Páginas

domingo, 23 de março de 2014

outono e poesia

Hoje senti o outono tal e qual sua descrição. O calor se esvaiu. O parque está mais vazio. É muito bom correr com o vento gelado no rosto. Com o cheiro das plantas úmidas. Com o barulho das folhas secas sob os pés. Que venham mais manhãs assim :-)

...



Ao procurar imagens que traduzissem a leitura no outono, encontrei a foto de uma pessoa que caminha e lê, rodeada pelo dourado típico da estação. Ela ilustra matéria de 2009 no The Guardian. Especificamente, o poema "Antiquities", da britânica Veronica Forrest-Thomson (1947-1975). Escrito na década de setenta, faz parte de sua coleção "Language-Games" ou jogos de linguagens, uma homenagem à obra do austríaco Wittgenstein. Para ela, o tratado do filósofo sugere que o que fazemos com nossas palavras é o que fazemos com nossa experiência de vida, a linguagem descreve nossa realidade. O outono é sempre excelente pretexto para novas leituras e novas sensações. E vocês, o que descobriram nesse início da nova estação?

Trecho do poema


"Autumn leaves turn like

pages, black on white. For green
and gold must be as parenthetical
as walks through sharpening air
and clamant colour, smoky light
along the Backs, from typewriter
to Library."

("As folhas de outono viram-se como
páginas, preto no branco. Para o verde
e o dourado, parênteses
como as caminhadas através do ar cortante

e das cores suplicantes, luz esfumaçante
por entre a costa, da máquina de escrever
até a livraria." - tradução livre)

Outro texto sobre as delícias do outono: www.livrosemotivos.com.br/2012/06/outono.html

sexta-feira, 21 de março de 2014

o último livro


Comprei o livro na promoção. Estava lacrado e pouco vi sobre o conteúdo. Foi mais a curiosidade do que seria este tal último livro. E gostei. É a primeira vez que me deparei com a literatura sérvia. Mal terminei e já encomendei outro livro do autor, Zoran Živković. “O último livro" é um romance policial que traz todas as características e personagens do gênero: morte misteriosa, inspetor/detetive, mocinha que faz par com ele e vários suspeitos. Mas aqui é adicionado outro elemento, o universo fantástico. Até o fim do texto imaginei que algo racional pudesse explicar o que estava acontecendo. O porquê de as pessoas morrerem ao entrarem em contato com o livro misterioso. Contudo, não é sempre que temos explicações plausíveis para tudo. O romance foi lido em poucas horas e tudo o que eu queria era visitar a livraria Papyrus ou tomar o chá de figos no salão que nos é apresentado. Curiosamente, é o segundo livro este mês que leio com a ideia de duplo. De que podemos estar aqui e lá ao mesmo tempo. ‘Noturno Indiano’, de Antonio Tabucchi, foi outra leitura do gênero.

A narração é feita por Dejan Lukic, inspetor encarregado de decifrar as mortes que acontecem, sem explicação, na Papyrus. Desde o início o ambiente é apontado como inusitado, porém aconchegante. As donas orgulham-se de ter nas prateleiras somente literatura séria, o que pode ter atraído figuras excêntricas à loja. Como o matemático que faz anotações sobre os volumes que consulta aleatoriamente e a mulher que os reorganiza de forma que só ela entende.

Mas os clientes começam a morrer. Lendo. Simplesmente apagam. Sem indício de violência ou mal súbito. Cabe a Lukic descobrir o que acontece. E ele faz o trabalho com a sensação de já ter lido tudo o que está a ver naquele momento. É um déjà lu, ou "já li isto". Seitas e sonhos que se confundem com a realidade também fazem parte do enredo. Em muitos momentos me veio à mente o '1Q84', de Haruki Murakami, com suas duas luas a nos confundir. Mix de policial e fantástico que me deixou querendo mais.

