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domingo, 30 de dezembro de 2012

nihonjin

Hideo Inabata veio ao Brasil incentivado pelo imperador, que dizia que os japoneses deveriam prosperar em terras estrangeiras, retornando depois ao Japão. Assim, Inabatasan desembarcou em Santos por volta de 1920. Veio com Kimie, sua frágil esposa, e Jintaro, um amigo. "O governo brasileiro exigia pelo menos três enxadas em cada família." Como não tinham parentes dispostos a se unirem a eles na empreitada, arrumaram um agregado.

Ainda no navio, Hideo tinha os olhos fixos no Nihon, ao qual voltaria tão logo conseguisse bastante dinheiro por aqui. "Teria uma loja de utensílios domésticos em Tóquio ou Osaka, já que o Japão estava se industrializando, fabricando peças em série, e precisava de comércio para vendê-las. Teria três ou quatro funcionários, quem sabe meia dúzia. Seria patrão."

Mas o sol escaldante do interior de São Paulo e as lavouras de café foram, aos poucos, apagando o brilho do olhar e esgotando esse sonho. Também foram responsáveis pela morte de Kimichan, que durante o inverno ficava à janela esperando pela neve, que nunca veio. Assim como não vieram os promissores anos tão aguardados. Sem nunca desistir de ser nihonjin, Hideo casa-se novamente. Tem seis filhos. E é por meio de um de seus netos que as fotografias amareladas são resgatadas e ganham legendas que vão nos emocionar. Orgulho, amor ao distante Nihon, incompreensão de uns e respeito à família estão juntos na saga dos japoneses que em 2008 comemoraram cem anos no Brasil.

Terminei de ler 'Nihonjin' com a sensação de já ter ouvido relatos parecidos na minha infância. Talvez não da forma poética colocada por Oscar Nakasato, que por essa obra venceu o Jabuti 2012. Também sou neta de imigrantes japoneses, assim como o narrador que dá vozes e rostos aos personagens nesse nostálgico livro. Ótima leitura para fechar o ano e relembrar coisas e outras da família do lado japonês. E que encantaram meu pai, gaijin que se casou minha mãe. Ojiichan Hideo até que poderia ter sido mais flexível em relação aos não-japoneses. Contudo, não devemos julgar a espera alheia. Akemashite omedetou gozaimasu.

"Levantou-se, caminhou até a porta da sala e abriu. A neve cobria a terra. Saiu, correu até o cafezal, correu entre os pés de café, sentindo a neve cair sobre sua cabeça, sobre os seus ombros. Correu durante muito tempo, estrela do espetáculo, abrindo os braços, ela, que sempre preferia ficar na janela. Finalmente, quando se cansou, sentou-se na terra fria. A morte chegou lentamente. Há quanto tempo morria? Tranquila, congelada pela neve, congelada pelo sol."


domingo, 23 de dezembro de 2012

mais livros

Já garanti meu presente de Natal. Saí da livraria ontem com cinco livros.

José Saramago e as 'Pequenas Memórias' de sua infância e adolescência. A obra promete uma viagem pelas lembranças do menino Zezinho em sua aldeia natal.

Também não resisti a outra viagem do autor português. Trouxe comigo sua 'Bagagem do Viajante': coletânea de crônicas publicadas na imprensa portuguesa entre 1969 e 1972.

O terceiro é o vencedor do Jabuti 2012: 'Nihonjin', do escritor paranaense Oscar Nakasato. Romance que traz a história da imigração japonesa no Brasil.

'A lebre com olhos de âmbar', de Edmund de Waal, está na minha lista desde o ano passado. Um misto de biografia e romance que envolve sua família e uma coleção de netsuquês, miniaturas japonesas.

E o último é 'O torreão', de Jeniffer Egan. Simplesmente porque gostei muito de seu livro anterior, 'A visita cruel do tempo'.

Vamos à leitura :-)

sábado, 22 de dezembro de 2012

marcelo, marmelo, martelo - quem sou eu?

"O triste de tudo isto é que, à medida que crescemos, nos acostumamos não apenas com a lei da gravidade. Acostumamo-nos, ao mesmo tempo, com o mundo em si. Ao que tudo indica, ao longo da nossa infância nós perdemos a capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo." Esse é um trecho do livro 'O mundo de Sofia', de Jostein Gaarden. Lá é comentado o conformismo dos adultos. Aceitamos tudo ao nosso redor e paramos de indagar as coisas simples do dia a dia.

Mas no universo infantil não é bem assim. "Por que isso ? Por que aquilo?" fazem parte dos diálogos de quem convive com os pequenos. E a literatura infantil incorpora isso muito bem em seus textos. Um exemplo é 'Marcelo, marmelo, martelo', de Ruth Rocha. Marcelo tem muitas dúvidas. Quer saber por que a chuva cai, por que o mar não derrama e por que o nome dele não é marmelo ou martelo. Aliás, ele passa a implicar com os nomes dos objetos, das pessoas. Para ele, cadeira tem que se chamar sentador. Travesseiro é cabeceiro. Casa é moradeira. Muito mais apropriado, claro. Essa mania deixa os pais malucos e o garoto triste por não ser compreendido.


"O pai de Marcelo resolveu conversar com ele:
 Marcelo, todas as coisas têm um nome. E todo mundo tem que chamar pelo mesmo nome, porque, senão, ninguém se entende...
— Não acho, papai. Por que é que eu não posso inventar o nome das coisas?"

Outro que quer saber sempre mais é Pedro, do contagiante 'Quem sou eu?', do italiano Gianni Rodari. O título do livro é a pergunta que o menino faz a todos que encontra pelo seu caminho: mãe, irmã, amigos, motorista do ônibus e até a revista em quadrinhos. O resultado é a soma dos substantivos que indicam o que ele é para cada um dos interlocutores: filho, irmão, amigo, passageiro, leitor. E muitas coisas mais. O gostoso é ler o livro para crianças, que entram na brincadeira e repetem, tentando não errar, o papel cumulativo de Pedro. Ao mesmo tempo em que pensam no que elas são e podem ainda ser.


Aproveite também para recordar os bons tempos em que o 'por quê?' estava com você.


"— Quem sou eu? - Pedro pergunta à professora.
 Você é um aluno - ela responde.
'Está vendo', pensa Pedro. Mais uma coisa. 'Filho, menino, irmão, neto, primo, aluno.'
'E o que mais?' "

domingo, 16 de dezembro de 2012

1q84

O primeiro volume de '1Q84', do escritor japonês Haruki Murakami, deixou-me ansiosa para ler logo os outros dois livros que compõem essa deliciosa trilogia. Nos EUA, a obra foi lançada num único volume. No Reino Unido em dois. O Brasil acompanhou o Japão e a tradução será em três partes. Quase mil páginas ao todo.

