a ideia de Amós Oz tenha sido usar os animais para falar sobre a intolerância de humanos para outros humanos (ou outros considerados menos humanos), mas seu livro traz importantes pontos que nos ajudam a entender a forma com que nos relacionamos com os animais. <br /><br />Enquanto escrevo, minha atenção é capturada por Billy, meu cachorrinho, que retribui o olhar. Nele, encontro o mesmo olhar que Maia e Mati trocaram com o peixe. O que reside no olhar dos animais? Este olhar nos convida a questionar a profundidade dos pensamentos e emoções dos animais. Portanto, quando nos deparamos com o olhar desses animais na história, somos convidados a enxergar para além do óbvio, a explorar as camadas ocultas de significado e a considerar a riqueza da experiência animal que, de acordo com Derrida, permanece em grande parte inexplorada e incompreendida pelos humanos.<br /><br />Tanto que neste exato momento, milhares de animais estão sendo mortos para diversos fins: alimento, vestuário, entretenimento. Em que momento o homem se viu no direito de se colocar acima de todos eles? <br /><br />Repleta de simbolismos, a narrativa retrata uma sociedade que expulsa o diferente e que ridiculariza quem não se enquadra, falando não apenas dos animais, mas de qualquer ser que porventura seja diferente da maioria. E usa, para isso, o recurso de uma literatura quase fantástica, mas que não deixa de ser realista, por trazer em suas entrelinhas a intolerância cotidiana e banal, que ridiculariza, isola e mata.<br /><br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #38761d;"><i>"E o que acontecerá se os grandes e ricos camponeses, esses cujos pais estudaram comigo na sala da professora Rafaela, a mãe da professora Emanuela, o que acontecerá se eles começarem outra vez a bater nos cachorros com bastão, e a açoitar os cavalos com chicotes de couro, e a envenenar os gatos de rua, e a afogar os ratos em tonéis de água, e se de novo tornarem a sair com suas espingardas para matar gazelas, corças e raposas para comerciar suas peles, e armarem todo tipo de armadilhas para as lebres e para os gansos selvagens? E se de novo estenderem suas redes para pescar os peixes do rio?"</i></span></div><div style="text-align: right;"><br /></div><div style="text-align: right;"><span style="color: #38761d;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjspFg8rYQlVSDpXt_oTXTjsgI5y23MCM9W1-2ds7-oE-Cp-Y5fszMb-QllapN0aE5HRWcy65etd0ABHZXL5KpQaPcMGBz6PiJcMBlW-DlTJgI4Os-28KaGQitvwIZjYGp3M78DESoB7HQaXrGYW-oc3H2oag2Bcm2ZiGEsGoHg0KRvQkHBOAODW8mCw08/s1800/muitos-animais-fofos-na-floresta-de-bambu_1308-32851.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1174" data-original-width="1800" height="418" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjspFg8rYQlVSDpXt_oTXTjsgI5y23MCM9W1-2ds7-oE-Cp-Y5fszMb-QllapN0aE5HRWcy65etd0ABHZXL5KpQaPcMGBz6PiJcMBlW-DlTJgI4Os-28KaGQitvwIZjYGp3M78DESoB7HQaXrGYW-oc3H2oag2Bcm2ZiGEsGoHg0KRvQkHBOAODW8mCw08/w640-h418/muitos-animais-fofos-na-floresta-de-bambu_1308-32851.jpeg" title="https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/animais-floresta-desenho" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Nas profundezas do bosque, todos vivem juntos. Ilustração: <a href="https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/animais-floresta-desenho">Freepik</a></td></tr></tbody></table></span></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-564803896814324102023-07-29T15:42:00.036-03:002024-01-11T15:58:53.616-03:00contos de fada<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCQ-RAMiJkVIQhzfo3gJV1QAEqaYDZdIfLwee7b1Pezju_Gg9DtR7m-3lWR9XXpDYScgzGH-qCyvknZDnDKoGKg0sNlr00fsz_e97_grMCGMaWq1VG7ICh8O83V7J0Ufb8idfWZI7EBZDEZdg3TjjTtkbbmh9WCZMO9JP6Ca6AaczXgpYVBgTW-8o3B40/s1500/CONTOSDEFADA.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1044" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhCQ-RAMiJkVIQhzfo3gJV1QAEqaYDZdIfLwee7b1Pezju_Gg9DtR7m-3lWR9XXpDYScgzGH-qCyvknZDnDKoGKg0sNlr00fsz_e97_grMCGMaWq1VG7ICh8O83V7J0Ufb8idfWZI7EBZDEZdg3TjjTtkbbmh9WCZMO9JP6Ca6AaczXgpYVBgTW-8o3B40/w446-h640/CONTOSDEFADA.jpg" width="446" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #7f6000; font-size: x-large;"><i>"Acho que às vezes nós sabemos aonde estamos <br />indo mesmo quando achamos que não sabemos."</i></b></div><div style="text-align: right;"><br /></div>Suspense de primeira. Apesar do título, não estamos diante de uma história bonitinha. Afinal, é um romance de Stephen King, autor de O Iluminado, It: a coisa e outros tantos romances de dar medo. Mas há conto de fadas e é bem bonito. Fala sobre um garoto de 17 anos, Charlie Reade, que perdeu a mãe muito cedo de forma bem trágica. O pai, como consequência, teve sérios problemas com a bebida, de modo que o filho teve que se virar sozinho, o que inclui cozinhar, cuidar da casa e ainda dar conta das obrigações da escola. Depois de alguns episódios de rebeldia, que são contados ao longo da narrativa, seu foco foi para o esporte, no qual teve grande destaque. <br /><br />Estava num momento até que bom da vida, com o pai recuperado do alcoolismo, quando ao passar na frente da casa do seu vizinho mais hostil, ouve latidos que chamam a sua atenção. Era algo parecido com um pedido de ajuda, uma súplica. Sem pensar, ele invade a residência e se depara com o velho Howard Bowditch caído no chão ao lado da sua cadela, Radar. Apesar da rabugice do homem, logo eles se tornam amigos, especialmente por conta da pastora alemã, que rapidamente ganha o amor de Charlie. <br /><br />Bowditch, mesmo com todos os cuidados recebidos, morre e deixa para o garoto um legado. A partir daí, sua vida dá uma reviravolta e ele vai parar em um universo paralelo para salvar a cachorrinha, que está bem debilitada. Adianto: ela não morre no final. É importante saber isso porque se você for como eu, deve fugir de livros ou filmes em que os animais morrem. No fundo da casa de Bowditch há um barracão que esconde um poço que leva a Empis, outro mundo repleto de seres fantásticos. Tudo com muita referência aos contos de fadas que conhecemos, como João e o Pé de Feijão, Mágico de Oz, Alice, A Pequena Sereia. Há ainda menções a autores do suspense e terror, como H.P. Lovecraft. Tudo é contado em primeira pessoa pelo Charlie mais velho, e escritor, relembrando seu passado e, especialmente, a grande aventura que envolve monstros, relógio do tempo que faz todos os seres rejuvenescerem, pessoas que ficam acinzentadas, que perdem, literalmente, os sentidos (sem boca, sem olhos, sem orelhas), castelos que se movem, jogos mortais (bem no estilo da série coreana Round 6). E, claro, princesas e muita magia. Nesta terra, é visto por seus habitantes como o príncipe que vai salvá-los da maldição e de Elden, o grande vilão. Quem leu (ou assistiu a adaptação para as telas) de "<i>História sem fim</i>", do alemão Michael Ende, também fará algumas analogias, sobretudo em relação ao jovem herói. Gostei muito da reflexão de Charlie sobre o quão crível é sua história ao comparar, por exemplo, uma pessoa do início do século passado aterrisando em uma grande cidade, com helicópteros, cinema 3D, smartphones e outras tecnologias que fazem parte do nosso dia a dia. É tudo relativo, afinal. Pensando bem, a história é bonitinha, sim. Vale a leitura! Aliás, posso dizer que é o segundo livro fofo de SK que leio. O outro foi <a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2016/04/joyland.html">Joyland</a>, que recomendo.<br /><br /><span style="color: #7f6000;"><i>"E a magia, você pergunta? O relógio de sol? Os soldados noturnos? Os prédios que às vezes pareciam mudar de forma? Eles consideravam normal. Se você acha isso estranho, imagine um viajante no tempo sendo transportado de 1910 para 2010 e encontrando um mundo onde as pessoas voam pelo céu em aves metálicas gigantes e andam em carros que atingem cento e cinquenta quilômetros por hora. Um mundo em que todo mundo anda por aí com computadores poderosos nos bolsos. Ou imagine um cara que só viu alguns filmes mudos em preto e branco sendo colocado na primeira fila de um cinema imax para ver Avatar em 3D. A gente se acostuma com o fantástico, é isso. Sereias e imax, gigantes e celulares. Se é no seu mundo, você aceita. É maravilhoso, né? Mas se olharmos de outra forma é horrível."</i></span><br /><br /><br /><b>A representação dos animais</b><br /><br />Dentro desta obra de Stephen King, a multiplicidade de relações entre seres humanos e animais evidencia uma rede de significados. Na narrativa, os animais desempenham funções diversificadas e são essenciais para o desenvolvimento da trama. Radar, a fiel cachorra, é protagonista e desempenha importante papel ao conectar Charlie ao universo paralelo. A ligação entre eles é profunda e verdadeira, tornando-os companheiros de aventura. Radar, em um momento decisivo, demonstra sua lealdade ao salvar Charlie.<br /><br />Outro animal que carrega grande simbolismo, e frequentemente é referenciado pelos habitantes de Empis, é a borboleta monarca. Milhares delas caem mortas cobrindo a cidade com seus corpos quando o vilão toma o poder. Ao mesmo tempo, outras tantas sobrevivem e serão essenciais para que Empis reencontre a paz.<br /><br />A jornada de Charlie neste mundo é marcada também pelo encontro com um gigante grilo vermelho, Snab, que ele salva das mãos de um anão que o estava agredindo. O seto, dito por Charlie, ser tão raro 'quanto cervos albinos', aparece de forma emblemática, carregando consigo um toque sagrado. <br /><br />Já o frango é central para um dos eventos mais trágicos do romance. A busca pelo "melhor frango da região" acaba sendo o estopim para o trágico acidente que leva à morte da mãe do protagonista. Aparece frequentemente nas refeições dos personagens, inclusive em Empis. Mas em nenhum momento é tido como ser vivo que é. A associação com as refeições ressalta a dimensão onde os animais são vistos sob um prisma utilitário, reafirmando o papel que lhes é atribuído em nossa sociedade.<br /><br />Há animais que são considerados repugnantes e, geralmente, associados à sujeira, ao submundo. É o caso do rato. Os ratos na obra de King, em particular, são retratados de forma poderosa e assustadora. Descritos como moradores escondidos das paredes e dos lugares escuros, eles são invocados em massa e se tornam instrumentos de uma vingança terrível contra um dos vilões. Enquanto alguns são eletrocutados pelo caminho, outros continuam a avançar, mordendo e devorando. Este evento ressalta a imagem do rato como uma criatura associada a horrores ocultos, mas também à retaliação e à justiça. Neste contexto, eles não são meramente repulsivos; têm um papel essencial no desenrolar dos acontecimentos.<br /><br />Temos também a égua da princesa de Empis, Falada, cuja crina foi meticulosamente decorada, sugerindo sua importância ou até mesmo reverência. Sua participação não é apenas figurativa. Leah perdeu a boca e usa Falada para se comunicar pela técnica ventricular. <br /><br />Há ainda Catriona, a desconfiada gata de um dos sobreviventes da família real de Empis. Assim como Radar, ela exemplifica o conceito mais tradicional e afetivo de animal enquanto parte da família.<br /><br />A transformação do vilão em polvo e a figura da sereia, morta durante a destruição de Empis, evocam o "devir-animal", conceito discutido por Gilles Deleuze e Félix Guattari. Este "devir" não é uma evolução, mas sim uma série de conexões e intensidades entre diferentes entidades. Esta fusão entre identidades, onde o humano e o animal se entrelaçam, pode ser comparada com a "Metamorfose" de Kafka. Gregor Samsa, ao se transformar em inseto, confronta-se não apenas com sua nova forma, mas com toda a gama de implicações sociais e existenciais que ela carrega.<br /><br />Outros animais aparecem aqui e ali, como gansos e lobos. Muitos apenas citados. <br /><br />Em resumo, King, através de sua narrativa, nos instiga a refletir profundamente sobre as complexidades das nossas relações com o mundo animal, e como nossos entendimentos teóricos podem ser simultaneamente desafiados e enriquecidos por essas interações.<br /><br /><b><br /></b><div><b>Trechos</b><br /><br /><i><span style="color: #7f6000;">"Dora colocou uma chaleira no fogo, serviu o ensopado e voltou para o fogão. Pegou canecas no armário (como as tigelas, eram meio caroçudas) e um pote do qual tirou chá. Chá comum, eu esperava, não algo que fosse me deixar chapado. Eu já estava me sentindo bem fora de mim. Ficava pensando que aquele mundo ficava abaixo do meu, de alguma forma. Era uma ideia difícil de afastar, porque eu tinha descido para chegar lá. Mas havia céu acima. Eu me sentia como Charlie no País das Maravilhas, e se tivesse olhado pela janela redonda do chalé e visto o Chapeleiro Maluco saltitando pela estrada lá fora (talvez com um gato sorridente no ombro), eu não teria ficado surpreso. Ou melhor, mais surpreso. A estranheza da situação não mudou o quão faminto eu estava; tinha estado nervoso demais para tomar um bom café da manhã antes de sair. Ainda assim, esperei até ela levar as canecas e se sentar. Era educação básica, claro, mas também achei que ela poderia querer fazer algum tipo de oração; uma versão zumbida de Abençoado seja o alimento que vamos comer. Ela não fez isso, só pegou a colher e fez sinal para eu comer. Como falei, estava delicioso. Peguei um pedaço de carne, mostrei para ela e ergui as sobrancelhas."</span></i><br /></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-48368953179636093802023-07-22T15:51:00.020-03:002023-10-27T22:56:48.294-03:00atlas<span id="docs-internal-guid-e396d42f-7fff-390f-f931-012bf6331eea"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6stTcwF7iN1qvsW9pbKnoGbj6F-v4mJFgciYqbZTnMB9FjPBKP9zuEjA-0FjrKrvpSLHe1WxR5Zj_isdvnU0iE_5Y-UmL4HZgQVOEtWNECuX5nlU8WzSyMAW4vvJ0bfIIXFqV2gTRcSmvis4e-xJgg3MGPqN4ox0IjUqwRxmP7StkbQLI1199a_6TznY/s1500/atlas.