segunda-feira, 10 de março de 2014

uma aventura parisiense e outros contos de amor


Guy de Maupassant (1850-1893) foi um dos expoentes da literatura fantástica. Gostava de retratar a vida dos franceses de sua época, dos proletariados à aristocracia, sempre com ironia. E é esse olhar que temos nesta seleção de 15 contos da Penguin & Companhia das Letras. Quem espera histórias românticas ambientadas na bela Paris, talvez não vá suspirar com os textos do escritor francês. Mas se quer bons causos, sórdidos às vezes, realistas na essência e insólitos na forma, a diversão é certa.
Em outro livro que estou a ler, Alberto Manguel cita a frase de Sherlock Holmes, de Conan Doyle, que resume o livro: "quando você elimina o impossível, aquilo que sobra, mesmo que improvável, deve ser a verdade." Embora tenham um pé no universo fantástico, as histórias trazem a veracidade das pessoas comuns.
Tanto que sempre surgem em um bate-papo. Amigos ou conhecidos se encontram e trazem à tona algo inusitado. Como as peripécias da moça casada, daquelas por quem se põe a mão no fogo, que se vê em apuros quando o amante morre em seu quarto. Faltam poucas horas para o marido regressar e ela recorre ao médico da família. "Quanto à dissimulação, todas as mulheres a têm para dar e vender em ocasiões como essas. Mesmo as mais simplórias são maravilhosas, e se saem com engenhosidade dos casos mais difíceis." 

Com exceção de um ou outro conto, os demais falam sobre as mulheres e o desejo de extravasar. Claro que à época em que foram escritos, a ousadia feminina era censurada. Mas isso não quer dizer que hoje também não haja máscaras. Em "Uma aventura parisiense", a esposa provinciana sonha com o agito de Paris. Com seus arranjos, vai à cidade conhecer e vivenciar tudo o que ouviu sobre as festas, as diversões e as paixões. Será que valeu a pena? "Existe sentimento mais agudo do que a curiosidade na mulher?" Impossível, improvável, mas talvez real seja a morta que volta e reescreve seu epitáfio. Ou o rapaz que se apaixona pelos cabelos de uma mulher que morreu há anos. Ou a empalhadora que acumulou pequena fortuna para entregar ao homem que sempre amou, mesmo sem nunca ter sido notada. Diante de tantas conversas, fica a certeza que essa clássica coletânea amorosa merece ser lida, sobretudo por quem gosta de ser surpreendido e está cansado das mesmices acinzentadas nas prateleiras.

Trechos

"Felizes os homens cujo coração, como um vidro onde deslizam e se apagam os reflexos, esquece tudo o que o vidro abarcou, tudo o que passou diante dele, tudo o que se contemplou, o que se olhou, em seu afeto, em seu amor!"

"Existem ideias que nos penetram, nos corroem, nos aniquilam, nos deixam loucos, quando não sabemos combatê-las. É uma espécie de praga que assola a alma."

"Para que o amor seja bom, seria preciso, me parece, que ele transformasse o coração, que ele esfrangalhasse os nervos e devastasse a cabeça; seria preciso que ele fosse - como eu diria? - perigoso, terrível mesmo, quase criminoso, quase um sacrilégio, que fosse uma espécie de traição. O que quero dizer é que o amor tem necessidade de romper barreiras sagradas, leis, laços fraternais; quando ele é tranquilo, fácil, sem perigo, dentro da lei, será mesmo que é amor?"

domingo, 9 de março de 2014

noturno indiano


Capa de uma das edições portuguesas

"Noturno indiano" é uma das belas surpresas da literatura. Em pouco menos de cem páginas, o italiano Antonio Tabucchi nos leva a um inusitado passeio pela Índia. O itinerário começa na tumultuada Bombaim (ou Mumbai) e termina no litoral de Goa, região colonizada por portugueses, o que permite citações de Fernando Pessoa (Tabucchi foi crítico e tradutor do poeta). Passa por ruas sujas, por hospital cheio de corpos inertes, estações de trem, ônibus e pelo suntuoso hotel Taj Mahal, descrito como uma cidade dentro da cidade. Esta é a primeira vez que nosso protagonista faz tal viagem. Como referência, tem apenas um guia de sobrevivência (a travel survival kit), que lhe permite saber que está sendo enganado pelo motorista de táxi ou descobrir curiosidades sobre os locais que visita. O que seria normal se o guia não desse as respostas que ele já sabe e no momento em que as espera. Tudo muito sincronizado, como no sonho em que estamos aqui e ali ao mesmo tempo. 