Aomame e Tengo são os protagonistas. Ambos vivem em Tóquio e tiveram traumas parecidos na infância. Enquanto ele tinha que sair com o pai para fazer cobranças de porta em porta para a rede de TV NHK, ela acompanhava a mãe na tentativa de conseguir mais fiéis para as Testemunhas de Jeová. Aomame é professora de artes marciais. De vez em quando, mata homens que agridem mulheres utilizando técnica bem específica. Sem sangue, sem marcas. Tengo dá aulas de matemática, aspira publicar um romance, namora uma mulher casada e leva a vida, propositalmente, sem emoções. Sofre com a lembrança de quando tinha pouco mais de um ano - verídica ou construída? - da sua mãe com outro homem que não era seu pai. Terá a vida alterada com a proposta de reescrever o romance de Fukaeri, adolescente de 17 anos que insiste na existência do Povo Pequenino.

O livro começa com Aomame no taxi ouvindo a bela Sinfonietta do tcheco Janáček, composta em 1926. Ela está atrasada e um acidente paraliza o trânsito. Sem alternativa, aceita a sugestão do taxista e pega o atalho inusitado para chegar até a próxima estação de trem.

Estamos em 1984. O 'Q' do título é uma 'question mark', pode até ter tido origem na brincadeira com o número nove em japonês, que se pronuncia 'kyu', da mesma forma que a letra 'Q' em inglês. Além, é claro, da referência ao livro de George Orwell. Mas na verdade é a tentativa da protagonista de se situar no mundo, já que ela anda perdendo algumas passagens da história. Lapsos de memória ou realmente está a viver num mundo paralelo com duas luas?

O narrador onisciente, em liguagem quase que onírica, ora nos conta os passos e devaneios de Aomame, ora os de Tengo. Tudo com muito ritmo e ótimas referências musicais, históricas e literárias. Num trocadilho bobo com o hobby do escritor - corridas de longa distância -vale a pena encarar esse percurso.

Trechos

"Tirou um livro da bolsa e começou a ler. Era um livro sobre a estrada de ferrom da Manchúria, da década de trinta. Um ano após o término da Guerra Russo-Japonesa, os russos foram obrigados a ceder aos japoneses o direito de exploração da ferrovia (Companhia Ferroviária do Sul da Manchúria), cuja extensão foi rapidamente ampliada para se tornar o posto avançado do império japonês durante a ocupação da China. Situação esta que seria desmantelada em 1945 pelo exército russo. Até o início da Guerra Russo-Alemã, em 1941, o trajeto Shimonoseki-Paris podia ser feito em treze dias, utilizando-se a conexão das redes ferroviárias da Manchúria e da Sibéria."

"Fukaeri novamente se calou. No entanto, desta vez, o silêncio não era intencional. Ela simplesmente não conseguia entender o motivo da pergunta e, tampouco, o pensamento que a havia motivado. A pergunta de Tengo não tinha eco em sua consciência e, por isso, fora sugada pelo nada e se perdia para sempre, além das fronteiras do consciente, como um solitário foguete a passar direto pela órbita de Plutão."

"A diferença entre os dois mundos aumentaria gradativamente e, dependendo da situacão, faria com que suas ações deixassem de ser coerentes, conduzindo-a a um erro fatal. E isso poderia literalmente levá-la à morte."


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

relato de um certo oriente

'Relato de um certo oriente', finalizado em 1989, é o primeiro romance de Milton Hatoum. A partir de várias vozes, acompanhamos a construção do passado da - talvez seja possível afirmar - protagonista.

O ponto de partida é a carta que ela escreve ao irmão, que está em Barcelona. Lá ela narra as memórias de personagens que fizeram parte de sua infância em Manaus, cidade que abandonou e a qual regressa após vinte anos. Não sabemos o nome e os motivos de nenhum dos dois.

As lembranças giram em torno daqueles que conviveram com Emilie, imigrante libanesa. Católica fervorosa, ela se casa com um libanês muçulmano que chegou ao Brasil para 'alcançar o desconhecido'. Enquanto a esposa dava festas e colecionava santos, o marido apoiava-se ensimesmado nas palavras do Alcorão. Apesar das diferenças, mantinham-se unidos pelo idioma e pelos costumes do país natal. Mas separados por segredos guardados, literalmente, num baú.

Eles têm quatro filhos: Hakim, Samara Délia e outros dois irmãos, que também não são nominados. A união entre eles não é algo espontâneo. É Samara a resposável pela já anunciada desestruturação desse núcleo. Aos quinze anos, engravida e é confinada num quarto do casarão em que moram. Repudiada, dá à luz Soraya Ângela. Quem sabe por ser a metáfora da ausência de sentido e privações ao seu redor, a menina nasce surda. Na voz de Hakim, temos o mais belo trecho do livro: a descrição do passeio único de mãe e filha. O nascimento de Soraya coincide ainda com a entrada da narradora principal e do seu irmão ao elenco. Um entre muitos mistérios da trama que caberá a cada um de nós decifrar.

Lá pelas tantas, o livro cita irmãos gêmeos a brincar na praça. Cena que imediatamente me remeteu ao segundo livro do escritor brasileiro de ascendência libanesa, 'Dois Irmãos', que também mescla recordações do oriente com desprezo e famílias repartidas no calor da Amazônia brasileira.

"Foi nessa época que elas saíram juntas pela primeira e única vez. Pareciam guiadas pelo medo. Caminharam de mãos dadas, esquivando-se das pessoas, evitando encarar os raros transeuntes que se expunham ao sol ardente do início da tarde. Os vizinhos apareceram nas janelas e Samara Délia se protegia dos olhares inclinando uma sombrinha vermelha que lhe tapava o rosto... As duas caminhavam juntas demais, e uma encurtava os passos para seguir os da outra; do terraço da fachada eu as vi desaparecer, sob um invólucro vermelho que as protegia do sol e as tornava acéfalas."


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

charlotte street

Primeiro, não confundam o autor e comediante britânico Danny Wallace com outro autor de nome parecido, como fez a moça que estava ao meu lado na livraria. “Olhe, vamos levar livros do mesmo escritor”, disse ao olhar “Charlotte Street” em minhas mãos e ao apontar o seu livro, que virou filme, “Peixe Grande - uma fábula de amor entre pai e filho”, do norte-americano Daniel Wallace. Outro ponto em comum entre os dois: Danny também já teve livro adaptado para o cinema, seu “Yes Man” ganhou as telas com Jim Carrey.

E por falar em semelhanças, o protagonista de “Charlotte Street” é Jason Priestley, homônimo do ator de Barrados no Baile, série dos anos noventa. A coincidência sempre lhe rende situações cômicas e várias explicações. Assim como o local em que mora: ao lado de um lugar que parece bordel, mas não é.