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1044" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg6stTcwF7iN1qvsW9pbKnoGbj6F-v4mJFgciYqbZTnMB9FjPBKP9zuEjA-0FjrKrvpSLHe1WxR5Zj_isdvnU0iE_5Y-UmL4HZgQVOEtWNECuX5nlU8WzSyMAW4vvJ0bfIIXFqV2gTRcSmvis4e-xJgg3MGPqN4ox0IjUqwRxmP7StkbQLI1199a_6TznY/w446-h640/atlas.jpg" width="446" /></a></div><br /><p></p><span style="color: #0b5394; font-size: large;"><div style="text-align: right;"><b><i>"Basta procurar as Sete Irmãs, as Plêiades, meu filho. Elas sempre estarão lá, em algum lugar, cuidando e protegendo você quando eu não puder..."</i></b></div></span><br />E finalmente conhecemos a história de Pa Salt, e o final da série das Sete Irmãs, de Lucinda Riley que, infelizmente, morreu antes de concluir sua obra. A tarefa de nos entregar o último livro ficou com seu filho, Harry Whittaker, que recebeu dela, depois do diagnóstico de sua doença, todas as orientações necessárias para finalizar o enredo.<br /><br /><b><span style="color: #0b5394; font-size: medium;"><i>"Coincidência significa apenas que há uma conexão esperando para ser descoberta."<br /></i></span></b><br />O resultado foi muito bom. Gostei muito de acompanhar todos os entrelaçamentos com os volumes anteriores. Como faz anos desde que li o primeiro, tive que recorrer às minhas bibliotecas físicas e digitais para relembrar os acontecimentos e ver que, de fato, todas as respostas já haviam sido dadas. Fiquei até com raiva de não ter percebido algumas coisas antes. Mas uma raiva boa, pois foi bem inteligente a forma com que a autora encontrou para deixar a figura do pai sempre presente para suas filhas. Mais que isso, como a adoção delas, em diferentes partes do mundo, tinha um significado expressivo.<br /><br />A vida de Pa não foi nada fácil. Tudo bem dramático, aliás, mas gostoso de acompanhar. Não quero entregar aqui nada além do que já escrevi porque caso tenham interesse de adentrar nesses livros, o melhor vai ser o fator surpresa.<br /><br />Claro, além disso, fomos brindados com viagens por diversos lugares especiais. Resumindo a série, temos um homem misterioso que tem seis filhas. Elas foram adotadas em diferentes partes do mundo: Brasil, Noruega, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos e Austrália. Há uma, porém, que segue perdida. Duas outras mulheres o ajudam na tarefa de criá-las e educá-las. Ao todo, a série tem oito livros, cada um contando sobre as circunstâncias em que foram encontradas e como eram suas famílias biológicas. E todas as descobertas acontecem mais ou menos ao mesmo tempo, logo depois da morte do pai. Mas o real motivo das adoções só saberemos neste último volume.<br /><br />Certamente, vou sentir falta dos romances e aventuras imaginárias que Lucinda me proporcionou. Muito obrigada e RIP.</span><div><b><br /></b></div><div><b>Veja os outros livros da série:</b><br /><div><span><br /></span></div><div><span><a href="http://www.livrosemotivos.com.br/2015/07/as-sete-irmas.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">As sete irmãs</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Brasil)</span><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><a href="http://www.livrosemotivos.com.br/2016/03/a-irma-da-tempestade.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">A irmã tempestade</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Noruega)</span><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><a href="http://www.livrosemotivos.com.br/2017/05/a-irmao-da-sombra.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">A irmã da sombra</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Inglaterra)</span><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><a href="http://www.livrosemotivos.com.br/2017/12/a-irma-perola.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">A irmã da pérola</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Austrália)</span><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2019/02/a-irma-lua.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">A irmã lua</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Espanha)</span><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><br style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;" /><a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2020/09/a-irma-sol.html" style="background-color: white; color: #2288bb; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px; text-decoration-line: none;">A irmã sol</a><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"> (Quênia)</span></span></div></div><div><span><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"><br /></span></span></div><div><span><span style="background-color: white; color: #666666; font-family: "Trebuchet MS", Trebuchet, Verdana, sans-serif; font-size: 13.2px;"><a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2021/12/a-irma-desaparecida.html">A irmã desaparecida</a> (Irlanda)</span></span></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-54438705066868012472023-05-13T15:12:00.004-03:002023-10-20T15:48:47.946-03:00a segunda vida de missy<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8AAPPykHyPaRLPJy6tss0bTuP-BMMFzKVYl6xIpC99RBnXZxr9a0phFCN_0f7dorjbSV66xIHI6ThzDx7G4NHzKE1HAhknWI6uzW-gBjaug-khyGdaCw6EMDHvC5X0W1Vznn0pFdFwnggDie3x1DduBS84vJ7uLGUCCDsR-4m7uPYDe7JARy9btnfydk/s1154/Captura%20de%20Tela%202023-10-17%20a%CC%80s%2015.13.08.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1154" data-original-width="788" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8AAPPykHyPaRLPJy6tss0bTuP-BMMFzKVYl6xIpC99RBnXZxr9a0phFCN_0f7dorjbSV66xIHI6ThzDx7G4NHzKE1HAhknWI6uzW-gBjaug-khyGdaCw6EMDHvC5X0W1Vznn0pFdFwnggDie3x1DduBS84vJ7uLGUCCDsR-4m7uPYDe7JARy9btnfydk/w438-h640/Captura%20de%20Tela%202023-10-17%20a%CC%80s%2015.13.08.png" width="438" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #bf9000; font-size: x-large;"><i><br /></i></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #bf9000; font-size: x-large;"><i>"O que era esse medo, esse pavor de ficar só, quando eu nunca fora um ser particularmente sociável e, na verdade, costumava fazer o impossível para evitar compromissos?"</i></b></div><div><br /></div><div>Missy é uma figura de poucos amigos, mora sozinha e mantém sua rotina relativamente previsível. Tudo muda quando desmaia em praça pública durante uma apresentação de eletrocussão de peixes. Naquele momento, detestei a capa fofa que me levou a comprar o livro. Pesquisei sobre o assunto e descobri que esse <a href="https://www.epochtimes.com.br/centenas-de-peixes-sao-eletrocutados-para-controlar-invasao-em-lago-dos-eua-video_135078.html">método de pesca</a> é corriqueiro, sobretudo para transportar peixes vivos. Em "<i>A segunda vida de Missy</i>", romance da britânica Beth Morrey, a técnica foi empregada para mover os peixes de lago a lago. Para facilitar o transporte, era necessário atordoá-los, algo que ocorre quando são eletrocutados. Em determinado momento, uma personagem faz um trocadilho dizendo que todos os peixes morreram de choque, mas se refere à mudança de ambiente, e não ao elétrico.<br /><br />Embora não seja o foco da história, a abordagem da autora é intrigante. Sem apelar ao ativismo, ela nos faz refletir sobre nossas ações frente a outras espécies. Por que, por exemplo, nos achamos no direito de transportar peixes vivos de local a local?<br /><br /></div><div><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #e69138;">"— Ouvi um boato de que todos os peixes morreram. O choque foi demais para eles. — O choque elétrico? — Não, o choque de estarem em um lago diferente."</span></i></div><br />No enredo, porém, outro animal ocupa posição central: Bob, vira-lata que influencia profundamente a vida de Missy. Com a ausência da filha, filho e neto, seus dias são tomados pelo tédio. Inesperadamente, ela desenvolve temor da solidão, apesar de sempre ter sido avessa ao convívio social. Daí ela se afeiçoa a um garotinho que vê no parque que frequenta. Buscando reencontrá-lo, vai ao tal evento dos peixes, mas passa mal. Esse episódio faz com que conheça novas pessoas, que trazem mais sentido e emoção à sua vida, a segunda vida do título do livro. Nesse processo, ela entende o valor da amizade e percebe o quanto necessita de apoio. E é exatamente quando surge Bob, cadela que precisa de lar temporário enquanto sua tutora reorganiza a vida após se desvencilhar do marido violento. A princípio, Missy resiste à ideia, mas o amor supera os desafios.<br /><br />Ao longo da narrativa, segredos do passado de Missy são revelados, explicando sua postura inflexível. Isso abrange sua vida de abdicações pelo marido, acadêmico renomado, conflitos com a filha e até um aborto. Acompanhamos ainda seu dilema em relação ao Brexit, a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia.<br /><br />Contudo, seu amor por Bob se intensifica. Mas, um desfecho doloroso nos aguarda: Bob morre no final. Estou compartilhando isso pois ninguém me alertou. O encerramento do livro é tocante, mas a maneira como Bob é "substituída" mostra como muitos humanos, infelizmente, enxergam os animais.<br /><br /><br /><b>Trechos</b><br /><br /><br />"— Eles vão eletrocutar os peixes! Quer ver? O pessoal responsável por cuidar do parque precisava transpor os peixes de um lago para outro, o que exigia que eles fossem atordoados. Pesca elétrica. Eu nunca tinha visto nem ouvido falar de um troço desses, nem parecia ser algo particularmente interessante, mas, talvez, se eu pudesse rever o “Oat”, o aperto na garganta que eu vinha sentindo desde que Ali e Arthur haviam entrado no avião pudesse diminuir um pouco. Seria algo para fazer, afinal..."<br /><br />"A cerca de um metro da proa havia uma engenhoca circular, com umas barrinhas que mergulhavam dentro d’água, como um conjunto gigantesco de sinos de vento. A meu lado, um sujeito explicava o processo à mulher do seu outro lado. O aparelho funcionava em combinação com um condutor colocado no casco, o que criava um campo elétrico por onde o barco ia passando, enquanto uma alavanca de bordo controlava a corrente. Os homens deslizaram pelo lago em grandes círculos, um conduzindo a embarcação e operando a alavanca elétrica; o outro, ajoelhado, segurando uma rede. Por um tempo, nada aconteceu, mas então uma boia cinzenta e luzidia surgiu alegre na superfície — o primeiro peixe atordoado. — Ooooh — disseram os espectadores, batendo palmas educadamente. Depois disso, os peixes começaram a emergir por toda parte, reluzentes e apáticos, aguardando serem pescados. Toda vez que o segundo homem recolhia um deles, a massa de espectadores dava vivas e brindava com seus copos plásticos de vinho com canela. À medida que o espetáculo se estendia, mais inquietante ele se tornava. O “plop” constante com que os peixes subiam à tona, vibrando, o lento sibilar da rede, “chich”, o baque surdo subsequente, quando eles caíam no recipiente. Plop, chich, tum. Plop, chich, tum. Depois... plaft. O aturdimento só durava o suficiente para os peixes serem colocados no barco. Aquelas enormes carpas de aparência pré-histórica, cobertas de lama do lago, eram içadas a bordo e, de imediato, começavam a estrebuchar e se debater. Plop, chich, tum. Plaft, plaft, plaft. Num minuto você está ali, deslizando, sem a menor preocupação, e no seguinte vem uma cutucada gigante e lhe dá um tremendo choque, e então tudo fica diferente e você perde o fôlego de susto. E não há vitória na sobrevivência, porque depois a única coisa que você faz é ficar nadando em círculos sem parar num novo lago, fazendo movimentos inúteis com a boca. Eu ia preferir que acabassem com meu sofrimento. Do pó ao pó. A falta de ar voltando. Plop, chich, tum. Eu poderia desviar o olhar e aquilo acabaria. Não pense, não pense. Plaft, plaft, plaft. Agarrei a grade, tentando ignorar os galhos que pairavam no alto, mas minha pele foi formigando, ardendo, e eu me senti cair em meio a mãos que se estendiam e a gritos distantes, enquanto a escuridão tomava conta..."<br /><br />"Arrumei a casa e me lembrei de quando tínhamos filhos pequenos e era impossível manter qualquer coisa no lugar. Agora, tudo era imaculado e permanecia assim."<br /><br />"— De que diabos você está falando? Eu não quero um cachorro. — Olhei para Bob, ainda sentada junto à lareira. Era uma vira-lata, com a cor parecida com a de um pastor-alemão, só que menor, como um collie. Não era feia, em matéria de cachorros, mas eu nunca gostara muito deles. Muito obtusos e carentes."<br /><br />"Dizem que as pessoas se parecem com seus cães, e eu imaginava que, se um dia tivesse um cachorro, ele seria uma espécie de cão de caça — alto, cinzento e arredio. E não essa coisa espevitada e saltitante, com suas cores outonais e olhadelas de esguelha."<br /><br />"E assim, ali estávamos nós, a velhota chata, a mãe solteira, o super-herói e a vira-lata adotada, a caminho do casamento de minha filha com sua namorada. Acho que formávamos um grupo curioso."</div><div><br /></div><div>"A magia não impede que o pior aconteça. O pior sempre acontece, todo dia. E a vida segue em frente. E a gente apenas se mantém firme e torce para poder guardar qualquer migalha e dentinho que sobrar."<span id="docs-internal-guid-055c29c8-7fff-7744-19bd-ee54dbad5d55"><div><span style="background-color: white; color: #0f1111; font-family: Arial, sans-serif; font-size: 10.5pt; font-variant-alternates: normal; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-variant-position: normal; vertical-align: baseline; white-space-collapse: preserve;"><br /></span></div></span></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-45633653233083292242023-05-07T16:30:00.048-03:002023-10-20T15:48:58.676-03:00o dia em que selma sonhou com um ocapi<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirPP9hcrBU6E-NY1iTLSuAX9oCVAPhyZZ-LBng_0hZMmC_fOdbotM8aeYFzPJhQGzVmDKeWXxtUdCsK3_rPub7kciNLABSsIHxjNgeZYU_m_b9rp5NR5u2_cTR1a6R11-cJYTYszQky4VFZTM2D9S86RXUTaB0bmPLPI3VyhfgnHGXyKG7HxBZkmu419A/s1500/odiaemqueselmasonhoucomumocapi.