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quinta-feira, 28 de junho de 2012

a casa das orquídeas

A “Casa das Orquídeas”, de Lucinda Riley, me fascinou desde início com a sua lenda da suposta orquídea negra.

Estava a ler sem parar até que, quase no fim, as inúmeras reviravoltas, ora surpreendentes, ora piegas, dos personagens me desanimaram. Mas ainda assim vale a leitura.

Entre taças de vinho ou xícaras de chá, os personagens se sentam na varanda ou diante da lareira, dependendo do clima, e disparam seus segredos. Aliás, milhares deles. Com as mesmas bebidas à mão, eu os acampanho.

Júlia é uma pianista famosa que se isola após o acidente que matou o filho e o marido na França. De volta à Inglaterra, ela se tranca num antigo chalé por meses. Por insistência da irmã, sai do refúgio e revisita a propriedade de nobres ingleses na qual os avós trabalhavam. Júlia adorava passar o tempo ali quando criança, principalmente na estufa que o avô cuidava, com muitas orquídeas e outras plantas exóticas para o frio do hemisfério norte.

Diante das boas lembranças, ela recebe do novo proprietário um diário antigo que faz com que ela se reaproxime da avó. O que não esperava era o emaranhado de revelações que a aguardava. Tudo começa com a história de Harry e Olívia. Ela apaixonada, ele ainda em dúvida sobre sua sexualidade. O casamento, às vésperas da segunda guerra mundial, foi inevitável, bem como suas consequências após o cessar das bombas. Preso por mais de três anos em Singapura, Harry é enviado à Tailândia para se recuperar. E é na distante Bangkok que ele se apaixona pela primeira vez. Nesse momento, começam todas as ligações de sua família com Júlia, reveladas somente sessenta anos depois. Suspiros, muitos suspiros.

“Por fim, ao entender o que acontecera, ela pegou a flor e cheirou seu divino perfume, ponderando sobre o que fazer. Era melhor contar uma verdade para ferir ou uma mentira para proteger?”

E é esse pergunta que todos fazem no decorrer da trama. Claro que a verdade acaba sempre aparecendo. Em alguns casos, porém, quando tudo parece estar superado.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

mudam-se os tempos

Gosto muito de comprar livros. Embora não consiga ler todos os títulos que adquiro, sempre dou uma passada pela estante para, aleatoriamente, abrir um deles e ler algum trecho que possa acalmar o corpo e o espírito. Ou que sirva de inspiração, apenas.

E foi assim que reencontrei os sonetos de Camões no livro “Lírica, Redondilhas e Sonetos”, da Biblioteca da Folha. Li com atenção, sobretudo, aquele que fala sobre mudança e que confirma meus sentimentos. Aliás, os livros têm essa obrigação: falar o que queremos e precisamos ouvir.

Estava a pensar sobre mudanças. Ao rever alguém depois de uma década sem contato, o que eu gostaria de dizer? Que pouco mudou na minha trajetória? Ou que houve uma reviravolta e que hoje sou outra pessoa? Nem pouco nem tanto, talvez. Mas, com certeza, ficaria feliz ao surpreender meu interlocutor com novidades, a começar pelos cabelos. Dizia o poeta português: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Até mesmo a mudança muda, ele enfatiza. Penso que fugir do novo é entregar-se ao marasmo do destino. Como bem destacou o também poeta e dramaturgo russo Vladimir Maiakovski, “melhor morrer de vodca que de tédio.”

Vou pensar, mais um pouco, no tema e no que mudou na minha vida nos últimos dez anos. Quem sabe não tenha muito a contar. Assim, espero.

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
     Muda-se o ser, muda-se a confiança;
     Todo o mundo é composto de mudança,
     Tomando sempre novas qualidades.
 Continuamente vemos novidades,
     Diferentes em tudo da esperança;
     Do mal ficam as mágoas na lembrança.
     E do bem, se algum houve, as saudades.
 O tempo cobre o chão de verde manto,
     Que já coberto foi de neve fria,
     E em mim converte em choro o doce canto.
 E, afora este mudar-se cada dia,
     Outra mudança faz de mor espanto,
     Que não se muda já como soía."
Mude

Vídeo que vi em 2003. Até as imagens dele mudaram. Confesso preferir a versão anterior. Pois é, nem sempre as mudanças agradam ;-)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

outono

Após o compromisso que me fez sair de casa mais cedo que de costume, entrei no café da Aliança Francesa. Pedi um chá de laranja com especiarias e madeleines de Proust, que nada mais são que bolinhos com traços de limão. Sentei-me junto à janela e, assim como o autor francês, fui levada a uma sucessão de pensamentos involuntários.

Na verdade, a parada, antes de entrar na empresa em que trabalho, foi um pretexto para a leitura de mais um capítulo de “A Casa das Orquídeas”, de Lucinda Riley. Depois escrevo mais sobre ele. Mas passei por um trecho que me deixou com vontade de continuar lá por mais tempo.

Primeiro porque a combinação do chá com as madeleines estava muito boa. Segundo, e principalmente, porque a manhã estava bem agradável. Céu azul, leves raios de sol e um friozinho convidativo. Clima típico do outono. Cenário perfeito para uma boa leitura. E, de certa forma, parecido com a passagem do romance em minhas mãos.

Lá duas personagens estão na varanda de um castelo a desfrutar do fim da tarde de um verão inglês (que aqui vou comparar ao nosso outono). Tomam vinho rose francês e planejam o próximo dia: “Depois vamos passear pelos jardins e eu vou lhe mostrar a estufa. Pode pegar o livro que quiser na biblioteca. Há uma casa de verão protegida atrás do caramanchão das rosas, à esquerda do jardim murado, onde costumo me sentar para ler.”