O livro tem sabor de seriado. Poderia muito bem ser desmembrado em vários episódios com locações na bela Londres. Jason é professor, mas desiste dessa profissão após o surto de um aluno. Investe na carreira de jornalista free-lancer e passa a escrever críticas num jornal gratuito, sempre positivas. Inclusive de lugares que nunca frequentou. Ao mesmo tempo, sofre com o rompimento da relação de quatro anos. Observamos sua obsessão em acompanhar a vida da ex-namorada pelo Facebook e a angústia quando ela muda o status do relacionamento para “noiva”. 

E é no meio desses choques que encontra “a garota”. Num ato de cortesia, ajuda uma desconhecida a segurar suas sacolas enquanto entra no taxi. Mas na pressa de seguir viagem, ela esquece algo nas mãos de Jason: uma máquina fotográfica descartável. 
Deixa ainda um olhar que mexe com o coração do moço. A partir daí, vai em busca da misteriosa figura. Sempre com a ajuda do seu melhor amigo, Dev, indiano fissurado por vídeo game e com quem divide o apartamento. Chegam até a relevar as fotos. Invasão de privacidade? Bem, para eles apenas uma aventura que vai dar mais sentido ao cotidiano e permitir novos encontros. Apesar de personagens com dilemas clichês, como realizar sonhos, descobrir o propósito de vida etc., o livro é indicado para quem quer leitura descontraída, rápida e de baixo impacto. Nota para o tradutor: não precisava ter convertido libras para reais no texto em português. Afinal, não dá para pagar uma bebida em Londres com R$.

"Às vezes a vida não é mágica, você entende. Às vezes, a vida é comum. É uma passada em um chaveiro na hora corrida do almoço. É o estrondo luminoso e alto de um filamento rompido de uma lâmpada. É o seu vizinho vindo avisá-lo que você esqueceu as luzes do carro acesas. Raramente é algo diferente. Talvez o olhar de uma garota na Charlotte Street, por exemplo. Quanto tempo para um olhar terminar? Por quanto tempo você pode se apoiar em um olhar?"


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

fonchito e a lua

Depois de ler o empolgante “Travessuras da menina má”, de Mario Vargas Llosa, livro que fala da paixão desenfreada de Ricardo Somocurcio por uma mulher de vários nomes, deparei-me com outra história de amor do autor. Mas desta vez voltado ao público infantil: “Fonchito e a Lua”, primeiro título do escritor peruano para as crianças.

Fonchito é um garoto que mora em Lima. Seu sonho é dar um beijo na menina mais bonita da escola, a Nereida. Timidamente, ele toma coragem e faz o pedido. Ela fica vermelha e aceita, mas com a condição de que ele lhe traga a Lua de presente. E aí? Será que essa foi a forma que Nereida, delicadamente, encontrou para dizer “não”? Na varanda de sua casa, Fonchito contempla o satélite terrestre. Até que tem uma brilhante ideia. O amor sempre tem um jeito criativo para tudo.

“... a partir desse dia começou a fazer uma coisa que nunca fazia antes, ficava um tempão, na varanda ou no terraço de sua casa, contemplando a Lua, deslumbrado. Quer dizer, quando a Lua aparecia, coisa que raramente acontece na cidade de Lima, cujo céu costuma ficar nublado durante meses a fio."


sábado, 10 de novembro de 2012

travessuras da menina má

Ricardo Somocurcio é orfão e mora com a tia num bairro bacana. A rotina o agrada e sua única ambição é morar em Paris com emprego estável, tempo para suas leituras e sossego. De certa forma alcança tudo isso. Mas com esporádicas pitadas das pimentas mais picantes.

Estamos em Lima no início da década de cinquenta. Num verão marcante de sua adolescência, ele conhece e se apaixona pela 'chilenita' Lily. Mas a jovem, que é 'peruanita', é desmascarada numa festa e some. Anos mais tarde, reaparece para Ricardito em Paris como companheira Arlette, integrante do grupo que tenta uma revolução socialista no Peru. Esse é apenas um dos reencontros do casal e mais um dos nomes da menina má, apelido que ganha por suas mentiras, fugas e por fazer sofrer o coração cheio de "breguices" do tradutor e futuro intérprete peruano.

Em "Travessuras da menina má", dinâmico romance de Mario Vargas Llosa, acompanhamos com a mesma obssessão que o protagonista os passos de Madame Robert Arnoux, Mrs. Richardson, Kuriko ou outra graça que possa surgir. Difícil explicar como nosso herói sempre a perdoa e aceita seus casamentos por interesse e fantasias. Contudo, é em sua companhia que tem os momentos mais alegres. Por outro lado, nós ganhamos uma brilhante viagem literária por Paris, Londres, Tóquio e pelo litoral peruano, além de contagiante aula de história sobre as revoluções da América Latina, França e movimento hippie. Fatos contados por meio das sinceras amizades de Ricardo, que se intercalam com as várias aparições e sumiços da menina má em mais de trinta anos. Leitura para ser feita sem intervalos e julgamentos.

"Foi só vê-la para reconhecer que, mesmo sabendo que qualquer relação com a menina má estava condenada ao fracasso, a única coisa que eu realmente desejava na vida, com a mesma paixão que outros dedicam a perseguir a fortuna, a glória, o sucesso ou o poder, era ela, com todas as suas mentiras suas confusões, seu egoísmo e seus desaparecimentos."


terça-feira, 9 de outubro de 2012

a visita cruel do tempo

Jeniffer Egan quebra a linha do tempo, mistura os personagens e entrelaça diversas histórias a partir de Bennie Salazar e Sasha. Ele é executivo do mundo da música, ela sua assistente. Suas fraquezas e doenças são reveladas nos dois primeiros capítulos. Enquanto Sasha tenta conter sua compulsão por roubar objetos que estão à sua vista, Bennie utiliza pó de ouro no café a fim de reencontrar sua libido, perdida durante o divórcio. Seus afetos e desafetos são apresentados nos capítulos seguintes, que são como contos conectados.

“A visita cruel do tempo” nos prende com seu estilo sem começo-meio-fim. Mas mesmo assim, sempre nos dá o desfecho dos personagens. Lá pelas tantas do texto encontramos resumidamente como eles estarão no futuro. Alguns bem, outros desiludidos, outros mortos ou extremamente doentes de corpo ou alma.

Nesse trajeto, que vai desde a década de 70 até 2000 e alguma coisa (não necessariamente nessa ordem), conhecemos Lou, famoso produtor musical que coleciona mulheres e filhos; Scotty, melhor amigo de Bennie na juventude que, fracassado, o procura anos depois com um peixe nas mãos; Alex, que se envolveu com Sasha no passado; Dolly, relações públicas que aceita trabalhar para um general homicida, entre outros com suas próprias questões e libertações do tempo.