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="971" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirPP9hcrBU6E-NY1iTLSuAX9oCVAPhyZZ-LBng_0hZMmC_fOdbotM8aeYFzPJhQGzVmDKeWXxtUdCsK3_rPub7kciNLABSsIHxjNgeZYU_m_b9rp5NR5u2_cTR1a6R11-cJYTYszQky4VFZTM2D9S86RXUTaB0bmPLPI3VyhfgnHGXyKG7HxBZkmu419A/w414-h640/odiaemqueselmasonhoucomumocapi.jpg" width="414" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #741b47; font-size: x-large;"><i><br /></i></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #741b47; font-size: x-large;"><i>"Nenhuma pessoa está sozinha enquanto puder dizer nós."</i></b></div><br /><br />Já viu um ocapi? Se não, dê um Google. Esse animal, quase mítico devido às suas características físicas (mistura de girafa e cavalo, pernas listradas como as de uma zebra) é o fio condutor do romance da alemã Mariana Leki.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #741b47;">"O ocapi é um animal bizarro, muito mais bizarro do que a morte, e parece totalmente incongruente com suas pernas de zebra, ancas de tapir, torso vermelho-ferrugem de girafa, olhos de cervo e orelhas de rato. Um ocapi é implausível ao extremo, tanto na realidade quanto nos sonhos nefastos de uma mulher das montanhas Westerwald."</i></div><br />A história se passa em uma pequena vila da Alemanha, cercada por floresta, e é contada por Luise, que vai crescendo conforme a narrativa avança. Sua avó, Selma, é presença central na comunidade e todos temem seus sonhos com o ocapi. Quando isso acontece é sinal de que alguém, em breve, vai morrer. E é aquele desespero. Todos se apressam para dar conta dos últimos arranjos desta vida. Há de tudo. Quem começa a se despedir. Quem fica feliz porque entende que já passou da hora de ir para outro plano. Há os que nem saem de casa. Apesar da temática, o romance é divertido, com humor que me fez lembrar "<i>As Intermitências da Morte</i>", de José Saramago. Lá, a morte faz uma espécie de greve, deixando as pessoas sobressaltadas com o prolongamento inesperado da vida, o que indica que a infinitude pode ser um fardo. Movimento contrário ao que foi feito no romance de Leki, no qual as pessoas tendem a prolongar as situações. <br /><br />Os personagens são bem peculiares. Além das protagonistas, há o pai de Luise, médico que está tratando sua "dor encapsulada"; a mãe, que está sempre se esquivando e com pressa de sair dos ambientes familiares. Temos ainda o bondoso oculista, secretamente apaixonado por Selma, mas que há décadas adia a declaração, deixando todos na expectativa de quando isso irá acontecer. <i><span style="color: #741b47;">"Todo mundo na cidade sabia que o oculista amava Selma, mas o oculista não sabia que todos sabiam."</span></i> Tem o Martin, o melhor amigo de Luise, criança vivaz que está sempre levantando alguma coisa ou alguém, como que testando sua força. Há ainda a irmã de Selma, o pai de Martin, Marlies, que parece nunca envelhecer e que foge de encontros, o dono de mercadinho e Frederik, monge budista que surge mais para o fim. Juntos, formam um grupo bem unido. Contudo, o estado de inércia ou hesitação prevalece por lá, como se as pessoas estivessem esperando por algo que as liberte ou as force a agir. E geralmente isso vem de forma dolorosa. Os animais também estão presentes: o cachorro Alasca, que surge por meio do pai de Luise. Segundo ele, o cão irá ajudá-lo a mostrar sua dor. Enorme, ele ganha seu espaço cativo na trama. Há o ocapi dos sonhos e um cervo, que sempre que surge é imediatamente espantado por Selma, a fim de protegê-lo dos caçadores.<br /><br />Mas, retornando ao sonho fatídico de Selma, a morte, infelizmente, chega de forma trágica e impactante, afetando profundamente toda a vila e, em particular, Luise. Este evento, ainda na sua infância, literalmente, a paralisa e deixa marcas em sua vida adulta. Essa é uma passagem bem triste da história, porém, o apoio que Selma dá para a neta é uma das entregas mais lindas que você irá ler. Mais tarde, Luise se apaixona pelo monge budista, lançando ambos em um dilema amoroso e existencial. <br /><br />Com toques de realismo fantástico, o livro parece ter sido feito sob medida para uma adaptação cinematográfica no estilo de "<i>Amélie</i>" ou "<i>A Fantástica Fábrica de Chocolate</i>", na versão de Tim Burton, com as mesmas nuances de cores e vivacidade dos personagens. <br /><br /><br /><b><span style="color: #741b47;">Os animais de Selma</span></b><br /><br />A história, intencionalmente ou não, é repleta de simbolismos, como o peso que Martin insiste em levantar, a dor encapsulada do pai de Luise, a casa de Selma que pode despencar a qualquer momento, a mania de limpeza de Frederik, dentre outros. Vou me atentar, porém, aos animais presentes no enredo. <br /><br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #741b47;"><i>"Daí, no fim do sonho, Selma ergueu a cabeça, o ocapi virou a sua na direção de Selma, e eles se encararam. O olhar do ocapi era muito suave, muito escuro, muito úmido e muito grande. Parecia amistoso e como se quisesse lhe formular uma pergunta, como se lamentasse que ocapis não pudessem fazer perguntas também nos sonhos. A imagem ficou congelada durante muito tempo: a imagem de Selma e do ocapi, olhando-se nos olhos um do outro. Em seguida, a imagem se dissipou, Selma acordou e ele, o sonho, acabou – e logo a vida de alguém próximo se acabaria também."</i></span></div><br />A presença de animais em obras literárias carrega peso simbólico e teórico significativo que se enquadra dentro do campo da zooliteratura. Essa disciplina examina como os animais são representados e significados em textos literários. A aparição do ocapi, do cervo e do cachorro Alasca, o único que ganhou um nome, atua como um convite à reflexão sobre temas de alteridade, vulnerabilidade e coexistência interespécies.<br /><br />O ocapi age como um símbolo do estranho e do inexplorado, quase uma entidade onírica que transcende as realidades cotidianas. O cervo representa vulnerabilidade, proximidade e familiaridade, estando literalmente no quintal dos personagens. Por fim, o cachorro Alasca se manifesta em uma escala pessoal e íntima, representando emoções humanas como a dor. Cada animal oferece uma lente através da qual são exploradas diferentes formas de vulnerabilidade e alteridade, em escalas que vão do mítico ao pessoal.<br /><br />Neste contexto, a obra "<i>O animal que logo sou</i>" de Jacques Derrida nos ajuda a questionar as tradicionais fronteiras e hierarquias entre humanos e animais. Ele critica a visão antropocêntrica que prevalece na interpretação de textos literários e culturais, argumentando que deveríamos considerar a agência e complexidade do "outro" animal.<br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #741b47; font-style: italic;"><br /></span></div><i><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #741b47;">"Como todo olhar sem fundo, como os olhos do outro, esse olhar dito 'animal' me dá a ver o limite abissal do humano: o inumano ou o a-humano, os fins do homem, ou seja, a passagem das fronteiras a partir da qual o homem ousa se anunciar a si mesmo, chamando-se assim pelo nome que ele acredita se dar." (Derrida)</span></i></div></i><br />Essas questões ressoam na pesquisa "<i>Literatura e Animalidade</i>" de Maria Esther Maciel. Ela sugere que os animais na literatura têm sua própria forma de "ser no mundo." Eles não são meras representações, mas entidades complexas que pressionam os personagens e leitores a reconsiderar suas posições e hierarquias preconcebidas no mundo.<br /><br />A visão de Maciel complementa a de Derrida ao colocar em questão as hierarquias e dicotomias que normalmente estabelecemos entre humanos e animais. Ambas as obras contribuem para entender que a autora do romance está engajada em um pensamento que respeita a complexidade e a agência dos animais, em linha com a zooliteratura e a zoopoética. Este engajamento desafia nossas compreensões tradicionais e sugere uma ética mais inclusiva e relacional, que reconhece a inextricável interconexão entre todas as formas de vida em uma teia complexa de relações.<br /><br />Ao considerar a presença dos animais no romance à luz das obras de Derrida e Maciel, fica evidente que os animais não são meros coadjuvantes ou símbolos, mas figuras importantes que desafiam nossas concepções habituais e abrem espaço para uma ética mais inclusiva e complexa.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #741b47;">"O cachorro surgiu no aniversário de Selma do ano anterior. Papai tinha dado um livro de fotografias do Alasca de presente para Selma, acrescentando com uma piscadela: — Mais tarde vem mais uma surpresa. Selma nunca tinha estado no Alasca e nem queria ir. — Obrigada — disse ela, juntando aquele aos outros livros de fotografias na estante da sala. Todos os anos, papai a presenteava com um livro de fotografias, por causa do mundo, para o qual ela – como ele achava – tinha urgentemente de se abrir."</span></i></div><br /><b>Trechos</b><br /><br />"Quando Selma disse que tinha sonhado com um ocapi durante a noite, estávamos certos de que um de nós haveria de morrer, provavelmente nas vinte e quatro horas seguintes. Bem, estávamos quase certos. Foram vinte e nove horas. A morte chegou com um pequeno atraso e de maneira literal: ela entrou pela porta. Talvez tenha se atrasado porque hesitou demais, para além do último instante."<br /><br />"Era possível notar que as pessoas na cidade estavam inquietas, mesmo quando grande parte tentava não deixar transparecer nada. Pela manhã, poucas horas depois do sonho de Selma, as pessoas se movimentavam na cidade como se gelo escorregadio cobrisse todos os caminhos, não apenas fora, mas também dentro das casas, em suas cozinhas e salas. Elas se movimentavam como se seus corpos lhes fossem estranhos, como se todos os seus membros estivessem inflamados, e também como se os objetos com os quais lidavam fossem altamente inflamáveis. Passaram o dia inteiro desconfiando da própria vida e, na medida do possível, também da de todos os outros. Olhavam o tempo todo para trás, a fim de checar se alguém apareceria num salto, cheio de vontade de matar, alguém que tivesse perdido a razão e, portanto, sem mais nada a perder. Depois, rapidamente olhavam de novo para a frente, porque, afinal, alguém sem razão também poderia atacar frontalmente. Olhavam para cima, para evitar telhas, galhos ou lustres pesados caindo. Evitavam todos os animais, imaginando que eles pudessem trazer a morte mais facilmente do que as pessoas. Desviavam das vacas bonachonas, que naquele dia possivelmente iriam escapar, evitavam os cachorros, até os bem velhos, que mal conseguiam ficar em pé, mas que ainda assim poderiam abocanhar seus pescoços. Em dias como aquele tudo era possível, até mesmo um salsichinha ancião esgoelar alguém, algo que, na realidade, não era tão mais esquisito do que um ocapi."<br /><br />"O cachorro estava cansado. Era cansativo reencontrar uma porção de velhos amigos, há muito perdidos, que nunca tinham sido vistos antes. O cervo apareceu bem na extremidade da campina, nos limites da floresta. Assim que surgiu, Selma se levantou, foi até a garagem, abriu a porta e fechou-a de novo, com muita força. Era terça-feira e, às terças, durante a temporada de caça, Palm, pai de Martin, saía para caçar, e foi por isso que Selma assustou o cervo deliberadamente, para que sumisse em meio à floresta e ficasse a salvo das balas de Palm. Como era previsto, o cervo se assustou e sumiu. O cachorro também se assustou, mas não sumiu."<br /><br />"O cachorro ergueu a cabeça e olhou para mim. Os olhos eram muito suaves, muito pretos, muito úmidos e muito grandes. De repente, soube que o cachorro nos tinha feito falta."<br /><br />"Vivíamos numa região lindíssima, numa região maravilhosa, paradisíaca – como estava escrito nos cartões-postais em letra cursiva toda rebuscada que o dono do mercadinho dispunha no balcão. Mas quase ninguém na cidade prestava atenção nisso, nós passávamos por cima da beleza, pulávamos por cima dela, deixávamos de lado, dos dois lados, mas seríamos os primeiros a reclamar, em voz alta, caso as belezas que nos circundavam algum dia desaparecessem."<br /><br />"Estavam aliviadas e se prometeram, dali em diante, se alegrar com tudo e serem gratas porque ainda estavam vivas. Elas prometeram, por exemplo, finalmente se regozijar de verdade pelo jogo de luzes que o sol da manhã proporcionava ao bater nos galhos das macieiras. As pessoas da cidade já tinham prometido isso muitas outras vezes, por exemplo, quando não eram atingidas por uma telha caindo ou quando um diagnóstico ruim era descartado. Mas, depois de um breve período de gratidão e felicidade, sempre havia o rompimento de um cano ou uma despesa extra inesperada, e daí a gratidão e a felicidade rapidamente se diluíam, as pessoas não ficavam mais gratas por estarem vivas, ficavam apenas irritadas que também existisse, além delas, um cano rompido ou uma despesa extra, e a luz do sol na macieira acabava posta de escanteio."<br />Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-79337310810580087852023-04-15T19:01:00.003-03:002023-10-15T19:25:06.349-03:00por favor, cuidem da mamãe<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQYoMKypLm6cfrZh5T7M3YFieGiTtCRTrYDiuFwYYdWTV9NpvmsFF0f_Eb411ULqEksdwwHOof50Puw8M2Ii8UvJHepUMWSogXVWClcUHBv595faqeDI7EcJ3qp9pmjqTVK_qImunGZzQusvNLZSxw-ph2B034ZdTf15KH46W9rGPAXaUJ5esd97QVjco/s1000/porfavorcuidemdamamae.