Logo no início o autor diz que o livro (ou conto) é insônia e viagem. "A insônia pertence a quem escreveu o livro, a viagem a quem a fez." Durante a jornada, que tem o pretexto de encontrar Xavier, amigo português perdido, o insone viajante - que não é nominado - segue os rastros deixados por prostitutas, grupos secretos e cartas de vinho. E ao longo do percurso vai cruzando com diversos personagens, também perdidos em seus devaneios, como o ex-carteiro que manda postais da Índia para toda a lista telefônica da Filadélfia e o menino cuja deformidade faz com que seja confundido com um animal e tido como profeta. A busca segue, mas não se encerra. "Mas ele está contente com o fato de você o procurar?", alguém pergunta. "Sou alguém que não quer se deixar encontrar", responde em outra cena. Quem está a buscar quem? O texto remete ao duplo. À alteridade. À loucura silenciosa que assombra a todos. Como diria o menino disforme, somos 'outros'. Aqui está somente nossa aparência, o maya. O atma, a alma está distante. Talvez em um barco. Talvez em um luxuoso hotel. Talvez querendo ser esquecida em uma viela suja e sinuosa. "Desconfie dos trechos escolhidos", eles podem nos levar ao que há de mais falso na realidade. Ganhou versão para as telas em 1989 e várias dissertações.

"A realidade passada é sempre menos má do que foi efetivamente: a memória é uma formidável falsária. Certas contaminações são feitas, mesmo sem querer."

A versão que eu li

sábado, 8 de março de 2014

amigas da ioga


Cinco mulheres estão com aqueles velhos dilemas dos chick-lits: relacionamento amoroso em crise, trabalho em crise, amizade em crise, mãe em crise e cabelos em crise. Ops, este último foi por minha conta, mas tem lá sua verdade nesses livros. Apesar de os motivos serem repetitivos, quem gosta deste tipo de leitura vai se apegar às "Amigas da ioga", da norte-americana Rain Mitchell, que dá à yoga (prefiro com y) um ar super pop, já que as praticantes moram em Los Angeles. Entre um ásana e outro, vão descobrindo que concentrar-se na respiração é a melhor forma de combater os problemas. A protagonista é Lee, professora que foge do status celebridade que muitos instrutores passam a ter. Seu estúdio é pequeno, aconchegante e ela parece ser a única no meio que se preocupa com o bem-estar dos alunos. Entende os limites de cada um e utiliza a prática para ajudá-los, em especial as amigas do título. Katherine, que acabou de se livrar das drogas e agora é massagista. Graciela, dançarina que quer fazer parte do clipe da Beyoncé. Stephani, produtora que terminou o namoro e agora tenta fazer um filme. E Imani, estrela de um seriado que cai em depressão após um aborto espontâneo. Todas se encontram no espaço de Lee, que também passa por um momento não muito zen: foi abandonada com os filhos gêmeos pelo marido, que alega precisar de tempo para compor suas canções vazias. Para ser lido em poucas horas na praia ou na rede. Vá sem grandes expectativas, assim a leitura será mais prazerosa. Apenas relaxe. Quem sabe não resolva aderir à yoga também. Aliás, tem uma passagem bem bacana na qual duas das amigas comentam a posição que poderiam ficar por horas. Aquela que a deixam assim, vamos dizer, em estado pleno. Fiquei a pensar na minha. Hoje, com certeza, é a matsyendrasana. Como yoga é união do corpo, da mente e do espírito, amanhã poderá ser outra. Namastê :-)

O título em inglês é mais interessante