No compasso das vidas que surgem, o estilo da narração vai mudando. Ora em primeira pessoa, ora em terceira, ora na forma de viagem psicodélica. E, inclusive, por meio de apresentação em Power Point.

Talvez seja Scotty quem melhor define a essência do livro, que ganhou o prêmio Pulitzer de 2011 e a adaptação para a TV pela HBO: “Assim como todos os experimentos fracassados, esse me ensinou algo que eu não esperava: um dos ingredientes-chave da chamada experiência é a fé ilusória de que esta é especial, e de que os que dela participam são privilegiados e os excluídos estão perdendo alguma coisa.”
 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

mania de explicação


Página do poético livro “Mania de Explicação”, de Adriana Falcão com ilustração de Mariana Massarani. 

Veja outros trechos tirados da imaginação da menina que buscava explicação para tudo:

“Dificuldade é a parte que vem antes do sucesso.”
“Sentimento é a língua que o coração usa quando quer mandar algum recado.”
“Angústia é um nó muito apertado bem no meio do seu sossego.”
“Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.”

Sentenças bem esclarecedoras. As crianças ficarão satisfeitas (e os adultos também).


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

pinterest


E eu descobri o Pinterest, rede social que compartilha desejos, gostos, paixões. Tudo por meio de “achados” na internet. O resultado é um painel inspirador repleto de imagens que aquecem os olhos. O nome vem da combinação das palavras pin (alfinete) com interest (interesse). A ideia é justamente essa: “pregar” na tela tudo o que lhe atrai.

Vale conferir. Abaixo o retrato tirado hoje dos meus “pins”, com destaque para momentos de leitura. Que tal montar o seu também?



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

diário bizarro, e econômico, de bordo

Ao entrar no avião começa a aventura: disputa por um lugar no compartimento de bagagem de mão. Ganha quem ficar parado por mais tempo no corredor impedindo a passagem dos outros passageiros.

Assim que o embarque é encerrado e as portas ficam “no automático”, começa o troca-troca. Afinal, as pessoas querem ficar perto dos amigos, parentes, papagaios ou simplesmente encher o saco de quem assiste à cena. Coitado do japonês que topou trocar de lugar com uma das passageiras da CVC. Ficou ao lado de um cara que deve sofrer de incontinência urinária. Levantava para ir ao banheiro de meia em meia hora. E como o japonês estava no corredor, não teve sossego. Abençoada seja a serenidade oriental.

Passado algum tempo da decolagem, aparecem os pés descalços, ou melhor, com meias. Desde as coloridas até as meias finas que não cobrem os dedos (aquele modelo sinistro usados com sandálias). Há ainda as fornecidas no kit do voo, as velhas, as sujas e as com odor característico de quem não teve a preocupação de tomar uma boa ducha antes da viagem.

Logo todos já estão novamente acomodados nas poltronas embrulhados com os cobertores cedidos pela companhia aérea. Fones de ouvidos conectados e dedos a cutucar o vizinho da frente enquanto ficam a desvendar tudo o que o recurso multimídia do avião oferece. E viva o touch screen.

A primeira refeição se aproxima. Hora de descer a bandejinha e aguardar atentamente a sua vez.

Saciada a fome, inicia-se a saga do banheiro. De posse do kit com escova e creme dental, todos vão para a fila ao mesmo tempo.

Apagam-se asluzes e vemos os zumbis. Pessoas a zanzar de um lado para outro com suas meias pelos corredores. O andar é vagaroso, sonolento e elas geralmente mantêm o cabelo amassado. Há ainda aqueles que ficam com a bunda na sua cara a fim de prevenir a trombose.

Chega uma hora em que o silêncio reina. Todos dormem. Hora de aproveitar ao máximo esse momento para focar no destino e esquecer tudo o que está acontecendo.

Depois de um sono mal dormido nas desconfortáveis poltronas, temos a infelicidade de sermos acordados pela senhora que abriu uma fresta da janela, clareando repentinamente todo o ambiente.

O despertar é geral. Então, água daqui. Um suco ali. E lá vão os comissários de bordo servir a todos que acendem a luz para chamá-los.

Crianças, crianças. Sempre há. Desta vez, palma para elas. Em especial para os três irmãos ingleses que se comportaram muito bem. O mais novinho era uma graça e a única vez que tentou se expressar de forma mais ruidosa, teve seu som abafado pelo sinal universal do silêncio emitido pela irmã do meio: psiu. Ingleses, amo vocês.

Para terminar, tem a espertinha que tenta ser a primeira a retirar sua mala do tal compartimento. Antes mesmo de o avião aterrissar. Só escutamos um sonoro e raivoso som vindo de uma das comissárias: “SENHORA, SENTA!” Tarde demais para dar uma bronca nos passageiros, já chegamos.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

cinquenta tons de cinza

Minha deusa interior está a me amaldiçoar. Tudo porque resisti às inúmeras "minha deusa interior isso, minha deusa interior aquilo", faladas a todo momento por Anastacia em "Cinquenta tons de cinza", da britânica E. L. James. Digo que resisti porque fui até a última página do livro na esperança de um desfecho revelador, o que não aconteceu.

Tão irritante quanto a tal deusa de Anastacia é o "não morda os lábios" de Christian Grey. E dessa forma a história segue, com diálogos repetitivos e cansativos que permeiam a relação de um rico empresário com uma recém-formada em Literatura. Ah, claro, há também muitas passagens de sexo. Com direito a tapas, beijos e pulsos amarrados com a gravata da capa, já que o protagonista bonitão é sadomasoquista.

Definitivamente, nada erótico ou sensual, apenas explícito. Feministas que ameaçaram queimar os exemplares do livro, não percam tempo dando mais atenção a esse best-seller. Com certeza, ele não fere a dignidade de ninguém. É apenas um livro que, utilizando uma frase feita, deixa muito a desejar. "Estamos aqui para satisfazer", diria ironicamente Christian. Perdeu, querido, vou passar longe dos outros dois títulos da dita trilogia.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

café da manhã com leitura

Essa dica é para quem está próximo da Avenida Paulista, em São Paulo. Que tal tomar café da manhã especial antes do trabalho? Tempo necessário para terminar mais um capítulo do livro, ler o jornal, atualizar o blog ou simplesmente relaxar. Aqui estão cinco sugestões que combinam ambiente tranquilo com opções típicas do desjejum. Bom dia  :-)

Pain de France

Dentro da Aliança Francesa, na Ministro Rocha de Azevedo, fica uma das unidades da rede. Vale por ser um lugar que remete aos cafés europeus, principalmente pela gostosa área externa. Peça o chá com flores e frutas e aprecie o sossego da boa leitura. www.paindefrance.com.br