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="668" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjQYoMKypLm6cfrZh5T7M3YFieGiTtCRTrYDiuFwYYdWTV9NpvmsFF0f_Eb411ULqEksdwwHOof50Puw8M2Ii8UvJHepUMWSogXVWClcUHBv595faqeDI7EcJ3qp9pmjqTVK_qImunGZzQusvNLZSxw-ph2B034ZdTf15KH46W9rGPAXaUJ5esd97QVjco/w428-h640/porfavorcuidemdamamae.jpg" width="428" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b style="color: #ffa400; font-size: x-large;"><i><br /></i></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #ffa400; font-size: x-large;"><i>"Há momentos em que a pessoa só pensa no assunto depois que algo acontece, sobretudo depois que algo ruim acontece."</i></b></div><br /><br />Concluí a leitura de "<i>Por favor, cuidem da mamãe</i>", da autora coreana Kyung-Sook Shin, e me senti profundamente tocada. Pensei na minha mãe, no meu pai (que já não está mais aqui), nos meus irmãos, na minha filha e em todas as pessoas queridas às quais, frequentemente, não dedicamos a atenção merecida, ocupados com coisas que, no fim, pouco importam.<br /><br />A narrativa se desenrola através de múltiplas perspectivas, quase como se nós, os leitores, estivéssemos dialogando com nossas próprias consciências. Os personagens centrais são Chi-hon, uma escritora emergente; seu irmão mais velho, Hyong-chol; e seus pais. Dois outros irmãos também fazem aparições, mas de forma mais secundária na trama.<br /><br />A figura materna, conhecida como "Mamãe", desaparece. Ela se perde na agitada estação de trem em Seul enquanto estava a caminho de visitar o filho mais velho. O pai não percebe que ela não está atrás dele ao entrar no vagão e só se dá conta da ausência da esposa quando já é tarde demais.<br /><br />De modo semelhante, os outros personagens também percebem tardiamente o que poderiam ter dito a Mamãe, o que poderiam ter feito por ela e o que poderiam ter ouvido dela.<br /><br /><div style="text-align: right;"><span style="color: #ffa400;"><i><b>"Quando tinha sido a última vez que você conversara com Mamãe sobre algo que lhe acontecera?"</b></i></span></div><div style="text-align: right;"><br /></div>Cartazes e anúncios são criados com suas informações. A primeira dúvida diz respeito ao ano em que nasceu: seria 1938 ou 1936? Curiosamente, ela nasceu no mesmo dia que eu, 24 de julho. O pai explica que, como muitas crianças morriam antes de completar três anos, era comum esperar um tempo antes de registrá-las. Por isso, a confusão das datas. Mas, naquele momento, isso é irrelevante, apenas um detalhe diante da angústia predominante: Mamãe sumiu.<br /><br />Meses se passam e não há sinal dela. A vida, de certa forma, continua, mas o vazio e a culpa pelo tempo perdido se acentuam.<br /><br />Os personagens, alternadamente, recordam conversas e pedidos de Mamãe que foram ignorados ou esquecidos. Chi-hon, por exemplo, lembra que sua mãe gostava de ouvir sobre suas viagens, mas nunca encontrava tempo para compartilhar essas experiências. Reconhece, com pesar, que sempre via sua mãe apenas como "Mamãe", sem nunca questionar os sonhos e desejos que ela pode ter sacrificado para assumir esse papel. E agora, em sua ausência, todos refletem e se arrependem.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><b><span style="color: #ffa400;">"Para você, Mamãe era sempre Mamãe. Jamais lhe ocorrera que ela tivesse um dia dado seus primeiros passos ou que uma vez tivesse tido 3, 12 ou 20 anos de idade. Mamãe era Mamãe. Já tinha nascido Mamãe."</span></b></i></div><i><span style="color: #ffa400;"><div style="text-align: right;"><span style="font-weight: 700;"><br /></span></div><b><div style="text-align: right;"><i><b>"…como poderíamos ter pensado em Mamãe como Mamãe a vida inteira? Embora eu seja mãe, tenho muitos sonhos que são só meus e lembro-me de coisas da minha infância, de quando eu ainda era menina, depois uma mulher jovem, e não me esqueci de nada. Então por que pensamos em Mamãe como uma mãe desde o início? Mamãe não teve a oportunidade de perseguir seus sonhos e, inteiramente sozinha, enfrentou tudo o que a época lhe infligiu, pobreza e tristeza, sem nada poder fazer com relação a não ter tido sorte na vida, a não ser sofrer, superar os problemas e viver sua vida da melhor maneira que conseguisse, entregando-se de corpo e alma. Por que nunca levei em conta os sonhos de Mamãe?"</b></i></div></b></span></i><br />Inclusive o pai, que, embora gentil com todos ao redor, era duro com Mamãe. Frequentemente a menosprezava, apesar dos incessantes esforços dela para tornar sua vida mais confortável. Mesmo quando ele saiu de casa para viver com outra mulher, Mamãe mantinha uma sopa quente à espera dele na mesa. Ele se lembra, com muito arrependimento, de ver a esposa curvada de dor e de não fazer nada por ela. Mamãe estava bastante doente e já não seguia os rituais que tanto valorizava. Confundia-se com as frases e pensamentos.<br /><br /><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #ffa400;"><b>"O hábito pode ser algo assustador. Você falava educadamente com outras pessoas, mas suas palavras se tornavam ásperas quando dirigidas a sua esposa. Às vezes até a xingava. Agia como se tivesse sido decretado que não podia tratá-la com delicadeza. Era o que você fazia."</b></span></i></div><i><b><div style="text-align: right;"><span style="color: #ffa400;"><br /></span></div><span style="color: #ffa400;"><div style="text-align: right;"><i><span style="color: #ffa400;">"Quando você adoecia, sua esposa colocava a mão na sua testa, massageava sua barriga, ia à farmácia comprar remédio e preparava seu mingau de feijão-da-china, mas quando ela não se sentia bem, você apenas a mandava tomar algum remédio."</span></i></div></span></b></i><br />Em uma das últimas conversas, a filha lembra-se de Mamãe pedindo que lhe trouxesse contas de rosário rosa se algum dia fosse ao menor país do mundo. No fim, talvez essa seja a única coisa que poderá fazer por ela, mesmo que seja tarde demais.<br /><br /><div style="text-align: right;"><b><i><span style="color: #ffa400;">"Passei a vida sem falar com sua mãe. Ou perdi a chance, ou deduzi que ela saberia. Agora sinto que eu poderia dizer qualquer coisa e todas as coisas, mas não há ninguém para me escutar. Chi-hon? — Sim? — Por favor… por favor, cuide de sua mãe."</span></i></b></div><br /><br /><b>Trechos</b><br /><br />"O livro que você escolheu enquanto Mamãe esperava do lado de fora da livraria foi Humano, demasiado humano. Mamãe, prestes a pagar pela primeira vez na vida por um livro que não era um livro didático, olhou com atenção o que você escolheu. — É um livro de que você precisa? Você logo fez um gesto afirmativo com a cabeça, preocupada que ela pudesse mudar de ideia. Na verdade, você não sabia que livro era aquele. Dizia na capa que tinha sido escrito por Nietzsche, mas você não sabia quem ele era. Escolhera aquele apenas porque gostara de como o título soava."<br /><br />"Como é possível alguém fazer só o que gosta? Há coisas que a gente precisa fazer quer goste, quer não. — Sua mãe olhava para você com uma expressão que dizia: “Que tipo de pergunta é essa?” E resmungou: — Se fizer apenas o que gosta, quem vai fazer o que você não gosta?"<br /><br />"Você foi meu primeiro filho. Essa não é a única coisa que você me forçou a fazer pela primeira vez. Tudo o que você faz abre um novo mundo para mim. Você me forçou a fazer tudo pela primeira vez."<br />Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-74855830456272714442023-04-09T22:49:00.033-03:002023-10-20T15:49:14.006-03:00o diabo e outras histórias<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0WwLhGzNZR5n6l_k7KNpCnJ7yPpv94GGE3Ht1m7hZkUIntDYsYN9NEOlkuRkyGfJEOafVwHOttgrabKmH-5ZsRWrCRvhlT5eM0DlcGD1Jnk7cUSxQ8pQvaCCAVqbmQLV3B_Q292eHX1acxZJknx6SFfrd2UCNaSxVGfaGHh4YSPppzxirNxFFLXT114o/s1200/odiaboeoutrashistorias.webp" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1200" data-original-width="835" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0WwLhGzNZR5n6l_k7KNpCnJ7yPpv94GGE3Ht1m7hZkUIntDYsYN9NEOlkuRkyGfJEOafVwHOttgrabKmH-5ZsRWrCRvhlT5eM0DlcGD1Jnk7cUSxQ8pQvaCCAVqbmQLV3B_Q292eHX1acxZJknx6SFfrd2UCNaSxVGfaGHh4YSPppzxirNxFFLXT114o/w445-h640/odiaboeoutrashistorias.webp" width="445" /></a></div><br /><div><br /></div><div style="text-align: right;"><b><span style="color: #cc0000; font-size: large;"><i>"As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de 'minhas' o maior número de coisas."</i></span></b></div><div><br /></div><div><br /></div><div>Os contos desta coletânea dialogam com a sociedade em que Lev Nikolaevitch Tolstoi viveu e trazem duras críticas do escritor à religião, às diferenças de classe e, especialmente, à hipocrisia humana. Assim como outros escritores russos, como Dostoievski (especialmente em Crime e Castigo), Tolstoi apresenta narrativas sobre críticas sociais e conflitos internos de forma realista, levando o leitor a refletir sobre suas próprias questões.</div><br /><br /><b><span style="color: #cc0000; font-size: medium;">Três mortes</span></b><br /><br />Narra, como o título já diz, três mortes: de uma mulher rica, um cocheiro e uma árvore. Não há relação direta entre eles e o intuito é mostrar o fim que, inevitavelmente, atinge todos os seres. O que muda é a forma com que as pessoas lidam com a finitude, a depender de quem estamos falando. A rica senhora é rodeada por pompas que reforçam sua posição social durante a viagem que insiste em fazer, mesmo estando bastante doente. Ao mesmo tempo, a hipocrisia reina absoluta enquanto tenta prolongar sua vida. Não há lamentações legítimas sobre seu estado, nem mesmo de sua família. Já a morte do cocheiro é mais natural, os amigos se solidarizam e o sobrinho fica com a única herança, suas botas. A pobre árvore morreu pelas mãos desse mesmo sobrinho, que dela fez a cruz para a sepultura do tio. De certo modo, é a única que se eterniza na lembrança de todos.<br /><br /><b><u>NAS PALAVRAS DE TOLSTÓI</u></b>: <i>"Minha ideia foi a seguinte: morrem três seres - uma senhora nobre, um mujique e uma árvore. A senhora é desprezível e torpe porque passou a vida inteira mentindo e mente diante da morte. O cristianismo, na compreensão dela, não lhe resolve a questão da vida e da morte. Por que morrer quando se quer viver? Nos bens que o cristianismo promete para o futuro dela acredita com imaginação e inteligência, mas todo o seu ser se rebela e ela não tem outro consolo, exceto um falso cristianismo… Ela é torpe e desprezível. O mujique morre tranquilo, justamente porque não é cristão. Sua religião é outra, embora por tradição ele tenha praticado rituais cristãos; sua religião é a natureza com a qual viveu. Ele mesmo derrubou árvores, semeou e ceifou o centeio, matou carneiros, e em seus domínios carneiros nasceram, crianças nasceram, os velhos morreram, ele conhece solidamente essa lei e nunca lhe deu as costas, como o faz o fidalgo, mas a enara de maneira direta… A árvore morre de forma tranquila, honesta e bela. Bela porque não mente, não se dilacera, não tem medo, não se queixa."</i><br /><br /><br /><b><span style="color: #cc0000; font-size: medium;">Kholstómer</span></b><br /><br />O mesmo fim parece ter Kholstómer, cavalo que dá título a outro conto. Aliás, o que me levou a esta coletânea e, portanto, no qual vou me deter mais. Malhado, ele é diferente dos companheiros tidos como mais fortes, ou melhor, de `raça`. Ele é visto como o vira-lata da turma. Já idoso e debilitado, é motivo de chacota dos mais jovens que vivem com ele no estábulo. Um dia, porém, resolve contar sua história e todos ficam boquiabertos ao ver que vem de uma família "puro sangue". Mas por ter passado por vários percalços na vida, que incluem chicotadas, abandono, troca de `donos`, não vê sentido na vida. Há uma frase que resume bem seu estado de espírito: "Bem, deixa pra lá, para mim não é novidade sofrer pelo prazer dos outros."<br /><br />O texto, escrito entre 1860 e 1863, é narrado pelo próprio cavalo, o que me lembrou muito `<i><a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2015/06/minuano.html">Minuano</a></i>`, lançado mais de um século depois, do escritor gaúcho Tabajara Ruas. Enquanto o brasileiro aborda a revolução da Farroupilha e o sentimento libertário também a partir de um cavalo que sofria preconceito (há inspiração aqui?), o russo fala sobre a necessidade de posse do ser humano. E o quanto isso se reflete na forma com que somos vistos, respeitados ou mesmo ignorados, quando nada temos para chamar de “meu”. Fala alto, ainda, a opressão exercida por aqueles considerados mais fortes.<br /><br />Mas a leitura me leva, sobretudo, ao antropocentrismo e à forma com que os animais são tratados. Comprados, trocados, explorados e descartados quando não fazem parte mais dos interesses dos humanos. <br /><br />Especificamente sobre a relação entre humanos e cavalos, podemos dizer que ela remonta a milhares de anos. Sua domesticação data de 4000 a.C., e desde então os equinos têm sido explorados de diversas formas ao longo dos tempos, como transporte, atividades militares, esporte. Passado tanto tempo, ainda são vistos como ferramentas ou recursos para atender às necessidades humanas. Em 1822, na Inglaterra, o Coronel Richard Martin propôs a lei Martin, conhecida como "<i>Martin's Act"</i>, uma das primeiras iniciativas voltadas à defesa dos animais. Essa lei foi aprovada pelo parlamento inglês em junho daquele ano e estabeleceu a ilegalidade do tratamento cruel para o gado e animais de carga, estipulando penalidades para os infratores.<br /><br />Movimentos em prol dos animais cresceram, contudo, a exploração ainda existe. Dificilmente, encontramos cavalos soltos na natureza. Ao contrário, são sempre vistos puxando carroças, inclusive em grandes centros urbanos, amarrados sob o sol, usados como entretenimento, seja em haras particulares ou competições esportistas e, ainda, para terapias humanas, a ecoterapia.