Pronto. Bastou ler isso para eu ficar assim. A devanear. Calmamente, olho para a rua e vejo pessoas subindo a calçada apressadas. Os carros disparam buzinas impacientes e o congestionamento de metas se instala. Mas não sou influenciada por esse motim. Será que não estou no lugar certo e nem na hora certa? Tomo o último gole de chá e guardo a madeleine que sobrou. Quem sabe não precise dela mais tarde, quando a quimera se for.

Fez parte dos devaneios

quinta-feira, 7 de junho de 2012

bonsai

O que esperar de um livro que começa assim: “no final ela morre e ele fica sozinho”?

Pois esperem muito. “Bonsai”, do chileno Alejandro Zambra, eleito pela revista britânica Granta um dos 22 melhores jovens escritores hispano-americados, é para ser lido sem intervalos. Com um pé na poesia, seu texto passa por nossos olhos e vai direto para a alma. Difícil evitar comparações com nossa experiência em alguns momentos. Difícil não imaginar exatamente as cenas que ele descreve. Difícil não se deixar envolver pelos personagens.

O livro é pequeno, quase um conto. Não há travessões ou aspas para os diálogos. As conversas surgem e se confundem com os pensamentos, como já fazia Saramago. Claro que com outro estilo e outra proposta. “Bonsai” conta o começo, o meio e o fim de um caso de amor. Ou melhor, conta mais ou menos fim, mais ou menos o começo e muito do meio, que foram os momentos mais intensos e repletos de leituras na cama. Julio e Emília nutriam esse hábito intelectual: buscavam nos livros a inspiração para aquecer o romance e a noite.

Mas um conto do argentino Macedônio Fernández vai afetá-los profundamente. Não fica evidente o que acontece depois, assim como todo o resto parece ficar no ar. A vida não é assim, afinal? A dúvida sempre nos persegue e nos instiga a usar ainda mais a imaginação. Já dizia Nietzsche em “Além do Bem e do Mal”: “toda credibilidade, toda boa consciência, toda evidência de verdade vêm apenas dos sentidos.” Fiquemos, então, com os sentidos para fantasiar as coisas que não foram ditas pelo narrador onisciente, porém, omisso.

Emília disse a uma amiga que criticava o casal: “qual o sentido de ficar com alguém se essa pessoa não muda a sua vida?” Eu digo: “qual o sentido de um livro se ele não muda a nossa vida?” E o bonsai? Bem, possivelmente seja a miniatura das intenções em movimento.

“Leram 'O livro de Monelle', de Marcel Schwob, e 'O pavilhão dourado', de Yukio Mishima, que foram razoáveis fontes de inspiração erótica para eles. Mas logo as leituras se diversificaram a olhos vistos: leram 'Um homem que dorme' e 'As coisas', de Perec, vários contos de Onetti e de Raymond Carver, poemas de Ted Hughes, de Tomas Tranströmer, de Armando Uribe e de Kurt Folch. Até fragmentos de Nietzsche e de Émile Cioran eles leram.”


terça-feira, 5 de junho de 2012

a elegância do ouriço

Por que muitas vezes camuflamos nossos sentimentos e vontades? Apenas para parecermos diferentes ou para nos sentirmos protegidos? Essas questões, acrescidas de reflexões filosóficas e sociológicas, são os ingredientes de "A Elegância do Ouriço", da francesa Muriel Barbery.

Duas narradoras, as personagens principais, se intercalam nessa bela obra: a concierge (porteira com funções de zeladora) viúva de cinquenta e quatro anos Renée Michel e a rica menina Paloma Jesse, de apenas doze. Ambas moram num sofisticado bairro de Paris e tentam ser o que não são.

Com a certeza de que é inferior aos demais, Renée se disfarça de porteira comum e estereotipada. Mas ela tem um segredo que partilha apenas com o gato Leon e com os leitores: a paixão pela literatura e pelo cinema. Diante dos moradores não passa de uma mulher despreocupada com a própria aparência e que conjuga erroneamente os verbos. Fora do expediente, lê os russos, analisa os filósofos franceses, assiste a filmes japoneses e tem um bicho de estimação com o primeiro nome de Tolstoi. "Ser pobre, feia e além do mais inteligente condena, em nossas sociedades, a percursos sombrios e sem ilusões, aos quais é melhor se habituar cedo."

Já Paloma nasceu rica e prefere ocultar seus desejos por meio do olhar vago. Seu confidente é apenas o diário. Possui um repertório literário e filosófico incomum para uma criança. Mas esconde esse lado. Num ambiente rico, ser superdotado significa ter que mostrar isso a todo o momento por meio de exposições típicas da alta sociedade. Melancólica, planeja o suicídio. "Tenho de dar duro para parecer mais idiota do que sou. Mas de certa forma isso não impede que eu morra de tédio: não preciso passar o tempo todo aprendendo e compreendendo, uso o tempo para imitar o estudo, as respostas, os modos de agir, as preocupações e os pequenos erros dos bons alunos comuns."

Pelas observações irônicas e psicológicas das duas, conhecemos os moradores, as empregadas domésticas e os visitantes do prédio. Mas é o novo habitante, o elegante japonês Kakuro, que vai movimentar o ambiente. É justamente esse estrangeiro que vai descobrir as verdadeiras intenções e gostos de Renée e Paloma. Ele foi o único a realmente vê-las.

Quantas pessoas nos são invisíveis por que não conseguimos enxergar além do que acreditamos ser o mais importante? Muito perde aquele que não percebe a graciosidade e a perspicácia que há por trás dos espinhos de um ouriço.