Athenas Restaurante

Há várias opções para o café da manhã no cardápio. Na dúvida, fique com o combinado especial que dá direito a excelente salada de frutas, suco de laranja, tostex, chá ou café. Boa música ao fundo e cenário matinal que destoa da agitação do restaurante-bar-café à noite. Aconchegue-se numa mesa com poltrona e aproveite. www.athenasrestaurante.com.br


Starbucks

A sugestão é a unidade que fica na esquina da Augusta com a Alameda Jaú. No andar de baixo, há o confortável espaço com poltronas, sofás, mesas. É só sentar e aproveitar a leitura ao lado do copo grande de chai latte de canela com leite de soja. Dica: a não ser que goste de bebida muito doce, peça para eles não adoçarem seu chá. www.starbucks.com.br


Paris 6

Bistrô que oferece buffet completo de café da manhã. Só senti falta de chá e frutas. Mas a simpática música francesa ao fundo compensou. Sem contar que você se sente, de fato, em Paris. Curta esse momento “fora” de São Paulo e fique com mais vontade ainda de transitar pelos mesmos lugares que Jesse e Celine no adorável “Antes do pôr-do-sol”, de Richard Linklater. www.paris6.com.br 



Fran´s Café

Fiquei encantada com o chai (chá) de frutas vermelhas com pedaços de maçã, abacaxi e cravo da Índia servido na agradável e amplo espaço da Haddock Lobo. Delícia que me acompanhou no início da leitura de “A visita cruel do tempo”, de Jeniffer Egan. www.franscafe.com.br

terça-feira, 11 de setembro de 2012

give me five

No fim de cada dia, os voluntários que atuaram nos jogos paraolímpicos de Londres formavam uma fila para saudar as pessoas, em especial as crianças que saíam do conglomerado olímpico. Era o momento “high-five”, saudação na qual as mãos abertas de duas pessoas se tocam. O gesto representa vitória e mostra que tudo deu certo. Ou seja, missão cumprida. É o nosso “toca aqui” após o resultado positivo.


E foi com um grande “high-five” que o Brasil deixou Londres. Ao todo foram 43 medalhas: 21 de ouro, 14 de prata e 8 de bronze. E a meta alcançada: sétimo lugar no ranking.


Para não esquecer

Na disputa dos 800 metros de cadeira de rodas, o venezuelano Jesus Aguilar caiu a poucos metros da linha da chegada. Sem desistir, levantou e terminou a prova. O público foi ao delírio.


O chinês que sem os dois braços nada de costas. Detalhe para a largada. Nessa modalidade os atletas partem de dentro da piscina, segurando a borda com as mãos antes do tiro. E quando não há braços? Bem, largam com a ajuda do técnico, que segura a ponta de uma toalha, enquanto a outra fica firme na boca do atleta até o momento da disparada.


Euforia da torcedora britânica que nas provas da natação sabia o nome de todos. Gritava, batia palmas, saudava e comemorava cada vitória e recorde mundial. Ela representou muito bem o fervor inglês presente em todas as disputas. A arquibanca ensaiou até a famosa “ola” durante as provas de atletismo.


O torcedor-tenor que cantou em alto e bom som o hino da Itália durante a cerimônia de premiação da atleta Martina Caironi. Contagiou a plateia que o acompanhou com palmas.


O Parque Olímpico esteve sempre cheio. Quem viu a Olimpíada disse que não havia nenhuma diferença. Apesar da multidão, ouro para a organização e respeito do público.


Jogadores brasileiros do Futebol de 5 ficam de joelho durante a disputa de pênaltis contra a Argentina nas semifinais. O Brasil levou a melhor e ainda conquistou o ouro na final contra a França. Quem nunca assistiu a uma partida, vale conferir. Está ainda na memória o sorriso dos jogadores ao ouvirem os brasileiros que os saudavam enquanto deixavam o campo.


Delícia abrir os jornais ingleses e ver nossos atletas em evidência. Aliás, a imprensa esteve com ótima cobertura dos jogos, com direito a charges e primeira página para os ídolos britânicos, como a nadadora Eleanor Simmonds. Esperamos o mesmo daqui a quatro anos no Brasil. A publicidade britânica também merece medalha com os anúncios espalhados pelo metrô, Parque Olímpico, jornais.


Aliás, lá não havia paratletas. Apenas atletas. Fica a dica.


As luzes e cores do Estádio Olímpico à noite vão deixar saudades. Assim como a vista de Londres lá do alto da London Eye. Cheers!





domingo, 26 de agosto de 2012

a estrela curiosa

Você sabe como se faz uma estrela? É fácil: "pegue um pouco de pó de Lua, misture com farinha de astros, incendeie com fogo do Sol e mexa com muito carinho!" Pronto. Agora é só moldar as estrelinhas e entregá-las às fadas que vão pendurá-las no céu com fios invisíveis. Essa receita está no livro "A estrela curiosa", de Walcyr Carrasco, autor de teatro, novelas, minisséries e também escritor de livros infantis. Mas como cada estrela tem sua própria personalidade (e até características físicas distintas), uma delas nasce com incrível inquietação. Fica a balançar seu fio invisível de um lado para outro. Tudo para não perder de vista o que acontece ao seu redor. Balança tanto que o fio não resiste e arrebenta. E a estrelinha cai, cai e cai. Valeu a pena tanta curiosidade? Pode ser que sim. As crianças que tiveram contato com o livro aprovaram o desfecho interplanetário, muito bem ilustrado por Eduardo Burato.E essa que vos escreve ainda está aqui a refletir sobre a origem dos cometas, estrelas cadentes e sonhos cósmicos.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

história pra boi casar

Era uma vez um boi que queria casar. Mas ele morava numa fazenda que não permitia essa união. Dizia-se que o fazendeiro não era nada casamenteiro. Então, o boi fugiu para terras que permitiam o amor. Esse é o enredo de “História para boi casar”, de Alessandra Roscoe, homenagem às cantigas e histórias contadas na infância. 

Lá encontramos personagens bem conhecidos, como o sapo que não lava o pé, a borboletinha que faz chocolate para a madrinha, a dona barata com as sete saias de filó. Todos entusiasmados com a festa de casamento do boi. Aliás:

“O boi não tinha cara preta
Nem fazia careta.
Ele se apaixonou
E só sossegou no dia em que se casou.”

Atenção especial às belas ilustrações de Mariana Zanetti, que dão movimento especial ao texto. Com reverência ao ritmo da festa popular brasileira Bumba-meu-boi, a história também é contada e cantada num CD que acompanha o livro.  

“Boi, boi, boi, boi da cara amarela
Que fugiu pra casar com a vaca,
Aquela que pulou a janela.”

