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terça-feira, 5 de junho de 2012

a elegância do ouriço

Por que muitas vezes camuflamos nossos sentimentos e vontades? Apenas para parecermos diferentes ou para nos sentirmos protegidos? Essas questões, acrescidas de reflexões filosóficas e sociológicas, são os ingredientes de "A Elegância do Ouriço", da francesa Muriel Barbery.

Duas narradoras, as personagens principais, se intercalam nessa bela obra: a concierge (porteira com funções de zeladora) viúva de cinquenta e quatro anos Renée Michel e a rica menina Paloma Jesse, de apenas doze. Ambas moram num sofisticado bairro de Paris e tentam ser o que não são.

Com a certeza de que é inferior aos demais, Renée se disfarça de porteira comum e estereotipada. Mas ela tem um segredo que partilha apenas com o gato Leon e com os leitores: a paixão pela literatura e pelo cinema. Diante dos moradores não passa de uma mulher despreocupada com a própria aparência e que conjuga erroneamente os verbos. Fora do expediente, lê os russos, analisa os filósofos franceses, assiste a filmes japoneses e tem um bicho de estimação com o primeiro nome de Tolstoi. "Ser pobre, feia e além do mais inteligente condena, em nossas sociedades, a percursos sombrios e sem ilusões, aos quais é melhor se habituar cedo."

Já Paloma nasceu rica e prefere ocultar seus desejos por meio do olhar vago. Seu confidente é apenas o diário. Possui um repertório literário e filosófico incomum para uma criança. Mas esconde esse lado. Num ambiente rico, ser superdotado significa ter que mostrar isso a todo o momento por meio de exposições típicas da alta sociedade. Melancólica, planeja o suicídio. "Tenho de dar duro para parecer mais idiota do que sou. Mas de certa forma isso não impede que eu morra de tédio: não preciso passar o tempo todo aprendendo e compreendendo, uso o tempo para imitar o estudo, as respostas, os modos de agir, as preocupações e os pequenos erros dos bons alunos comuns."

Pelas observações irônicas e psicológicas das duas, conhecemos os moradores, as empregadas domésticas e os visitantes do prédio. Mas é o novo habitante, o elegante japonês Kakuro, que vai movimentar o ambiente. É justamente esse estrangeiro que vai descobrir as verdadeiras intenções e gostos de Renée e Paloma. Ele foi o único a realmente vê-las.

Quantas pessoas nos são invisíveis por que não conseguimos enxergar além do que acreditamos ser o mais importante? Muito perde aquele que não percebe a graciosidade e a perspicácia que há por trás dos espinhos de um ouriço.



2 comentários:

  1. Olá kátia,
    Vez ou outra me flagro sendo o que não sou, entendendo o que não entendi. Sei que numa sociedade como a nossa, nessa urgência que se tem de viver, de saber e de ter, tudo passa muito rápido, e muitas vezes tudo muito melancólico, e as vezes até sem percebermos entamos nos fantasiando, mas o bom de tudo isso é justamente quando encontramos aquela pessoa que nos percebe por dentro, qua não apenas nos ver, mas olha-nos intensamente.
    Parabéns por mais um post.
    Abraços,
    Aline Marques

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    1. Sim. Nada como encontrar pessoas que entendam nossos sentimentos. Muito obrigada pelo comentário. Abraços :-)

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