<br /><br />Tolstoi nos insere no ponto de vista do cavalo que aguarda, pacientemente, pelo seu fim. E sabe exatamente quando ele chega em uma das passagens mais tristes desse conto: <i>"A manhã estava tranquila, clara. A manada foi para o campo. Kholstómer ficou. Chegou um homem terrível, magro, escuro, sujo, de cafetã salpicado de alguma coisa escura. Era o esfolador. Ele pegou as rédeas e o cabresto sem olhar para o cavalo, meteu-os nele e o levou. Kholstómer foi calmamente, sem olhar para trás, como sempre arrastando as pernas e prendendo as traseiras na palha."</i><div><br /></div><div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvIlEPCLY4-Rf0qpMPLUgZi8YuHW5dUAmRPmeGuAjuAhhLrh4n2SPdBQyPKd_2ekIUaTPSjXJ-KShM_e9LTXlEUWrSeyCSYUUu3P3v2E0RSuSx9d3IgVEnllgL1cz2OazE91rFsqc1P8BkhrvhSvsB5o4McKR5PbQbK-8tvJYCtpU6pOemTC2yVWaBRCU/s1100/kholstomer.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="776" data-original-width="1100" height="453" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvIlEPCLY4-Rf0qpMPLUgZi8YuHW5dUAmRPmeGuAjuAhhLrh4n2SPdBQyPKd_2ekIUaTPSjXJ-KShM_e9LTXlEUWrSeyCSYUUu3P3v2E0RSuSx9d3IgVEnllgL1cz2OazE91rFsqc1P8BkhrvhSvsB5o4McKR5PbQbK-8tvJYCtpU6pOemTC2yVWaBRCU/w640-h453/kholstomer.jpeg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption"><span style="font-size: x-small;"><br />‘<a href="http://www.tg-m.ru/catalog/en/picture/20941">Kholstomer Is Taken from the Herd</a>’, de Plastov Arkady (1953-1954)<br /></span><br /></td></tr></tbody></table>E este foi o fim de uma vida dedicada a servir o ser humano. Ao longo de sua trajetória, Kholstómer foi o cavalo de muitas pessoas, dentre elas um nobre russo. Marcou muito a viagem a galope de horas sem interrupção para que seu "dono" pudesse correr atrás da amada. "<i>Eu o levei até lá, mas passei a noite toda tremendo, nem comer consegui.</i>" Já na velhice, eles se reencontram. O homem, agora decadente e endividado, não reconhece aquele que o ajudou. Mas Kholstómer guarda muito bem as dores que lhe foram causadas. "<i>Fustigou-me com o chicote, senti a pontada e saí a galope batendo as patas no jogo dianteiro do coche</i>."<br /><br />Ambos morrem praticamente ao mesmo tempo. O ex-nobre é enterrado sem as pompas que outrora teria, sendo levado ao completo esquecimento. Já com o cavalo, a morte faz com que seu corpo seja totalmente reaproveitado. O que, apesar de se tentar mostrar que nada sobrou do nobre e tudo fica do cavalo, reforça o aspecto utilitarista dado aos animais. Este texto deveria ser lido por todos que pensam nos cavalos como diversão, como apoio emocional, como objeto. Ao encontro dessas histórias, lembro-me do <a href="https://recordtv.r7.com/balanco-geral-rj/videos/cavalo-queimadinho-morre-vitima-de-gastroenterite-no-rio-06022023">Queimadinho</a>, cavalo que foi incendiado por um adolescente em 2010 e que virou manchete na TV. Seu fim foi triste. Assim como tantas outras vidas que diariamente padecem por causa das nossas escolhas. <br /><br /><b>Trechos </b><br /><br />"Tinha a cernelha e o dorso salpicados das marcas de antigos espancamentos."<br /><br />"O capão malhado era o eterno mártir e palhaço das brincadeiras daquelas jovens felizes. Sofria mais com elas do que com as pessoas."<br /><br />"Por acaso o malhado tinha culpa de ser velho, magro e feio?... Parecia que não. Mas, ao modo dos cavalos, ele era culpado; só estavam certos os fortes, jovens e felizes, aqueles que tinham tudo pela frente, aqueles que vibravam cada músculo em um esforço inútil e eriçavam a cauda, rija feito estaca."<br /><br />"Eu meditava sobre a injustiça das pessoas que me condenavam por ser malhado, sobre a inconstância do amor materno e do amor feminino de um modo geral, sua dependência de condições físicas, e meditava principalmente sobre as qualidades daquela estranha espécie de animais, a quem estamos tão estreitamente ligados e que chamamos de gente, meditava sobre aquelas qualidades das quais decorria minha situação no haras, que eu intuía mas não conseguia compreender. O significado dessa peculiaridade e das qualidades humanas em que ela se fundava revelou-se para mim no incidente seguinte. <br /><br />"Era inverno, época das festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro. Fiquei sabendo depois que aquilo acontecera porque o cavalariço estava bêbado."<br /><br />"Os homens não orientam a vida deles por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizando-se de palavras que convencionam entre si. Dessas, as que mais consideram são 'meu' e 'minha', que aplicam a várias coisas, seres e objetos, inclusive à terra, às pessoas e aos cavalos. Convencionaram entre si que, para cada coisa, apenas um deles diria 'meu'. E aquele que diz 'meu' para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para que isso, não sei, mas é assim."<br /><br />"Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de 'meu cavalo' nunca me montavam; as que o faziam eram outras, completamente diferentes. Também eram bem outras as que me alimentavam. As que cuidavam de mim, mais uma vez, não eram as mesas que me chamavam 'meu cavalo', mas os cocheiros, os tratadores, estranhos de modo geral."<br /><br />"Existem pessoas que chamam a terra de 'minha', mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de 'meus' outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal."<br /><br /><br /><div><span style="color: #cc0000;"><span style="font-size: medium;"><b>O diabo</b></span><br /></span><br />Temos aqui uma história de sedução e obsessão sexual. Eugene Irtenev e seu irmão herdam terras endividadas após a morte do pai. Eugene aceita a herança e, morando com a mãe, dedica-se exclusivamente a trazer lucro para a propriedade. No entanto, acaba sentindo falta de um romance sem compromisso. Para tanto, acaba pedindo ajuda a um colega, que lhe apresenta Stepanida, camponesa casada. Ela costuma fazer esse tipo de programa em troca de dinheiro. O que ele não contava é que acabaria se apaixonando pela moça. Após um tempo, conhece outra mulher, Lisa, com que se casa. Por um tempo, esquece-se da camponesa. Até que sua esposa, sem saber de nada, a contrata como empregada. A partir daí sua angústia é nossa angústia. A narrativa é tensa. Eugene não se controla. Cada vislumbre da moça o deixa mais e mais atormentado de paixão, de culpa, de ciúme. Louco, pensa em matá-la, ou matar a esposa ou mesmo em se matar. Temos dois finais para esta história. <br /><br /><b>Trechos:</b><br /><br />"Costuma-se pensar que os velhos são mais conservadores e os jovens, inovadores. Isso não é verdadeiro. As pessoas mais conservadoras em geral são os jovens, que desejam viver, mas que não pensam nem têm tempo para pensar como se deve viver e por isso tomam como modelo a vida já conhecida."<br /><br />"Queria ouvir sobre o que lhe havia acontecido e aquela tagarelice o impedia."<br /><br /><span style="font-size: medium;"><b><br /><span style="color: #cc0000;">Falso cupom</span></b></span><span style="color: #cc0000;"><br /></span><br />Este é o texto mais longo dessa coletânea. A partir de uma mentira, acompanhamos o desenrolar de uma série de fatos envolvendo diferentes pessoas. Essa mentira será responsável por mortes, redenções, perdas. Tudo isso sem que o "mentiroso", vamos assim dizer, se desse conta da abrangência de seus atos.<br /><br />Foi assim: um garoto de classe média precisa pagar uma dívida que adquiriu com um colega. Mas seus pais se recusam a lhe dar o dinheiro. Como saída, outro colega sugere que ele falsifique um cupom, usado na Rússia antiga para comprar seja lá o que for. Ele vai até um estabelecimento comercial e consegue efetuar a troca. Os proprietários logo percebem que foram enganados e repassam o tal cupom para um mujique (camponês), que acaba preso ao usá-lo na taberna. A partir daí tudo vai se desenrolando de tal forma bem drástica e triste. Surras, assassinatos, roubos, tragédias por todos os lados. Tudo consequência do ato irresponsável do garoto, que nem se dá conta do que fez. Anos depois, já engenheiro, o rapaz se encontra com uma das vítimas de seu golpe, um assassino arrependido. A história lhe é contada e, com ela, surge a vontade legítima de trabalhar em prol do povo. Será? <br /><br /><br /><span style="color: #cc0000;"><b><span style="font-size: medium;">Depois do baile</span></b><br /></span><br />Este conto fala sobre moralidade e o quanto estamos dispostos a abrir mão do que queremos em prol de nossos valores. Um rapaz se encanta por uma moça durante um baile. E fica ainda mais admirado ao vê-la com o pai, que parece ser extremamente bondoso. Porém, no dia seguinte ele presencia uma cena aterrorizante que tem como protagonista o homem que julgava respeitoso. Conseguirá ele ficar com a filha ainda assim? Como fica o amor? Fiquei bem feliz com o final.</div></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-60005473549783170772023-04-09T15:07:00.002-03:002023-10-20T23:32:53.365-03:00a baleia branca <div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPoCXks_SHm3A7geO39E7ag7SMEEJYvsInxgA2nbjf8RpQ0HZfdveCXX69KrLzjjfMzSZo38NXcGVP3p5sYBhDpQw1y7nP2rY48DkRtkKqx0h_s05RJBH6bACJXTEw-604DO00QSsivAavRFLitVCWT97ujgJcm6r6C5YsLsAEM-YOREl_Ult8XNYiJx0/s1000/abaleirabiblioteca.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="750" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPoCXks_SHm3A7geO39E7ag7SMEEJYvsInxgA2nbjf8RpQ0HZfdveCXX69KrLzjjfMzSZo38NXcGVP3p5sYBhDpQw1y7nP2rY48DkRtkKqx0h_s05RJBH6bACJXTEw-604DO00QSsivAavRFLitVCWT97ujgJcm6r6C5YsLsAEM-YOREl_Ult8XNYiJx0/w480-h640/abaleirabiblioteca.jpg" width="480" /></a></div><br /><span style="color: #3d85c6;"><br /><div style="text-align: right;"><i style="font-size: x-large;">"Jogaram ao mar os livros, as entranhas da baleira</i></div><span style="font-size: large;"><div style="text-align: right;"><i>e também seu coração.</i></div><i><div style="text-align: right;"><i>Seu coração enorme…</i></div><div style="text-align: right;"><i>Que batia lentamente.</i></div><div style="text-align: right;"><i>Que batia lentamente enquanto afundava.</i></div><div style="text-align: right;"><i>E afundava, lentamente."</i></div></i></span></span><div><br />A HQ "<i>A Baleia Biblioteca</i>", escrita por Zidrou e ilustrada por Judith Vanistendael, ambos belgas, é uma daquelas histórias que mostram o quanto ignoramos sobre a vida dos animais. Imagine uma baleia que carrega uma biblioteca inteira na barriga e passa os dias contando histórias! Agora acrescente um carteiro que entrega correspondências no meio do oceano. A conexão deles será imediata, resultando numa bela amizade. A baleia estará sempre à espera do amigo para apresentar novas histórias e emprestar livros. Até que temos uma guinada que nos faz cair na real. Nos faz pensar muito sobre nossa relação com os animais e como, muitas vezes, falhamos em coexistir. Aviso que o fim é triste, como todas as histórias que envolvem a supremacia humana. Mas mudar isso só depende de nós. Enquanto isso, se vir algum livro no mar, não hesite. Afogue-se em suas palavras. É o mínimo que podemos fazer pela baleia desse conto. E por todas as outras.</div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-40796599207981882842023-03-19T23:09:00.004-03:002023-10-20T15:49:38.806-03:00um pequeno gesto de gentileza<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg8qf3GwMKnMHCk3o6gG0NBw9n_UVBq63gV3_qrFu9TytFHNt01REEtYR1f8QjpwTRE7CkYU9LXZMAnbOyWG9KGYOxFfBCIjTh8x0PYfWFMylC1RCDe4EpyR2zBr6yQ7mV5whaR_roJPswmEz4hLjS09QvItwMsM_WOHO1ET_fSwbihely2i6HqwR9uII/s1500/umpequenogestodegentileza.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1500" data-original-width="1034" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhg8qf3GwMKnMHCk3o6gG0NBw9n_UVBq63gV3_qrFu9TytFHNt01REEtYR1f8QjpwTRE7CkYU9LXZMAnbOyWG9KGYOxFfBCIjTh8x0PYfWFMylC1RCDe4EpyR2zBr6yQ7mV5whaR_roJPswmEz4hLjS09QvItwMsM_WOHO1ET_fSwbihely2i6HqwR9uII/w442-h640/umpequenogestodegentileza.jpg" width="442" /></a></div><br /><div><br /></div><div><br /></div><span style="font-size: large;"><b><i><div style="text-align: right;"><b><i><span style="color: #6fa8dc;">"... eles estavam no campo e era esse o objetivo de se estar no campo, não era? Espaços abertos onde você passa o dia inteiro convivendo com o frio e a umidade e, depois, entra para se recuperar com uma taça de vinho"</span></i></b></div></i></b></span><br /><br />A primeira passagem de "Um pequeno gesto de gentileza", da britânica Lucy Dillon, revela a troca de olhares entre Arthur, um cachorrinho esperto, e Libby, mulher desesperada. Ele acompanha seus tutores que acabam de chegar ao hotel, agora sob o comando de Libby. Anteriormente, ela desfrutava de uma vida glamorosa em Londres. Com o falecimento do sogro, ela e o marido mudam-se para o interior inglês a fim de assumir a administração do hotel familiar.<br /><br /><i>"Arthur ergueu a cabeça para Libby, os olhinhos redondos expressando o que seus tutores já idosos eram educados demais para dizer: “Você não fez a nossa reserva, né?” Do outro lado do balcão de carvalho polido da recepção, Libby sentiu a mão gelar enquanto percorria o sistema de check-in no computador do hotel Swan. Olhando para Arthur, ela pensou: Ele sabe. Ele sabe que não temos registro da reserva, que no momento não há nenhum quarto em condições de receber hóspedes e que eu secretamente acho que cães não deveriam sequer ser permitidos em hotéis, muito menos em cima de camas."