“O sapo foi convidado
E até lavou o pé
Pra se livrar do chulé
(mas que chulé!).”



domingo, 5 de agosto de 2012

e começa a 22ª bienal internacional do livro de são paulo

Tenho ótimas recordações da minha infância relacionadas à Bienal. Principalmente na época em que as livrarias não eram megastores e a Bienal do Livro era o único local, além das bibliotecas, no qual se podia tocar, ver e sentir os livros. Estavam todos lá à nossa disposição para uma breve leitura ou apenas para a efetiva contemplação.

Para mim, bienal era - e de certa forma ainda é - sinônimo de livro. “Vai começar a Bienal”, significa, “vai começar a grande exposição dos livros.”

Neste ponto, chamo a atenção para a exposição, de fato. Ontem (05) li a entrevista que o autor de livros infantis Ilan Brenman deu ao Estadão, e que reforça a importância do suporte dado ao texto. Lá ele comenta sobre o valor do projeto gráfico do livro, sobretudo para as crianças. São como obras de arte. E como portal de novidades, a Bienal explora isso muito bem. Traz livros que chamam a atenção para formatos inusitados, para as ilustrações, para cores e, consequente, para o conteúdo. Os estandes são verdadeiros convites à leitura. Mesmo com a proliferação dos e-books e o encantamento que a tecnologia traz, acredito que nada substitui a experiência sensorial que o livro pode proporcionar. Que tal explorar este momento?

Livros transformam o mundo, livros transformam pessoas” é o tema deste ano. São 480 expositores e a expectativa de 800 mil visitantes.

De 9 a 19 de Agosto de 2012
Pavilhão de Exposições do Anhembi
Av. Olavo Fontoura, 1.209 - Santana - São Paulo - SP
Das 10h às 22h. No dia 19 de agosto, das 10h às 20h, com entrada até as 18h

O evento também traz programação especial que mescla a literatura com diversão, negócios, gastronomia e cultura. Mais informações: www.bienaldolivrosp.com.br.


Foto tirada durante a Bienal de 2010. No painel, campanha da Imprensa Oficial

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

on the road

Motivada pelo lançamento do filme de Walter Salles, “Na estrada”, finalmente li o livro que o inspirou: “On the Road”, de Jack Kerouac, publicado em 1957. Queria terminá-lo antes da estreia nos cinemas, mas não deu. Os inúmeros “Iuuupi! Vamos lá!”, “Sim! Sim!”, “Claro! Claro! Claro!” de Dean Moriarty, o garoto-rebelde-cheio-de-problemas-aventureiro, travavam a todo instante minha leitura. Pode ser que eu o tenha lido tarde demais. Mas o fato é que tanta agitação da geração beat me cansou um pouco, apesar de o ritmo da escrita ser contagiante. 

Parece que estou, de fato, ouvindo Sal Paradise (ou Kerouac, já que o livro traz suas experiências) a narrar a história com a pegada do jazz. Admiro o espírito aventureiro dos garotos norte-americanos da década de quarenta, mas vejo certa tristeza e melancolia na voz de todos os personagens. Suas peripécias são tentativas, muitas vezes frustradas, de fugir da realidade que não condiz com os sonhos. No caso de Sal, reflete ainda a dor causada pela morte do pai, o que somente a versão completa da obra, publicada anos mais tarde, apresenta. E o refúgio passa a ser a admiração por Dean, o cara desprendido que tudo pode e tudo faz. 

Rodar os Estados Unidos de carona em carona, roubar cigarros, carros, esconder-se nas drogas, ter sempre uma pessoa a quem recorrer quando precisa de mais dinheiro e uma cama. É assim que Dean leva a vida. E é da mesma forma que as pessoas com quem cruza colocam, também, o pé na estrada no seu rastro. 

Lá pelas tantas, a mulher de um amigo – cansada de tantas andanças – o define muito bem: “Você não tem a menor consideração por ninguém, a não ser por você mesmo e por suas malditas diversões. Só pensa no que tem pendurado entre as pernas e em quanto dinheiro poderá arrancar das pessoas que te cercam antes de simplesmente largá-las na mão. E não é só, o pior é que você nem mesmo se importa com isso. Nunca passa pela sua cabeça que a vida é coisa séria e que existem pessoas tentando fazer algo decente em vez de apenas ficar agindo feito estúpidos o tempo todo.” 

Sim! Sim!”, diria Dear Moriarty, sem captar uma palavra sequer, o que me deixa entediada. Não sei se quero ver o filme na sequência. Depois de tantas viagens repetitivas, vou dar um descanso para os “beats”. Pelo menos por ora. 

Recomendo a leitura do texto de Ignácio de Loyola Brandão em sua coluna no Estadão. Lá ele fala sobre o “mítico rolo em que Jack Kerouac escreveu 'On The Road'”.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

você tem nova mensagem

Imagem compartilhada no Facebook

As pessoas estão mais conectadas e mais solitárias. Valorizamos mais o “lá” que o “aqui”. Penso nos momentos com a família ou com os amigos nos quais eu desviei a atenção para e-mails ou mensagens nas redes sociais. Sinto vergonha.

Fui egoísta. Por que achei que falar com quem não estava presente era mais importante que comentar algo dito ao meu lado?

Claro que não entro no mérito de assuntos urgentes. Vamos admitir, porém, que eles são raros. O que há é o vício pela luz vermelha indicando nova mensagem. Sem contar a ansiedade em postar tudo o que acontece, antes mesmo que o assunto seja discutido com nosso interlocutor, doravante espectador do movimento frenético de nossos polegares.

Silenciosamente, tiramos fotos, que são rapidamente carregadas nas páginas de todos os nossos perfis. Curtimos alguns relatos, piadas. Retuitamos notícias inusitadas. Respondemos e-mails. Reclamamos um pouco da vida. Damos um bom dia geral no Facebook. E à noite enfatizamos a beleza da lua. Enquanto isso, passamos de cabeça baixa por seres que estão no mesmo ambiente que nós. Sem contar o tempo a imaginar momentos que podem ser compartilhados. Ufa.

Olho para os lados e as pessoas estão curvadas a teclar. Isso mesmo, somos os ‘corcundas do smartphone’. Parece que o celular não pode esperar. O mesmo vale para notebooks, tablets e derivados.

Mas o que não pode mesmo esperar é o convívio aqui e agora. É a nossa presença, de fato, em reuniões profissionais, familiares e com amigos. Sem tantas interrupções virtuais. Lembro de situações recentes em que nenhuma das pessoas que estava comigo parecia se importar com esses aparelhos. Fico feliz. Escrevi este texto, sobretudo, porque as lágrimas dos brinquedos, na imagem acima, sensibilizaram-me. Eles foram deixados de lado em detrimento do apetrecho aparentemente mais interessante. Triste adeus dos bonecos e ursinhos.

Não sou contra a tecnologia. Tenho cá minhas ferramentas modernas. Todavia tomei uma decisão. Não vou mais deixar que as notificações atrapalhem minha verdadeira timeline.

terça-feira, 3 de julho de 2012

é tudo tão simples

“É tudo tão simples”, da jornalista Danuza Leão, é de chorar de rir. Sem contar que me identifiquei muito com suas afirmações, o que tornou a leitura ainda mais agradável.

O livro traz dicas de moda, viagem, etiqueta, o que ter no armário, na bolsa e, principalmente, como lidar com as pessoas e não ser incomodada. Sempre a partir de suas próprias experiências. Como faz questão de enfatizar, já passou por várias fases: com muito dinheiro, com pouco dinheiro, sem dinheiro. Já foi modelo, morou na Europa, foi casada, teve filhos, netos (ou melhor, filhos dos filhos), enfim, uma vida bem agitada. E agora quer é sossego.

Por isso, foge de eventos sociais. "Às vezes recebo um convite, não quero ir e fico me remoendo achando que vou fazer a maior falta, que todo mundo vai notar e a dona da casa vai ficar tristíssima, mas, pelo que me contam no dia seguinte, percebo que não fiz a menor falta. Como a gente se acha importante." Pois é.

Na mesma linha, se não puder pagar um hotel, por mais modesto que seja, prefere ficar em casa a ter que se hospedar na casa dos outros. Também não gosta de hóspedes. "Só em caso de calamidade pública."

Aliás, sobre amizade ela é bem categórica ao afirmar que o que segura a relação são os assuntos em comuns. Assim, grávidas só devem sair com grávidas, casais com casais e solteiros com solteiros. Ou um ou outro vai ficar entediado. E "ao contrário do que se diz, amigos existem na hora em que a vida está péssima. Mas se ficar tudo maravilhoso, prepare-se para momentos de grande solidão. Costuma ser difícil suportar o sucesso dos outros."

Ainda sobre viver em sociedade, cuidado com algumas perguntas capciosas: "Você está grávida? (Não está, ela apenas engordou.)", "Vocês terminaram? Quem largou quem? (Oh, perguntas.)", "O que você viu neste cara/nesta mulher? (Aí, só cortando relações.)"

Apesar de ser voltado para o público feminino, o livro tem alguns conselhos para os homens. Por favor, ajudem a divulgar pelo menos esse: "Cuidado com o que diz; o 'eu te telefono' é capaz de levar certas mulheres à loucura, e, se você não tem nenhuma intenção de ligar, fique no 'a gente se vê', ela vai entender." Sim, sim, sim.

E por falar em amor, "cada um deve cuidar e fazer o que gosta e ser tolerante com o que outro gosta." E se levar o fora, "por mais que esteja sofrendo, tem algumas obrigações: não fazer cara de triste, não esticar a conversa, não discutir a relação, e mesmo que sejam quatro da manhã, dizer que tem hora no cabeleireiro e sair rapidinho." Existem outros, afinal.

Sobre direitos e deveres na família, a avó tem o dever de chorar quando nascem os netos e o direito de tomar um gim logo depois. Já a mãe tem o direito de esperar uma ligação, nem que rápida, dos filhos. E o dever de lembrá-los do seu aniversário. Isso diminuiu a expectativa no caso de eles esquecerem. Cabe à sogra adorar genros e noras "no exercício do cargo", mas sem nenhum direito adicional. Para os filhos, fica o recado: "deixe seus pais namorarem bastante."

No mais, uma mulher pode tudo: chorar, rir, desmaiar. Só não pode coçar as costas. Imagino a cena. Ela tem razão. Assim como está certa quando sugere para sempre vestirmos calcinhas decentes e bonitas durante as viagens. Se formos submetidas a uma revista mais rigorosa, por exemplo, não vai pegar bem estarmos de fio dental. Ou vai?

Trechos:

"Não perca seu tempo comprando (ou guardando) aquele vestido porque um dia vai emagrecer. Sabe quando isso vai acontecer? Provavelmente nunca, e a cada vez que olhar para aquela roupa de quando era um palito vai cair em profunda depressão."

"Se puder, vá passar 15 dias em Paris sozinha, e só conte na véspera, para que nenhuma amiga resolva ir também."

"Procure estar por dentro dos acontecimentos, para não ficar out numa conversa; leia pelo menos um jornal por dia."

Você não deve: "fazer parte de um grupo de pessoas muito mais velhas ou mais jovens, para não ficar descompensada."

Você deve: "nunca dar más notícias; como tem gente que adora, deixe essa função para elas, tem gente que fica com raiva de quem levou a má notícia."

"Não precisa dizer, mas outro dia eu vi um homem de unhas pintadas com esmalte incolor, quase desmaiei."

quinta-feira, 28 de junho de 2012

a casa das orquídeas

A “Casa das Orquídeas”, de Lucinda Riley, me fascinou desde início com a sua lenda da suposta orquídea negra.

Estava a ler sem parar até que, quase no fim, as inúmeras reviravoltas, ora surpreendentes, ora piegas, dos personagens me desanimaram. Mas ainda assim vale a leitura.

Entre taças de vinho ou xícaras de chá, os personagens se sentam na varanda ou diante da lareira, dependendo do clima, e disparam seus segredos. Aliás, milhares deles. Com as mesmas bebidas à mão, eu os acampanho.

Júlia é uma pianista famosa que se isola após o acidente que matou o filho e o marido na França. De volta à Inglaterra, ela se tranca num antigo chalé por meses. Por insistência da irmã, sai do refúgio e revisita a propriedade de nobres ingleses na qual os avós trabalhavam. Júlia adorava passar o tempo ali quando criança, principalmente na estufa que o avô cuidava, com muitas orquídeas e outras plantas exóticas para o frio do hemisfério norte.

Diante das boas lembranças, ela recebe do novo proprietário um diário antigo que faz com que ela se reaproxime da avó. O que não esperava era o emaranhado de revelações que a aguardava. Tudo começa com a história de Harry e Olívia. Ela apaixonada, ele ainda em dúvida sobre sua sexualidade. O casamento, às vésperas da segunda guerra mundial, foi inevitável, bem como suas consequências após o cessar das bombas. Preso por mais de três anos em Singapura, Harry é enviado à Tailândia para se recuperar. E é na distante Bangkok que ele se apaixona pela primeira vez. Nesse momento, começam todas as ligações de sua família com Júlia, reveladas somente sessenta anos depois. Suspiros, muitos suspiros.

“Por fim, ao entender o que acontecera, ela pegou a flor e cheirou seu divino perfume, ponderando sobre o que fazer. Era melhor contar uma verdade para ferir ou uma mentira para proteger?”