</i><br /><br />Ao chegarem, deparam-se com um estabelecimento que clama por reformas e atualização tecnológica. Contudo, a sogra reluta em fazer qualquer alteração. No trecho mencionado acima, Libby tenta localizar no sistema a reserva do casal, mas não tem sucesso, pois a anotação foi feita no antigo caderno que a sogra sempre utilizou, o que a deixa transtornada. Ademais, incomoda-se com a permissão para cachorros no espaço. Especificamente, Bob, o cão da família, que a todo momento lança-lhe olhares incisivos. Curioso que, apesar de alegar aversão por esses animais, ela frequentemente dialoga com eles, quase como confidentes.<br /><br />O que prometia ser uma transição positiva torna-se um peso para Libby. Ela não conta com auxílio do marido, que oculta de todos o verdadeiro motivo da mudança: sua demissão de um cargo executivo e o vício por jogos. Assim, sobra tudo para Libby: planejamento da reforma, arrumar dinheiro para cobrir as despesas, atendimento aos clientes e ainda, o mais difícil, lidar com o temperamento da sogra.<br /><br />É quando acontece um acidente nas proximidades do hotel: uma mulher é atropelada e perde completamente a memória. Libby, sensibilizada, passa a visitá-la no hospital. Até que a desconhecida, que passa a ser chamada de Pippa, muda-se temporariamente para o hotel e começa a ajudar Libby nas atividades diárias. Gradualmente, fragmentos de sua vida anterior retornam, revelando sua verdadeira identidade e uma triste história que envolve uma cachorrinha perdida e um relacionamento abusivo.<br /><br />O romance realça pequenos gestos que levam a transformações positivas nas vidas dos envolvidos. Outros personagens e até mesmo Bob, que é cão terapeuta, desempenham papéis importantes. A narrativa ressalta os animais como agentes de sensibilização e tolerância, incentivando-nos a valorizar os pequenos momentos da vida. Romance fofo para passar o tempo.<br />Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-18024188705925784922023-01-07T17:46:00.001-03:002023-02-14T17:52:24.005-03:00uma noite na itália<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdCmai02B45gkIoYd0mHfaPJ3r8Urs73SNkHc5gKOhenY-_a2eSLze9uaQlo4hcKM_Enwc3WyFTTV5A3fINUy9_thyWcPfKO2sT1th2YINxCoB_kQFXiEE6HWAGIQyoRIm6BuwfFWMBcSzpLNWe1lcHVZzYwF-2jMxs0iLsUAZUFBTNbGOalrttsea/s500/umanoitenaitalia.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="500" data-original-width="348" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdCmai02B45gkIoYd0mHfaPJ3r8Urs73SNkHc5gKOhenY-_a2eSLze9uaQlo4hcKM_Enwc3WyFTTV5A3fINUy9_thyWcPfKO2sT1th2YINxCoB_kQFXiEE6HWAGIQyoRIm6BuwfFWMBcSzpLNWe1lcHVZzYwF-2jMxs0iLsUAZUFBTNbGOalrttsea/w446-h640/umanoitenaitalia.jpeg" width="446" /></a></div><span id="docs-internal-guid-b7b4e01b-7fff-ba46-d73a-d130692ee09c"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="background-color: white; color: #0f1111; font-family: Arial; font-size: 10.5pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="background-color: white; color: #0f1111; font-family: Arial; font-size: 10.5pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><p style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: right;"><span style="background-color: white; font-family: Arial; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="color: #0b5394; font-size: large;"><b><i>“Às vezes era preciso seguir o coração, mesmo que isso fosse completamente aterrorizante.”</i></b></span></span></p><br /><br />Os livros da escritora inglesa Lucy Diamond seguem sempre o mesmo mote: recomeço. Falam sobre mulheres que precisam abandonar crenças e partir para outros desafios, sem medo. Pelo menos foi assim com os três títulos que li: "<a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2019/10/a-casa-dos-novos-comecos.html">A casa dos novos começos</a>", "<a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2021/09/o-segredo-da-felicidade.html">O segredo da felicidade"</a> e, mais recentemente, "Uma noite na Itália". São narrativas agradáveis, ambientadas na Inglaterra e despretensiosas. Esta última leitura traz três personagens principais. Sophie, que há anos deixou sua casa após brigar com os pais e que, agora, não tem moradia fixa. Passa temporadas em várias localidades distintas mundo afora. No início do livro está trabalhando como garçonete numa cidadezinha italiana. Já Anna é jornalista e numa conversa com a tia, que mora em um asilo, descobre que seu pai é italiano. A partir daí, passa a investir em cursos e tudo mais que possa lhe aproximar dessa pessoa que nunca conheceu. A terceira protagonista é Catherine. Seus dois filhos - gêmeos - estão entrando na faculdade, ambos em outra cidade. Chorosa, decepciona-se ao ver que eles parecem não sentir sua falta no novo ambiente, ao contrário do imagina (e queria). Mas o pior está por vir: ao voltar para casa, depois de deixar cada uma das crias em seus respectivos alojamentos estudantis, encontra o marido com outra na cama, que ela logo descobre ser uma amante antiga. Decide, então, fazer italiano. E pronto. Aí está a conexão entre as três. Sophie recebe a ligação de que o pai está muito mal e volta para Londres. Enquanto ele se recupera, aceita o emprego como professora de italiano. Lá conhece Anna, Catherine e outros personagens. Juntos vão formar um grupinho bem simpático e solidário. Leitura bem gostosa. <br /><div><span style="background-color: white; color: #0f1111; font-family: Arial; font-size: 10.5pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div></span>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-38141425710303066932022-12-30T20:09:00.001-03:002023-02-05T20:10:24.034-03:00antes que as luzes se apaguem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrBgAkxee5waLZOqiLWl29MjTEG796OSlAYEOY_P077Vxqr0NnmC9AVjMbfdNjzlhrjMp3B6O4z1az47vfP0g811h4Zm25sVsOVMG6-TyWQQlfLH-Pt6S2ePTdzI6DoiCyPXupvruHpvjPU8PMsAhmJhKVauTAsBddguA3riABINaJxscTp_970qn0/s970/Captura%20de%20Tela%202023-02-05%20a%CC%80s%2019.41.54.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="970" data-original-width="692" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrBgAkxee5waLZOqiLWl29MjTEG796OSlAYEOY_P077Vxqr0NnmC9AVjMbfdNjzlhrjMp3B6O4z1az47vfP0g811h4Zm25sVsOVMG6-TyWQQlfLH-Pt6S2ePTdzI6DoiCyPXupvruHpvjPU8PMsAhmJhKVauTAsBddguA3riABINaJxscTp_970qn0/w285-h400/Captura%20de%20Tela%202023-02-05%20a%CC%80s%2019.41.54.png" width="285" /></a></div><br />Romance para adolescente que resolvi ler no fim do ano, complementando minhas leituras (sem compromisso) natalinas. "<i>Antes que as luzes se apaguem</i>", de Jay Asher, é bobinho de tudo. Conta o dilema de Sierra, de dezesseis anos, que se divide entre dois estados: Oregon, onde mora, e Califórnia, para onde vai em dezembro. Sua família possui uma fazenda de árvores de Natal e um mês antes das festas, eles entram no motorhome e pegam a estrada rumo ao sul a fim de vendê-las, negócio que já dura anos. Sempre tem aquela despedida com as amigas que ficam e a expectativa de rever outra que só vê uma vez por ano. Ocorre que este pode ser o último ano desta viagem e a garota está pirando. Não sabe se está feliz ou triste, até que surge um paquerinha cheio de problemas. É isso. Fosse eu uns 30 anos mais nova talvez curtisse rs (vide "<i>Barrados no Baile</i>", que eu adorava). Mas, em minha defesa, estava precisando muito de algo leve, fácil, bobo e que tivesse frio. Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-24918485278975326262022-12-18T19:28:00.003-03:002023-02-05T19:40:05.132-03:00esquecer o natal<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijowwb39n76qKyuqQlCU77lBRIa_JM6C4zf8oLhNx0Y826DWUqV-ztToKIrRdqsVKGzJR_asKT2x-jVgcNXg9aQDkWQa6fdeV_oO_5vCoMd0bFfo1GxnigQA6hzFCr5qHI23Agu1oJX-vYWgFYVQLZw5kuq05IkOufMIammXT6RPbeVoJnXicYBv3k/s928/Captura%20de%20Tela%202023-02-05%20a%CC%80s%2018.59.56.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="928" data-original-width="664" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEijowwb39n76qKyuqQlCU77lBRIa_JM6C4zf8oLhNx0Y826DWUqV-ztToKIrRdqsVKGzJR_asKT2x-jVgcNXg9aQDkWQa6fdeV_oO_5vCoMd0bFfo1GxnigQA6hzFCr5qHI23Agu1oJX-vYWgFYVQLZw5kuq05IkOufMIammXT6RPbeVoJnXicYBv3k/w458-h640/Captura%20de%20Tela%202023-02-05%20a%CC%80s%2018.59.56.png" width="458" /></a></div><br /><p style="text-align: right;"><span style="color: #073763; font-size: large;"><b><i>"Vamos pular o Natal, guardar o dinheiro e iremos <br />mergulhar nas águas do Caribe por dez dias."</i></b></span></p><p style="text-align: right;"><span style="color: #073763; font-size: large;"><b><i><br /></i></b></span></p>Que livro divertido! Ri muito com as peripécias de Nora e Luther Krunk, casal norte-americano que decide "<i>Esquecer o Natal</i>", livro do norte-americano John Grisham. Tudo começa quando a filha deles resolve se mudar para o Peru. Sem ela, as festas não teriam sentido e Luther começa a fazer contas: o quanto gasta anualmente no fim de ano com decoração, presentes, caixinhas, jantares, roupas etc etc etc. A lista é infinita, sem contar os transtornos com mercados, lojas, trânsito e a agitação de todos que querem dar conta de tudo antes da noite de Natal. É um preço muito alto. Após esta conclusão, chama Nora, apresenta a planilha e dá a solução: economizar, fingir que o Natal não existe e ir para o Caribe num cruzeiro. À princípio, a esposa duvida que esta seja a melhor ideia, afinal ela própria ama tudo isso. Mas aos poucos vai se convencendo de que passar um ano sem tanto estresse pode ser bom. O que eles não previram é que todos ao redor vão fazer de tudo para provocá-los, criticando a decisão. É o bombeiro que chega vendendo o panetone que terá o valor revertido em boas ações, é o vizinho que reclama que a casa dos Krunks é a única que não está decorada. Tem o pessoal do trabalho de Luther que reclama por ele não aparecer no jantar de confraternização e por aí vai. As passagens são hilárias. Até que a filha liga e diz que está voltando com um noivo peruano doido para sentir o Natal norte-americano dos filmes. Pronto. Nosso casal terá poucas horas para organizar tudo. Confesso que fiquei decepcionada quando os vi correndo de lá para cá novamente para os preparativos da festa. Luther chega a ficar, literalmente, de ponta cabeça lá pelas tantas, mas o esforço é recompensado. Super indico. Espero, porém, que a editora (esta ou outra) faça uma revisão cautelosa do livro, pois há vários erros gramaticais e de tradução que prejudicam a leitura. Ahh! <b>Feliz Natal </b>:-)Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-57648864644610995882022-12-03T12:24:00.009-03:002023-02-04T13:17:39.174-03:00um lugar distante<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaVaLgZNqrh0I7DReDDtMK1k97ditZT_h3_oN4NjtvPMvAyPASqh5_wKl3rB4uB1ZrCyivGximK-71fywzQbthQP4yuMCbl4XicDB7uyL-FV84WhG3PfwSs9MSHdvSWGYlihUQO-Hj9FVjRij9lm9HlO3cSg5HREUqUuemGsN8TA69oseH7Mjz8a9Z/s840/Captura%20de%20Tela%202023-02-04%20a%CC%80s%2012.17.30.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="840" data-original-width="586" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaVaLgZNqrh0I7DReDDtMK1k97ditZT_h3_oN4NjtvPMvAyPASqh5_wKl3rB4uB1ZrCyivGximK-71fywzQbthQP4yuMCbl4XicDB7uyL-FV84WhG3PfwSs9MSHdvSWGYlihUQO-Hj9FVjRij9lm9HlO3cSg5HREUqUuemGsN8TA69oseH7Mjz8a9Z/w279-h400/Captura%20de%20Tela%202023-02-04%20a%CC%80s%2012.17.30.png" width="279" /></a></div><br /><p></p>“Um lugar distante” é uma novela que foca em dois personagens secundários de “<a href="https://www.livrosemotivos.com.br/2022/10/a-pequena-ilha-da-escocia.html">A pequena ilha da Escócia</a>”: Lorna, professora que habita Mure desde sempre, e Said, médico sírio que recebeu a oferta de emprego na ilha enquanto estava em um campo para refugiados. Enquanto ela tem que lidar com a grave doença do pai, ele precisa se reencontrar depois de ter fugido da guerra em seu País. Durante o trajeto, perdeu sua família e sua identidade. Aceita o trabalho que lhe é oferecido, para ser o médico de uma ilha no norte da Escócia, sem grandes expectativas. A única coisa que ainda o prende neste mundo é a fina esperança de voltar a reencontrar seus entes queridos. É muito bonita a forma com que o percurso de Said é narrado. Porém o livro tem problemas. Ele se propõe a contar uma história que antecede o enredo que acompanhamos em "A pequena ilha da Escócia", mas sem o cuidado da autora, Jenny Colgan, com tempos e narrativas, o que me deixou deveras ansiosa tentando achar explicação para algumas passagens, personagens com nomes e idades diferentes, dentre outras questões. Ela até chegou a pedir desculpas no Facebook. O que, obviamente, não resolveu nada. Por isso, paro por aqui nesta série, apesar da Escócia, do frio, das montanhas. <br />Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-12929211895302164342022-10-23T19:20:00.097-03:002022-11-02T19:43:25.236-03:00a vida do espírito<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFOklDzUPDLVW8mAyRs5fTQQYw1OoExxg_qCHlRYTiAWHegvPz_6cWSNFx7IB_7RF7F-R9ipkQDn1T1yC8ssP1DrhP2zwKrzdgob2V0cCz2ksd26GrhCh1A9GqDZz6_e6Djn22YTGYHKAvSj7huXXTM7e1tnlBDBes_M7zieFwwaLXMf-caJiMMxzd/s1462/Captura%20de%20Tela%202022-11-02%20a%CC%80s%2019.21.40.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1462" data-original-width="1004" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFOklDzUPDLVW8mAyRs5fTQQYw1OoExxg_qCHlRYTiAWHegvPz_6cWSNFx7IB_7RF7F-R9ipkQDn1T1yC8ssP1DrhP2zwKrzdgob2V0cCz2ksd26GrhCh1A9GqDZz6_e6Djn22YTGYHKAvSj7huXXTM7e1tnlBDBes_M7zieFwwaLXMf-caJiMMxzd/w440-h640/Captura%20de%20Tela%202022-11-02%20a%CC%80s%2019.21.40.png" width="440" /></a></div><br />Logo na introdução de "<i>A vida do espírito</i>", Hannah Arendt afirma que deixou um lugar relativamente seguro na teoria política para entrar na filosofia e abordar o "<b>pensar</b>''. O estopim para esse interesse, já manifestado, de certa forma, em outras obras como "<i>Origens do totalitarismo</i>" na qual abordou a questão moral, foi o julgamento de Otto Adolf Eichmann em Jerusalém. Oficial nazista responsável pela logística da Solução Final, nome dado ao plano nazista de extermínio de judeus, Eichmann foi capturado na Argentina em 1960, após passar anos sob identidades falsas. Ele foi acusado de crime contra o povo judeu, contra a humanidade e crimes de guerra, dentre outros, durante o período que serviu ao regime nazista, sobretudo na Segunda Guerra Mundial. Após julgado, foi considerado culpado e enforcado em 1962.