E é esse pergunta que todos fazem no decorrer da trama. Claro que a verdade acaba sempre aparecendo. Em alguns casos, porém, quando tudo parece estar superado.


quinta-feira, 21 de junho de 2012

mudam-se os tempos

Gosto muito de comprar livros. Embora não consiga ler todos os títulos que adquiro, sempre dou uma passada pela estante para, aleatoriamente, abrir um deles e ler algum trecho que possa acalmar o corpo e o espírito. Ou que sirva de inspiração, apenas.

E foi assim que reencontrei os sonetos de Camões no livro “Lírica, Redondilhas e Sonetos”, da Biblioteca da Folha. Li com atenção, sobretudo, aquele que fala sobre mudança e que confirma meus sentimentos. Aliás, os livros têm essa obrigação: falar o que queremos e precisamos ouvir.

Estava a pensar sobre mudanças. Ao rever alguém depois de uma década sem contato, o que eu gostaria de dizer? Que pouco mudou na minha trajetória? Ou que houve uma reviravolta e que hoje sou outra pessoa? Nem pouco nem tanto, talvez. Mas, com certeza, ficaria feliz ao surpreender meu interlocutor com novidades, a começar pelos cabelos. Dizia o poeta português: “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Até mesmo a mudança muda, ele enfatiza. Penso que fugir do novo é entregar-se ao marasmo do destino. Como bem destacou o também poeta e dramaturgo russo Vladimir Maiakovski, “melhor morrer de vodca que de tédio.”

Vou pensar, mais um pouco, no tema e no que mudou na minha vida nos últimos dez anos. Quem sabe não tenha muito a contar. Assim, espero.

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
     Muda-se o ser, muda-se a confiança;
     Todo o mundo é composto de mudança,
     Tomando sempre novas qualidades.
 Continuamente vemos novidades,
     Diferentes em tudo da esperança;
     Do mal ficam as mágoas na lembrança.
     E do bem, se algum houve, as saudades.
 O tempo cobre o chão de verde manto,
     Que já coberto foi de neve fria,
     E em mim converte em choro o doce canto.
 E, afora este mudar-se cada dia,
     Outra mudança faz de mor espanto,
     Que não se muda já como soía."
Mude

Vídeo que vi em 2003. Até as imagens dele mudaram. Confesso preferir a versão anterior. Pois é, nem sempre as mudanças agradam ;-)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

outono

Após o compromisso que me fez sair de casa mais cedo que de costume, entrei no café da Aliança Francesa. Pedi um chá de laranja com especiarias e madeleines de Proust, que nada mais são que bolinhos com traços de limão. Sentei-me junto à janela e, assim como o autor francês, fui levada a uma sucessão de pensamentos involuntários.

Na verdade, a parada, antes de entrar na empresa em que trabalho, foi um pretexto para a leitura de mais um capítulo de “A Casa das Orquídeas”, de Lucinda Riley. Depois escrevo mais sobre ele. Mas passei por um trecho que me deixou com vontade de continuar lá por mais tempo.

Primeiro porque a combinação do chá com as madeleines estava muito boa. Segundo, e principalmente, porque a manhã estava bem agradável. Céu azul, leves raios de sol e um friozinho convidativo. Clima típico do outono. Cenário perfeito para uma boa leitura. E, de certa forma, parecido com a passagem do romance em minhas mãos.

Lá duas personagens estão na varanda de um castelo a desfrutar do fim da tarde de um verão inglês (que aqui vou comparar ao nosso outono). Tomam vinho rose francês e planejam o próximo dia: “Depois vamos passear pelos jardins e eu vou lhe mostrar a estufa. Pode pegar o livro que quiser na biblioteca. Há uma casa de verão protegida atrás do caramanchão das rosas, à esquerda do jardim murado, onde costumo me sentar para ler.”

Pronto. Bastou ler isso para eu ficar assim. A devanear. Calmamente, olho para a rua e vejo pessoas subindo a calçada apressadas. Os carros disparam buzinas impacientes e o congestionamento de metas se instala. Mas não sou influenciada por esse motim. Será que não estou no lugar certo e nem na hora certa? Tomo o último gole de chá e guardo a madeleine que sobrou. Quem sabe não precise dela mais tarde, quando a quimera se for.

Fez parte dos devaneios

quinta-feira, 7 de junho de 2012

bonsai

O que esperar de um livro que começa assim: “no final ela morre e ele fica sozinho”?

Pois esperem muito. “Bonsai”, do chileno Alejandro Zambra, eleito pela revista britânica Granta um dos 22 melhores jovens escritores hispano-americados, é para ser lido sem intervalos. Com um pé na poesia, seu texto passa por nossos olhos e vai direto para a alma. Difícil evitar comparações com nossa experiência em alguns momentos. Difícil não imaginar exatamente as cenas que ele descreve. Difícil não se deixar envolver pelos personagens.

O livro é pequeno, quase um conto. Não há travessões ou aspas para os diálogos. As conversas surgem e se confundem com os pensamentos, como já fazia Saramago. Claro que com outro estilo e outra proposta. “Bonsai” conta o começo, o meio e o fim de um caso de amor. Ou melhor, conta mais ou menos fim, mais ou menos o começo e muito do meio, que foram os momentos mais intensos e repletos de leituras na cama. Julio e Emília nutriam esse hábito intelectual: buscavam nos livros a inspiração para aquecer o romance e a noite.

Mas um conto do argentino Macedônio Fernández vai afetá-los profundamente. Não fica evidente o que acontece depois, assim como todo o resto parece ficar no ar. A vida não é assim, afinal? A dúvida sempre nos persegue e nos instiga a usar ainda mais a imaginação. Já dizia Nietzsche em “Além do Bem e do Mal”: “toda credibilidade, toda boa consciência, toda evidência de verdade vêm apenas dos sentidos.” Fiquemos, então, com os sentidos para fantasiar as coisas que não foram ditas pelo narrador onisciente, porém, omisso.

Emília disse a uma amiga que criticava o casal: “qual o sentido de ficar com alguém se essa pessoa não muda a sua vida?” Eu digo: “qual o sentido de um livro se ele não muda a nossa vida?” E o bonsai? Bem, possivelmente seja a miniatura das intenções em movimento.

“Leram 'O livro de Monelle', de Marcel Schwob, e 'O pavilhão dourado', de Yukio Mishima, que foram razoáveis fontes de inspiração erótica para eles. Mas logo as leituras se diversificaram a olhos vistos: leram 'Um homem que dorme' e 'As coisas', de Perec, vários contos de Onetti e de Raymond Carver, poemas de Ted Hughes, de Tomas Tranströmer, de Armando Uribe e de Kurt Folch. Até fragmentos de Nietzsche e de Émile Cioran eles leram.”