<div><br /></div><div>Hannah Arendt se apresentou ao jornal The New Yorker para cobrir o julgamento, grande evento que resultou na sua <b>política do pensamento</b>, criada a partir da questão do mal e do que ela chamou de <b>banalidade do mal</b>. Segundo a autora, temos a ideia que o mal é algo demoníaco, representado por satã, ou mesmo pelo anjo decaído Lúcifer. Há ainda o mal causado pela inveja, como o que fez Caim matar Abel, no livro Gênesis da Bíblia. Cita ainda Herman Melville que considerou o mal como uma depravação com relação à natureza. Todos exemplos que não deixam dúvida sobre o sujeito cruel.</div><div><br /></div><div>Mas o que ela viu no tribunal israelense foi algo totalmente diferente. Ali, isolado dentro de uma redoma de vidro à prova de balas, estava alguém que não tinha essas características. Era um agente bastante comum, medíocre até, e não monstruoso. Com isso, há o choque e a quebra do estereótipo que tinha em torno do mal, e que lhe trouxe a ideia de que as atrocidades das quais aquele homem tinha participado haviam sido causadas por conta da sua incapacidade de pensar. Ela justifica: Eichmann estava inserido em um sistema formado por ritos, sequências, ou seja, que funcionava a partir de regras que precisavam ser cumpridas. Quando temos um padrão de procedimento, independentemente do que vamos fazer, nossa capacidade de reflexão se apaga. E foi isso o que aconteceu com o tal agente. Ele estava tão preso à sua rotina de obediência que sequer refletiu sobre seus atos, o que é explicado de forma precisa no trecho a seguir:</div><div><blockquote><i>"Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de proteger-nos da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virtude de sua mera existência. Se respondêssemos todo o tempo a essa exigência, logo estaríamos exaustos. Eichmann se distinguia do comum dos homens unicamente porque ele, como ficava evidente, nunca havia tomado conhecimento de tal exigência." (Arendt, 2022:25)</i></blockquote>Foi essa irreflexão - algo comum na nossa vida cotidiana - que motivou Arendt a escrever a "<i>Vida do Espírito</i>'', obra que, embora inacabada, nos dá a esperança de que é possível, sim, mudar o status quo do mundo. Ela entende a vida espiritual (a vida da mente) como três atividades que estão interligadas: pensar, querer e julgar (cujo conceito ela não chegou a concluir). O pensar faz a distinção entre os significados da vida. O querer é algo novo e o julgar é a decisão que tomamos nessas situações.<br /><blockquote><i>"Somos do mundo, e não apenas estamos nele; também somos aparências, pela circunstância de que chegamos e partimos, aparecemos e desaparecemos; e embora vindos de lugar nenhum, chegamos bem equipados para lidar com o que nos aparece e para tomar parte no jogo do mundo. Tais características não se desvanecem quando nos engajamos em atividades espirituais, quando fechamos os olhos do corpo, usando a metáfora platônica, para abrir os olhos do espírito." (Arendt, 2022:47)</i></blockquote>Vale lembrar que foi muito criticada por conta do artigo que escreveu sobre o julgamento de Eichmann. Comunidades judaicas a acusaram de ser condescendente com o agente nazista. Mais que isso, de ela, uma judia refugiada, ter ido contra seu próprio povo ao citar em seu texto que alguns judeus também corroboraram com o inimigo. No filme "<i>Hannah Arendt - Ideias Que Chocaram o Mundo (2012)</i>", de Margarethe von Trotta, acompanhamos uma cena na qual a filósofa responde aos ataques durante uma palestra. Ela não o estava perdoando. Seu papel ao cobrir o evento, argumenta, era entender os motivos que levaram Eichmann a estar dentro daquele sistema sem em nenhum momento questioná-lo. Entender é diferente de perdoar. Nada do que escreveu foi em defesa dele, sua intenção foi conciliar a mediocridade daquele homem com seus atos abomináveis. O que lhe chamou a atenção foi que a todo momento em seu julgamento, ele se dizia inocente. "Inocente, no sentido da acusação". Em outras palavras, sua defesa parte do fato de que era somente um funcionário exemplar. Havia o plano traçado e cabia a ele administrar as estratégias para que o objetivo - eliminar os judeus - fosse cumprido. Diante do estatuto jurídico em vigor, ele não havia feito nada de errado.</div><div><blockquote><i>"Ele cumpria o seu dever, como repetiu insistentemente à polícia e à corte; ele não só obedecia ordens, ele também obedecia à lei." (Arendt, 1999:152)</i></blockquote>Quais eram suas escolhas? Qual era o seu juízo em relação às suas ações e aos impactos que elas tinham na humanidade? Para Arendt, ele sequer cogitou isso. Estamos diante de um fenômeno político inédito do século XX, que pode ser traduzido como o grande colapso moral. Eichmann é criminoso. Incapaz de julgar e pensar, ele personifica essa problemática da experiência humana, o modo com que nos relacionamos, reagimos, escolhemos e julgamos. Arendt associa essas questões com a capacidade mental (ou a falta dela) que temos para lidar com a complexidade do mundo real, que a todo momento traz situações novas que nos desafiam.<br /><blockquote><i>"Ele se lembrava perfeitamente de que só ficava com a consciência pesada quando não fazia aquilo que lhe ordenavam - embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para morte, com grande aplicação e o mais meticuloso cuidado." (Arendt, 1999: 37)</i></blockquote>Contudo, em "<i>Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal</i>", Arendt descreve o réu como alguém que, embora nunca tenha se destacado na escola ou no trabalho, tinha grandes ambições. Ele queria fazer parte da história. Inclusive, ela diz em determinado momento que se ele pudesse viver tudo novamente, certamente teria feito as mesmas escolhas. Afinal, foi a obediência que lhe deu a chance de ascender em um sistema que o tirou da insignificância que sempre teve perante à família e à sociedade.</div><div><blockquote><i>"O que Eichmann deixou de dizer ao juiz presidente durante seu interrogatório foi que ele havia sido um jovem ambicioso que não aguentava mais o emprego de vendedor viajante antes mesmo de a Companhia de Óleo a Vácuo não aguentá-lo mais. De uma vida rotineira, sem significado ou consequência, o vento o tinha soprado para a História, pelo que ele entendia, ou seja, para dentro de um Movimento sempre em marcha e no qual alguém como ele - já fracassado aos olhos de sua classe social, de sua família e, portanto, aos seus próprios olhos também - podia começar de novo e ainda construir uma carreira." (Arendt, 1999:45)</i></blockquote>O alerta aqui, a partir do que vivenciou Arendt, é que seguimos o caminho da obediência e da inércia diante de problemas sociais.</div><div><br /></div><div>Lembram da obediência de Eichmann e suas consequências? Obviamente, aqui não estamos falando das atrocidades cometidas pelo movimento do qual ele fez parte. Mas não podemos desconsiderar as milhares de mortes que ainda ocorrem por conta da nossa incapacidade de pensar.</div><div><br /></div><div>Como encontrar lugar no mundo, dentro do nosso cotidiano, para as nossas atividades mentais ou as nossas atividades do espírito, uma vez que a todo momento nos deparamos com o modo artificial de ver as coisas, o que nos afasta do olhar político? Primeiramente, precisamos esclarecer o que é o pensamento, somente assim seremos capazes de diferenciar a atividade que somos capazes (ciência, lógica, ordem) da vida espiritual que torna possível lidar com assuntos humanos mais complexos.</div><div><br /></div><div>O pensamento não lida com a verdade, mas com significados. E é a partir do significado que lidamos melhor com os assuntos humanos, já que a vida não se reduz à lógica de causa e efeito. Arendt vai tomar emprestado de Sócrates o conceito dois-em-um: quando pensamos, estamos a sós com nós, afastados da experiência. Importante diferenciar o estar só da solidão. São situações distintas.</div><blockquote><div><i>"Chegamos à conclusão de que apenas as pessoas inspiradas pelo eros socrático, o amor da sabedoria, da beleza e da justiça, são capazes de pensamento e dignas de confiança. Em outras palavras, chegamos às "naturezas nobres" de Platão, as poucas a respeito das quais se pode dizer que "não fazem o mal voluntariamente". No entanto, nem mesmo em seu caso é verdadeira a conclusão implícita e perigosa de que "todo mundo quer fazer o bem". (A triste verdade é que na maioria dos casos o mal é praticado por pessoas que jamais se dedicaram a fazer o bem ou o mal.)" (Arendt, 2022: 238)</i></div></blockquote><div>Estar só é o diálogo que temos com nós mesmos, a auto investigação que permite considerar situações e tomar decisões. Já a solidão é estar sozinho, não ter contato nem consigo mesmo. As massas, tão importantes para o totalitarismo, são compostas de indivíduos solitários, e é exatamente aí que reside a banalidade do mal. São pessoas que estão mais preocupadas com a produtividade na sociedade de consumo e a ascensão profissional (Eichmann) que com a efetiva participação na vida pública, espaço que pede um olhar para o todo e para o bem comum, e não somente para a bolha da qual fazem parte. A individualidade típica do neoliberalismo, regida por interesses econômicos (renda e lucro) é o melhor exemplo atual da solidão descrita por Arendt.</div><blockquote><div><i>"Se o pensamento - o dois-em-um do diálogo sem som - realiza a diferença inerente à nossa identidade, tal como é dada a consciência, resultando, assim, na consciência moral como seu derivado, então o juízo, o derivado do efeito liberador do pensamento, realiza o próprio pensamento, tornando-o manifesto no mundo das aparências, onde eu nunca estou só e estou sempre muito ocupado para poder pensar. A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o eu." (Arendt, 2022: 250)</i></div></blockquote><div>Ainda sobre as atividades do espírito, temos a vontade ou o querer começar algo novo. Trata-se da faculdade mental em que lidamos com liberdade, e isso é um problema para a filosofia. Se somos livres para fazer o que queremos, podemos fazer o que não devemos. Já para Arendt, apesar de perigosa, ela carrega algo primordial: o recomeço. Nela podem estar as soluções para os problemas que nos assombram.</div><div><br /></div><div>O juízo é a atividade mais desafiadora e a que mais lida com o mundo das aparências. Para dar conta de sua teoria, Arendt vai investigar a terceira crítica de Kant, que trata da capacidade de julgar e como ela está conectada com a questão da moral. Para ela, a grande preocupação dos intelectuais será lidar com o mal, encarando suas possibilidades e compreendendo sua ameaça, que por não ser perceptível é ainda mais perigosa, como vemos no discurso sedutor das big techs. Importante ressaltar que sua proposição sobre a moral se dá durante a crise catastrófica a partir da ascensão do totalitarismo. É algo inédito e o questionamento feito é como podemos julgar quando não temos critérios para isso. Sua tese é que somente o pensamento pode ser capaz de evitar o mal. Diferentemente dos demais pensadores que colocam a moral como a relação do sujeito com o outro, Arendt vai dizer que, na verdade, trata-se da relação do sujeito com ele mesmo. E isso faz do pensar a atividade mais importante, que preside as demais.</div><div><blockquote><i>"Uma vez que a pluralidade é uma das condições existenciais básicas da vida humana na Terra - de modo que inter homines esse, estar entre homens, era, para os romanos, o sinal de estar vivo, ciente da realidade do mundo e doeu, e inter homines esse desinere, deixar de estar entre os homens, um sinônimo para morrer -, estar sozinho e estabelecer um relacionamento consigo mesmo são a característica mais marcante da vida do espírito. Só podemos dizer que o espírito tem sua vida própria à medida que ele efetiva esse relacionamento no qual, existencialmente falando, a pluralidade é reduzida a dualidade já implícita no fato e da palavra "consciências" ou syneidenai - conhecer comigo mesmo." (Arendt, 2022:109)</i></blockquote><h3 style="text-align: left;"><b><br /></b></h3><h3 style="text-align: left;"><b>A democracia está se afundando nas fake news</b></h3><br />A era moderna nos coloca diante de uma perplexidade. Ao mesmo tempo em que temos o extraordinário desenvolvimento tecnológico, capaz de nos levar para outras dimensões - a ida à Lua é a primeira vez que realmente podemos nos olhar, literalmente, de fora - somos levados por uma lógica perversa de manipulação. Foi o que aconteceu com Eichmann que, de certo modo, estava aprisionado dentro de uma lógica administrativa. Para o totalitarismo, o que prevalece é a construção de problemas fictícios, daí o apelo das mentiras, do negacionismo. Inclusive, as fake news, outra ameaça das tecnologias digitais, podem ser a superfície de um problema ainda mais grave, e que pode colocar em xeque a própria democracia. Servem para nos distrair das coisas que realmente nos controlam, como os ricos fundos financeiros que incentivam todo esse esquema de dados. De certo modo, sempre existiram. O que temos hoje é sua rápida proliferação com total apoio das grandes empresas de tecnologia. A lógica é simples, quanto mais cliques, mais monetização. E sabemos que o ódio é muito mais atrativo que o amor, atraindo mais visualizações.</div><div><br /></div><div>A noção da banalidade do mal está relacionada com os temores do século 20, consequência da crise da Razão Iluminista. Houve o momento em que se acreditou que a Razão iria nos emancipar, mas o que vimos foi o uso da tecnologia para destruir vidas.</div><div> <br />Sim, o mundo é horrível e permitiu que as pessoas fizessem coisas terríveis, inimagináveis, como o antissemeitismo, o imperialismo e o totalitarismo. Porém, e aqui Arendt é enfática, não podemos nos alienar. Precisamos buscar a reconciliação, afinal essa é nossa casa. Se isso não for feito, o resultado é que vamos deixar de nos responsabilizar pelo futuro, pelas crianças, pela natureza. Não podemos deixar o horror nos silenciar. Politicamente, há situações em que não podemos reagir. Mas, no mínimo, podemos dizer que não compactuamos com determinado comportamento. Afinal, <i>"estar vivo significa viver em um mundo que precedeu à própria chegada e que sobreviverá à partida".</i> Resta saber o que queremos deixar por aqui.</div><div><br /></div><br /><h3 style="text-align: left;"><b>Bibliografia</b></h3><br />ARENDT, H. A vida do espírito. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2022.<br /><br />ARENDT, H. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.<br /><br />Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-20932622008879699802022-10-23T19:11:00.001-03:002022-10-23T19:11:26.414-03:00a pequena ilha da escócia<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQt7hhhrVgfeSFqAjtOVPbDwtG4n-u1FVM5ha2aXwqmVNosEZn1ox6gtLdT_7EhHsou7y1P6UALDts-WzccZ9FhTmuAIti_jDQ_-7l1gBaHtLoyK586MRLsAUXClPJnQlXXdeQLm9-dYRcotVuXPaensku4ECueaRpMs6qeLFG6OMy18xPi6N6x5Js/s1366/Captura%20de%20Tela%202022-10-23%20a%CC%80s%2018.58.00.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1366" data-original-width="940" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQt7hhhrVgfeSFqAjtOVPbDwtG4n-u1FVM5ha2aXwqmVNosEZn1ox6gtLdT_7EhHsou7y1P6UALDts-WzccZ9FhTmuAIti_jDQ_-7l1gBaHtLoyK586MRLsAUXClPJnQlXXdeQLm9-dYRcotVuXPaensku4ECueaRpMs6qeLFG6OMy18xPi6N6x5Js/w440-h640/Captura%20de%20Tela%202022-10-23%20a%CC%80s%2018.58.00.png" width="440" /></a></div><br /><br /><div style="text-align: left;"><div style="text-align: right;"><b style="color: #134f5c;"><span style="font-size: large;">"Não está exatamente feliz, porém acha que não está triste, </span></b></div><div style="text-align: right;"><b style="color: #134f5c;"><span style="font-size: large;">pois todo mundo é assim, não é?"</span></b></div><br /><br />Sempre compro meus chick-lits de acordo com lugares que gostaria de estar. Foi assim com "<i>A pequena ilha da Escócia</i>", da escocesa Jenny Colgan. Logo na abertura do romance, ela comenta sobre os motivos que a levaram a escrever algo que mostrasse seu país. Apesar de ter viajado para vários lugares do mundo - muitos dos quais retratados em seus livros - Colgan pouco conhecia da sua própria terra natal, até retornar à Escócia após anos vivendo fora. Por ter nascido e crescido no sul, ainda não conhecia as Terras Altas e as ilhas ao norte, o que se propôs a fazer, encantando-se loucamente com tudo o que viu. Ela cita alguns lugares: Lewis, Harris, Bute, Órcades e Shetland.</div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: left;">Foi assim que criou a encantadora Mure, ilha fictícia bem ao norte da Escócia. Curiosa que sou, logo fui buscar as referências que a autora havia dado e não tenho dúvidas que trata-se de Shetland. Até pesquisei como chegar lá. Vontade de ir não falta. <br /><br /><i><span style="color: #134f5c;">"Mure é um lugar fictício, mas espero que transmita a essência e a atmosfera daquelas ilhas incríveis bem ao norte, que são tão estranhas, lindas e maravilhosas para mim - embora, claro, para as pessoas de pronúncia musical quem moram lá sejam apenas lar".</span></i></div><div style="text-align: left;"><br /></div><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAWkA2afRwG23n-P8onv4bGKJ-W64ojQKVevTHO-GD7ovndGqC_rxE4cgl1BkQpAk_wp1MjSYwhzAAsKuy27Fv7u89YGFYPuyJZeSkyNKGymzQd5BljPJ9xRXwfYJMzgh3k5bwvxYRq0ipXLaU-F3PIWhsnm-DtHCANDxTWt1aEa9q_I8DK_8ZUt-L/s1280/Shetland_1.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="853" data-original-width="1280" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjAWkA2afRwG23n-P8onv4bGKJ-W64ojQKVevTHO-GD7ovndGqC_rxE4cgl1BkQpAk_wp1MjSYwhzAAsKuy27Fv7u89YGFYPuyJZeSkyNKGymzQd5BljPJ9xRXwfYJMzgh3k5bwvxYRq0ipXLaU-F3PIWhsnm-DtHCANDxTWt1aEa9q_I8DK_8ZUt-L/w640-h426/Shetland_1.jpeg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><a href="https://www.scotland.org/live-in-scotland/where-to-live-in-scotland/the-shetland-islands" target="_blank">Shetland</a>, uma das ilhas escocesa que inspirou a criação de Mure. <br />Imagino Flora percorrendo o caminho de areia</td></tr></tbody></table><div style="text-align: left;"><br />Fiquei me imaginando num lugar tão distante, tão frio, tão aconchegante e tão encantador. Ela tem tudo o que imagino para minhas férias. Só não aprovei a forma com que tratam e transportam as ovelhas, que viajam de lá para cá conforme os interesses comerciais envolvidos. Este não é o tema central do livro, mas me chamou a atenção. <br /><br /><span style="color: #134f5c;"><i>"Ovelhas e vacas eram o principal interesse da família: ovelhas eram bichinhos robustos não muito bons de comer, mas que produziam lã resistente e macia que ia para tecelagens das outras ilhas e do continente, criando malhas, cobertores e tartãs de alta qualidade, e as vacas eram ótimas produtoras de leite."</i></span><br /><br />Há ainda um cachorro, Bramble, que toda vez que seguia a protagonista pelas montanhas me deixava com o coração na mão. E se ele se perder? E se não voltar? E se se machucar? Claro que ele se machucou. Mas adianto que fica bem. <br /><br /><i><span style="color: #134f5c;">"O cachorro não a esquecera. Ele estava feliz além da conta por vê-la, pulando sem parar, fazendo um pouco de xixi no chão e dando o melhor de si para envolvê-la em sua alegria."<br /></span></i><br />A história gira em torno de Flora Mackenzie, que saiu da pequena ilha para morar e trabalhar em Londres num grande escritório de advocacia. Lá, passa despercebida pelo board e nutre uma paixão platônica pelo chefe imediato, o Joel. Arrogante, mulherengo e ambicioso, o advogado nunca notou a moça, até o dia em que um importante cliente chega e pede que seu caso seja tratado diretamente por ela. Motivo: precisa de alguém que entenda a população de Mure e que o ajude a impedir que turbinas eólicas sejam colocadas na frente do hotel que pretende abrir.<br /><br />A partir daí, a vida meio que sem sentido de Flora muda completamente. Primeiro, suas pernas ficam bambas ao ser vista pelo chefe. Depois, fica transtornada com o fato de que terá que retornar para casa. Algo que ainda não sabemos a fez sair de lá e, aparentemente, ser odiada pelos moradores da ilha.<br /><br />Contudo, ela não tem outra alternativa a não ser atender a demanda da qual foi encarregada. E lá se vai. Voo de Londres até Inverness e um avião pequeno até sua ilha. Claro que todas a reconhecem, surgem questionamentos, silêncio do pai. Logo descobrimos que sua mãe morreu há pouco tempo e que ainda há muita dor e mal entendidos. Mas nada que justifique o temor dela em voltar. Exagero da autora. Aos poucos, vai se adaptando, reencontra o gosto pela culinária a partir do livro de receitas da mãe e vai (re)conquistando todos. Como parte do job que recebeu, tem que abrir um negócio para ajudar o cliente. Obviamente a escolha é por um café: Delícias de Verão, que faz sucesso com suas tortas, bolos, pães. Joel também vai para Mure e, apesar de inicialmente sentir-se totalmente descolado com seu terno caro, logo vai cedendo à beleza local. Aqui vale ressaltar que a região é muito bem descrita. A história começa no verão com seus dias permanentes lá no norte e termina com a aurora boreal e início do outono. Se há clichês? Todos possíveis, mas valeu pela viagem. Mure, me aguarde ;-)<span id="docs-internal-guid-ac93bee1-7fff-0f06-bc8b-a20167b4e537"><div><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div></span></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-88567968495656164362022-10-16T23:58:00.001-03:002022-10-16T23:58:53.182-03:00o apartamento de paris<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj-T3RXjueTw5VNNBHUGFEl1sSzBdBo1QS2qjcQqIi4QXGuN0I18tNOe9EghBM7xCU25bhf_kNn37oVkKqb9GrAZa6oxOJeVCfRye8bE_W-w2wQUKCro8hsz0mSOWv4dd44C1kSjzgZ58TpN1llsl2bNWa79vY9ggaLaLakqGpicO3WR5zQLx_ZrEs/s1266/Captura%20de%20Tela%202022-10-16%20a%CC%80s%2022.57.12.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1266" data-original-width="874" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjj-T3RXjueTw5VNNBHUGFEl1sSzBdBo1QS2qjcQqIi4QXGuN0I18tNOe9EghBM7xCU25bhf_kNn37oVkKqb9GrAZa6oxOJeVCfRye8bE_W-w2wQUKCro8hsz0mSOWv4dd44C1kSjzgZ58TpN1llsl2bNWa79vY9ggaLaLakqGpicO3WR5zQLx_ZrEs/w442-h640/Captura%20de%20Tela%202022-10-16%20a%CC%80s%2022.57.12.png" width="442" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><b><span style="font-size: large;"><span style="color: #e464d1;"><i><br /></i></span></span></b></div><div style="text-align: right;"><b><span style="font-size: large;"><span style="color: #e464d1;"><i>"Aprendi que observar é a arma mais poderosa."</i></span></span></b></div><br /><br />Eu esperava bem mais deste livro de Lucy Foley, autora inglesa de suspense. Talvez mais mistérios e final surpreendente. O fato é que é um thriller fraco, fraco. A história se passa em um prédio chique de Paris onde vive o jornalista Ben, irmão da nossa protagonista, Jess. Ambos britânicos. Ele já está na França há algum tempo. Ela parte para lá após perder o emprego na esperança de encontrar abrigo no apartamento de Ben, que não fica muito feliz com a notícia de sua chegada. Ao surgir na porta do edifício, Jess já estranha. A sofisticação do lugar não é algo que parece combinar com o irmão. Além disso, ele simplesmente desapareceu, deixando carteira e tudo mais.<div><br /></div><div>Para piorar, os vizinhos e a zeladora são bastante hostis. Temos uma garota meio gótica perdida em seus próprios pensamentos, um fundador de startups fracassado (mas de família rica), um casal que parece viver de aparências e outro casal mais novo que acaba de se separar. A zeladora parece um fantasma. Lá pelas tantas, descobrimos que todos estão extremamente conectados. Achei bem sinistro.</div><div><br /></div><div>O fato é que ninguém colabora com a menina, que conforme os dias passam vai ficando cada vez mais desesperada com o sumiço do irmão. Ao contrário, parecem fazer de tudo para que ela não consiga atingir seu objetivo. Enfim, Jess terá que lidar com eles e passa a contar com a ajuda do editor de Ben, a quem ele havia prometido um grande furo de reportagem. Talvez esteja aí a charada. E a polícia? Também comprometida com o pessoal do prédio, ao que parece. E é isso até o final, que não tem nada demais. Há a tentativa superficial de abordar o tráfico de mulheres para prostituição, mas está longe de contribuir com qualquer discussão. Podem pular a leitura.<span id="docs-internal-guid-75a246ab-7fff-8259-128d-6df6e405fca5"><br /></span></div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1365322672961452768.post-86366303856191806172022-09-25T19:09:00.001-03:002022-11-02T19:10:46.505-03:00a realeza americana<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzmOqwscD1XqcTn5zpRTY0QtML7Pl0MCib5vN88agEzRoe5p3xY6xEDqGogRfOnKth2q2_LLG1w89MpaPDGFKnjDuINTBpWzOcCJ7jmoVRn-zt3t3x_yK82LAyKuXkLbZ486xCbfrGZfMJ9YvXxmAEXI8XT_fWhx-A8xyu9bbzgFAXoDYuD-etNa8W/s1474/Captura%20de%20Tela%202022-11-02%20a%CC%80s%2019.05.51.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1474" data-original-width="1026" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzmOqwscD1XqcTn5zpRTY0QtML7Pl0MCib5vN88agEzRoe5p3xY6xEDqGogRfOnKth2q2_LLG1w89MpaPDGFKnjDuINTBpWzOcCJ7jmoVRn-zt3t3x_yK82LAyKuXkLbZ486xCbfrGZfMJ9YvXxmAEXI8XT_fWhx-A8xyu9bbzgFAXoDYuD-etNa8W/w446-h640/Captura%20de%20Tela%202022-11-02%20a%CC%80s%2019.05.51.png" width="446" /></a></div><br /><div style="text-align: right;"><i style="color: #cc0000; font-size: x-large;"><b>"Uma boa rainha aprende com os próprios erros, </b></i></div><div style="text-align: right;"><i style="color: #cc0000; font-size: x-large;"><b>mas uma grande rainha aprende com os erros alheios."</b></i></div><div style="text-align: right;"><br /></div><div>Quando a Rainha Elizabeth II morreu, eu iniciei a leitura de <i>"A realeza norte-americana</i>", que mostra como seria a monarquia nos Estados Unidos, caso George Washington tivesse recebido uma coroa após a Guerra da Independência contra a Inglaterra. O povo seria governado por seus descendentes, que se tornaram a realeza mais admirada do mundo. Teríamos duques e condes de Boston, de Seattle, de Nova York etc. Claramente inspirada na realeza britânica, esta versão da escritora norte-americana Katharine McGee não traz nada de novo. Aqui e ali vemos traços de Betinha, seus filhos e netos. Claro que numa versão muito mais descontraída e amigável (a cara da América, afinal). Tem até uma tia Margaret que se apaixona por um piloto de avião. Estereótipos e clichês não faltam. Tudo começa com o drama de Beatrice, a filha mais velha do rei, que tem que escolher o futuro marido no baile organizado pelos pais. Em paralelo, acompanhamos seus irmãos gêmeos, a princesa Samantha e o príncipe Jefferson. Ambos rebeldes e que vivem aprontando para chamar a atenção. Como primeira na linha de sucessão, Beatrice tem uma vida mais regrada, exemplo de boa moça destinada ao trono. Ocorre que acaba se apaixonando pelo guarda-costa. Já Samantha se apaixona pelo pretendente da irmã, enquanto Jeff larga a namorada (supostamente) perfeita (e ambiciosa) para ficar com a plebéia Nina. Olha, dizer que é um livro ruim seria até um elogio. Não sei como consegui concluir a leitura :/</div>Kátia Okumura Oliveirahttp://www.blogger.com/profile/00867201996566356507noreply@blogger.com0